Anton aproveitou para olhar à sua volta. A casa era pequena, uma construção vitoriana típica em cujo vestíbulo havia uma escada estreita e levantada e duas portas de pinho que davam acesso a outras divisões. Estava agradavelmente decorada e o chão estava coberto por uma carpete bege, mas Anton nunca teria imaginado que o filho de um multimilionário teria acabado a viver assim.
Sem falar, Zoe saiu pela porta do fundo e, respirando profundamente, Anton decidiu segui-la. Encontrou-a numa cozinha surpreendentemente ampla que servia de salão, com um canto de estar onde havia um sofá e uma poltrona azuis. Uma televisão ocupava um canto e, sobre a mesa de café, estavam desdobrados vários jornais. A outra metade da divisão era ocupada por uma grande mesa de madeira rodeada de móveis de cozinha de pinho. Nas prateleiras viam-se as coisas próprias de um bebé, e junto do sofá, um berço vazio.
– Está a dormir lá em cima – disse Zoe, ao seguir a direção do seu olhar. – O barulho que os jornalistas fazem incomoda-o – explicou, – portanto instalei-o no quarto que dá para o jardim, que é o mais silencioso.
– Não chamou a polícia para os impedir de a incomodar?
Zoe olhou para ele, perplexa.
– Não somos a família real, senhor Pallis. E os jornalistas não atendem à razão. Agora, se me desculpar…
Sentindo-se como se tivesse sido repreendido pela sua professora, Anton viu-a sair pela porta traseira. Por uma fração de segundo, pensou que ia fugir, mas pela janela viu que percorria o jardim até uma porta de madeira e a fechava. Nesse momento, apercebeu-se de que Zoe devia viver como uma prisioneira na sua própria casa e, ao mesmo tempo, não pôde evitar perguntar-se se a última pessoa que saíra por ali, mesmo antes de ele chegar, teria sido um amante.
Por alguma estranha razão, imaginar Zoe nos braços de um homem perturbou-o. Os planos que tinha para Zoe Kanellis não incluíam o incómodo de ter de se livrar de um amante.
Depois de fechar a porta que Susie deixara aberta, Zoe demorou alguns segundos a recuperar a calma. O aparecimento de Pallis e o facto de a sua voz o fazer pensar tanto na do seu pai deixara-a abatida e chorosa. Para ganhar mais tempo, apanhou a roupa que estendera naquela manhã. Não podia permitir-se ser vulnerável. Estava certa de que Anton Pallis estava ali para lhe fazer uma oferta que estava decidida a rejeitar e, para isso, tinha de se sentir forte.
Com olhos chorosos, pensou no seu pai, desejando tê-lo ao seu lado, com a sua amabilidade característica, a sua delicadeza e a sua elegância discreta. Ele teria sabido como lidar com alguém como Anton Pallis, sobretudo com o apoio da sua bonita mulher.
Mas Zoe recordou-se que não se encontraria naquela situação se não tivessem falecido e que só restava ela para proteger Toby das garras de Theo Kanellis, cujo emissário a esperava no interior.
Quando entrou na cozinha, Anton Pallis estava a guardar o telemóvel no bolso. A sua presença poderosa fazia com que o espaço à sua volta diminuísse. Tudo nele era perfeito: o fato que o envolvia sem formar uma só ruga, as suas feições equilibradas, o seu cabelo preto e brilhante, o seu queixo terminante, imaculadamente barbeado.
Nesse momento, olhou para ela e, ao sentir-se apanhada, Zoe sentiu um calafrio.
– Organizei um serviço de segurança para que mantenha os jornalistas afastados.
– Que bom! – exclamou Zoe, deixando a roupa sobre a mesa. – Agora Toby e eu vamos andar rodeados de valentões em vez de jornalistas. Muito obrigada!
Ao perceber a irritação que o seu sarcasmo causava nele, começou a dobrar roupa.
– Quer que faça mais alguma coisa? – perguntou ele.
