– Mas não foi capaz de enviar um representante ao funeral do seu próprio filho.
– Porque sabia que o expulsaria.
– É possível – disse ela, encolhendo os ombros.
Nesse momento, Toby queixou-se, e ela, deixando o biberão de lado, pô-lo sobre o seu ombro ao mesmo tempo que lhe esfregava as costas. Anton observou-os e, ao observar a fragilidade de ambos, sentiu-se como o mensageiro do diabo, enviado para roubar o bebé.
– O seu avô está muito doente e não pode viajar.
– Vê-se que está doente há vinte e três anos.
Anton não fingiu não a compreender.
– O seu pai…
– Nem pense em culpar o meu pai! – exclamou ela, com olhos cintilantes. – Não está aqui para se defender, portanto mencioná-lo é desprezível.
– Ofereço-lhe as minhas desculpas – disse Anton, imediatamente.
– Não as aceito – replicou Zoe, sentindo que o sangue lhe fervia.
Toby emitiu outro gemido e, deitando-o novamente, Zoe ofereceu-lhe o biberão.
Anton observou-os, fascinado por um instante. Não tinha nenhuma experiência com bebés, mas de onde o observava, aquele bebé era grego dos pés à cabeça: o cabelo preto, a pele cítrica…
– Esse menino merece a melhor vida possível, Zoe – Anton sabia por experiência que era verdade. – Impedir que a tenha porque se recusa a perdoar os pecados do seu avô é de um egoísmo extremo, para além de um erro profundo.
– Porque não fecha a boca e se vai embora? – gritou Zoe, fazendo com que Anton se assustasse e Toby começasse a chorar.
Capítulo 3
– Odeio-o – sussurrou Zoe, antes de respirar fundo para conter as lágrimas e acalmar o bebé.
– Porque sabe que tenho razão – insistiu Anton. – Sabe que não pode manter esta casa e que terá de se mudar para uma ainda mais modesta.
Tocou o seu telemóvel e Anton, dirigindo-se para a cozinha, atendeu com um ar de impaciência. Tratava-se de Kostas, o chefe da sua escolta, que o avisava de que os ânimos começavam a aquecer no exterior.
– Os vizinhos estão indignados – disse Kostas. – Não aguentam a maneira como a sua vida está a ver-se afetada.
Tocou outro telefone. Anton viu Zoe a atender e como empalidecia à medida que escutava.
– Está bem, Susie – resmungou. – Sim, obrigada por me avisares.
– Cada dia é pior – disse Susie, do outro lado da linha. – Não podemos estacionar na nossa própria rua. Batem às nossas portas. Perseguem-nos assim que saímos. Lucy começou a chorar esta tarde porque nos perseguiram ao chegar a casa.
Toby suspirou sobre o seu ombro e Zoe sentiu que as pernas tremiam. Com as pálpebras e o coração pesados, tentou pensar em alguma coisa para dizer a modo de desculpa, mas não encontrou nada. Finalmente, agradeceu que umas mãos de dedos largos tirassem o auscultador da sua mão e desligassem por ela.
– Vá sentar-se – disse Anton.
Em vez de discutir, Zoe voltou para o sofá e ouviu-o a falar atrás dela. Parecia idêntico ao seu pai e Zoe não conseguiu conter o pranto por mais tempo. Nunca se sentira tão desesperada nem tão sozinha. Sentia a falta dos seus pais. Sentia a falta do seu pai a chegar todas as tardes com o fato-macaco de mecânico, sempre sorridente. Sentia a falta da sua mãe, que corria para o receber e para se fundir com ele num abraço. Sentia a falta da alegria e do bem-estar de estarem sentados no sofá, a ver televisão. Mas sobretudo, sentia a falta do amor que tinham partilhado naquela casa modesta e quase sempre desarrumada. Um amor que Toby nunca chegaria a conhecer.
O sofá afundou-se quando Anton se sentou ao seu lado. Passou-lhe um braço pelos ombros e puxou-a contra ele. Toby dormia profundamente.
– Ouve, Zoe – disse ele, adoçando o seu tom e tratando-a por tu pela primeira vez. – Sabes que não podes continuar aqui. A situação é insustentável.
– Manda-os embora – Zoe chorou sobre o seu ombro.
– Eu adoraria poder fazê-lo, mas não tenho poder.
– A tua presença piorou-o ainda mais.
– Então, deixa-me oferecer-te ajuda. Tenho uma casa isolada e protegida à qual podemos chegar numa hora. É uma oferta sem nenhuma condição e sem compromisso de nenhum tipo da tua parte – esclareceu, quando ela se afastou dele. – Considera-a como um refúgio temporário enquanto recuperas antes de continuarmos a negociar.
Anton soube que o ouvia, apesar de não reagir, portanto continuou:
– Pensa bem – ofereceu-lhe um lenço. Proporcionou-lhe um primeiro pequeno triunfo ao aceitá-lo. – Isto não tem nada a ver com Theo. Será o teu refúgio. Eu nem sequer estarei lá porque vou de viagem. Estarás sozinha com Toby.
Anton sabia que não estava a dizer toda a verdade. O seu instinto de predador entrara em ação assim que Zoe Kanellis se mostrara vulnerável.
Zoe tentava convencer-se de que não devia aceitar a oferta de Anton. Odiava-se por não ter contido o choro. Anton sabia como encurralar a sua vítima. Não era suficientemente parva para confiar na sua promessa de que lhe daria um refúgio «sem compromisso» de nenhum tipo. Tinha a certeza de que a atitude compassiva que tinha adotado era fingida e de que o que procurava era ter o controlo da situação.
Mas tinha razão ao dizer que era impossível continuarem naquela casa submetidos à perseguição da imprensa. Bastou pensar no mau momento que Lucy tinha passado para voltar a chorar.
– Tens de me prometer que não me pressionarás – disse, secando o nariz com o lenço.
– Prometo-te.
– E que não dirás ao meu avô onde estou.
Saberia que pronunciara a palavra proibida pela primeira vez: «avô»?
– Isso vai ser difícil, mas tentarei na medida do possível.
– E quando quiser voltar para casa, não me impedirás.
– Palavra de escuteiro – disse Anton.
Zoe levantou o olhar e olhou para ele através das suas pestanas humedecidas. Ele respondeu com uma piscadela e Zoe riu-se. Anton pensou que gostava de Zoe Kanellis e da sua valentia face à adversidade. E também gostava dela noutros sentidos, embora devesse ignorá-los por serem totalmente inadequados.
Mesmo assim, não conseguiu resistir à tentação de lhe fazer outro gesto afetuoso, retirando-lhe uma mecha de cabelo para trás da orelha. Zoe não se alterou. E Anton apercebeu-se da ironia de dois inimigos terem acabado sentados no sofá, entreolhando-se como se fosse impossível quebrar o contacto visual.
Foi ele que desviou o olhar primeiro e levantou-se pausadamente.
– Diz-me o que tenho de fazer – disse, com ar decidido e recuperando a capacidade de reação.
Zoe viu-o a ver as horas e a tirar o telemóvel do bolso.
– Tenho de arrumar algumas coisas de Toby e minhas e preciso de um duche e de mudar de roupa – disse ela, imitando-o para ignorar a confusão súbita que a invadiu.
– Vai e organiza-te – disse Anton. – Eu cuidarei de Toby.
Zoe ia pôr em dúvida as suas habilidades como ama, mas Anton já falava ao telefone novamente. Encolhendo os ombros, saiu da cozinha. Uma parte dela questionava a sensatez de se pôr nas mãos do inimigo, mas não estava em condições de o analisar mais profundamente. Portanto, preparou