Por derradeiro, ainda não pode passar sem menção o mecanismo de formalização do ato administrativo de autorização. Tradicionalmente, como já mencionado no tópico III deste trabalho, no entendimento da doutrina, a autorização é ato unilateral, devendo ser formalizada por ato exclusivo e privativo da Administração Pública. Contudo, como expus, esse entendimento está claramente ultrapassado, razão pela qual é de se perquirir como formalizar uma autorização.
A meu ver, não há uma regra pré-determinada para a formalização do ato e poderá haver a eleição por ato unilateral ou bilateral, sem prejuízo de conteúdo.
Explico-me.
Ao que me parece, a formalização unilateral ou bilateral é indiferente porque o relevante é o conjunto de efeitos decorrentes do ato. Como consequência, se o ato estiver de acordo com a finalidade a que se busca e tiver condições específicas de preservação e estabilidade, nada há a se questionar. E fundamento meu posicionamento em dois elementos basilares, a saber:
Em primeiro lugar, seguindo os ensinamentos de Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, há muitos casos em que mesmo atos unilaterais são construídos de forma bilateral, com intensa participação do particular e, portanto, com plena consideração de sua posição subjetiva. Nesse trilhar, mesmo atos unilaterais têm características bilaterais e geram efeitos protetivos das situações subjetivas do particular destinatário74. É precisamente o caso ora analisado, eis que o ato de autorização nascerá de iniciativa do particular e será realizado conforme seus ideais de exploração de negócio, de forma que, mesmo que seja promanado de forma unilateral, tem claro conteúdo bilateral.
Em segundo lugar, o conteúdo do ato administrativo de autorização é mais relevante do que sua forma de expedição. Portanto, o relevante é que sejam disciplinadas as condições de exploração da infraestrutura, os direitos das partes, o relacionamento no mercado etc. Se isso será realizado por ato unilateral ou bilateral, parece-me indiferente. Novamente, valendo-me das lições do mesmo autor, o relevante é a relação jurídica e não a forma de edição do ato75.
Assim, para concluir a análise do regime de outorga da autorização ora dissertada, parece-me claro que poderá haver ato unilateral, ou ato bilateral, conforme venha a ser escolhido no diploma jurídico criador e disciplinador do ato em causa.
2. REGIME DE ESTABILIDADE DA NOVA AUTORIZAÇÃO
Como já desenvolvi no tópico III deste trabaho, as concepções doutrinárias clássicas acerca das características da autorização encontram-se completamente superadas. Muito embora, como afirmado no subtópico anterior, haja uma certa margem de discricionariedade concernente à capacidade do regulador do mercado verificar se há capacidade para nova infraestrutura, não vejo, nas autorizações de que ora trato, qualquer possibilidade para qualquer traço de precariedade.
É dizer, embora tenha que admitir que há alguma discricionariedade – não na acepção clássica em que a Administração pode simplesmente escolher entre outorgar ou não a autorização –, não há como sustentar-se a existência de qualquer precariedade no ato ora dissertado.
Como bem afirma Rolf Stober, a função das autorizações – como qualquer outro título habilitante, aliás – é garantir segurança jurídica ao autorizatário, haja vista que lhe garante a plena legalidade de sua ação na exploração da atividade autorizada.76 Nesse passo, a autorização tem o condão de assegurar ao particular autorizado que os investimentos que serão realizados na exploração de uma atividade estão devidamente amparados pelo ordenamento jurídico, donde se extrai a obrigatoriedade de um mínimo de perenidade.
Assim é que, no caso vertente, não há como se imaginar que a Administração Pública pudesse ter a capacidade de outorgar uma autorização aeroportuária em caráter precário. É completamente incongruente com a natureza da atividade autorizada, eis que há a necessidade de vultosos investimentos e de expectativa de longo prazo e estabilidade. Imaginar o contrário seria, a meu ver, a sobreposição de teorias vetustas e ultrapassadas de um Direito Administrativo inexistente à realidade fática, o que é um completo absurdo por si só.
O quanto afirmo é amplamente corroborado pelo contorno dado pelo Direito positivo às mais diversas autorizações existentes em outros setores regulados. Por exemplo, no setor elétrico, o artigo 24 da Resolução ANEEL n.º 673, de 4 de agosto de 2015, expressamente determina que as autorizações outorgadas para a exploração de pequenas centrais hidrelétricas terão prazo de duração de 35 anos; da mesma forma, no setor de telecomunicações, a Resolução ANATEL n.º 321, de 27 de setembro de 2002, determina que as autorizações de serviços privados não têm prazo pré-determinado, porém determina situações expressas e exclusivas em que poderão ser terminadas pela agência; no setor de portos, as autorizações para a exploração de terminais privados têm duração de 25 anos, prorrogáveis por sucessivos períodos idênticos, sendo muito claramente limitadas as hipóteses de extinção, em consonância com o disposto no artigo 8º da Lei 12.815/2012; e, por fim, no próprio Decreto 7.781/2012 há a determinação de prazo ilimitado para as autorizações, com a delimitação das hipóteses em que poderá a autorização ser extinta77.
Sendo assim, parece-me evidente que, ao determinar que a autorização é título habilitante cabível para atividade de enorme complexidade e muito demandante de investimentos, como a construção de aeródromos públicos, estabeleceu-se, no Direito Administrativo, uma impossibilidade pela costumeira condição precária desse instituto. Somente pode fazer qualquer sentido entender-se que a autorização é cabível se lhes forem conferidos contornos condizentes com as características da atividade autorizada. É o mínimo da razoabilidade.78
Portanto, não parece que possa ser objeto de dúvidas de que a autorização ora discutida aplicável para a implantação e operação de aeródromos públicos em regime de concorrência com os aeródromos sujeitos ao regime de serviço público não tem qualquer elemento de precariedade, devendo ser outorgada por prazo certo, com condições claras de extinção e a consequente criação de direitos subjetivos em favor do autorizado. Imaginar o contrário significa desconsiderar o mínimo de razoabilidade dos atos administrativos, bem assim não atribuir qualquer valor aos Princípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança Legítima.
Nesses quadrantes, a autorização in casu deverá ser outorgada com prazo fixo, condizente com as condições da atividade e não poderá ser alterada ou, muito menos, extinta fora de condições muito específicas e disciplinadas sempre ex-ante. E isso, por evidente, independe de o ato ser formalizado por instrumento bilateral ou unilateral, dado que o relevante é o direito criado para o particular subjacente ao ato, ou seja, é a relação jurídica existente.
3. REGIME DE ENCERRAMENTO DA AUTORIZAÇÃO
Tendo visto como a autorização delineada neste tópico deve ser emitida e quais são suas condições de vigência, parece-me necessário traçar breves comentários acerca de seu regime de potencial encerramento. Isso, pois é evidente prever-se em quais situações a relação jurídica construída poderá ser extinta.
O primeiro ponto relevante é reafirmar a inexistência de qualquer precariedade no ato ora discutido. Isso implica afirmar que eventual extinção da autorização para implantação e operação de aeródromo público não poderá ser extinta por decisão unilateral e discricionária da Administração Pública. Exatamente por essa razão, o ato de autorização não pode se encontrar