Zoe apercebeu-se de que não era uma pergunta retórica, mas uma oferta genuína.
– Não recordo ter-lhe pedido nada – disse, encolhendo os ombros. – Quer um café antes de me dizer o que veio dizer?
Anton semicerrou os olhos, consciente de que se enganara ao considerá-la frágil. Embora a desgraça a tivesse enfraquecido fisicamente, Zoe Kanellis era uma mulher forte e com uma língua muito afiada, o que não devia surpreendê-lo, visto que, ao fim e ao cabo, era a neta de Theo.
Além disso, era óbvio que o odiava e que provavelmente odiaria Theo. Se, por outro lado, era tão inteligente como o seu curriculum mostrava, devia saber porque estava ali e estaria preparada para lutar.
– O seu avô…
– Um momento – Zoe virou-se para ele, observando-o friamente. – Deixemos uma coisa clara, senhor Pallis, o homem a que se refere como o meu avô não significa absolutamente nada para mim, portanto é melhor que se refira a ele pelo seu nome… Ou ainda melhor, que nem sequer o mencione.
– Isso poria fim a esta conversa sem sequer a começar – disse ele, com sarcasmo.
Zoe encolheu os ombros e continuou a dobrar a roupa enquanto Anton a observava, perguntando-se como resolver o problema, dado o desprezo que ela sentia por um homem que nem sequer conhecia.
– Pensava que enviaria um advogado – disse Zoe.
– Eu sou advogado – respondeu ele. – Ou, pelo menos, licenciei-me para o ser, embora mal tenha tido tempo para me dedicar a exercer.
– Está muito ocupado a fazer de magnata?
Anton sorriu.
– Vivo aceleradamente – admitiu. – Viajo demasiado para poder ter a concentração que a lei exige. Sei que o seu campo é a astrofísica… É surpreendente.
– Pelo menos, era – disse Zoe. – Mas antes que me conte como seria simples retomar os meus estudos, deixe-me esclarecer que não tenciono entregar o meu irmão, nem por todo o ouro do mundo.
– Não tinha a menor intenção de lhe fazer essa oferta, nem de lhe explicar o que já sabe.
– O quê?
– Que poderia pedir uma bolsa de estudo para cuidar do menino enquanto contínua os seus estudos. Também sei que não pode continuar nesta casa porque o seguro de vida dos seus pais não incluía o pagamento da hipoteca.
Zoe olhou para ele, indignada. Quem lhe dava o direito de falar da sua vida privada?
– O seu chefe disse-lhe para mencionar esse assunto?
– O meu chefe? – perguntou Anton, arqueando uma sobrancelha.
– Theo Kanellis. O homem que lhe proporcionou uma vida privilegiada, transformando-o no seu criado.
Zoe teve a satisfação de ver um resplendor de raiva nos olhos de Pallis.
– O seu avô está velho e doente e não pode viajar.
– Mas não suficientemente velho nem doente para deixar de se comportar como um déspota – indicou ela.
– Não sente a mínima compaixão?
– Nenhuma. De facto, nem sequer me importaria se tivesse vindo para me dizer que estava quase a morrer – disse Zoe, com firmeza, ao mesmo tempo que punha água a aquecer.
Anton aproveitou para a observar e medi-la como adversária.
– A verdade é que, noutras circunstâncias, não se teria incomodado em entrar em contacto comigo, pois não? – continuou Zoe, virando-se quando Anton desviava o olhar. – Agora quer moldar Toby para que seja mais digno de usar o apelido Kanellis do que o meu pai.
Zoe viu que Pallis abria a boca, mas se arrependia e voltava a fechá-la. Observando-a como se o hipnotizasse, perguntou-se quantos anos teria e calculou que não devia ter mais de trinta.
– Sente muita amargura – observou Anton.
– Em vinte e dois anos, não ouvi uma palavra dele – replicou ela. – E não diga que a culpa é do meu pai ou vou expulsá-lo desta casa.