A encomenda estava em sua mente quando Avery voltou da corrida. Ao tirar as luvas e a touca, com a bochecha rosa do frio, caminhou até onde havia deixado a caixa. Ela já tinha olhado a caixa inteira, procurando por pistas ou por significados escondidos deixados por Randall, mas não encontrara nada. Também não encontrara nada nas folhas de jornal amassadas. Havia lido todos os artigos no papel amassado, e nada parecia fazer sentido. Era apenas papel amassado. Mesmo assim, Avery havia lido e relido cada linha dos artigos várias vezes.
Ela estava mexendo ansiosamente na caixa quando seu telefone tocou. Pegou-o da mesa da cozinha e olhou o número na tela por um momento. Sorriu hesitantemente e tentou ignorar a alegria que tomou conta de seu coração.
Era Connelly.
Seus dedos congelaram por um momento porque, na verdade, ela não sabia o que fazer. Se ele tivesse ligado duas ou três semanas antes, Avery teria simplesmente ignorado a ligação. Mas agora... bom, algo era diferente agora, certo? E por mais que ela odiasse admitir, sabia que precisava agradecer a Howard Randall e sua carta por aquilo.
No último toque antes que a chamada caísse na caixa de mensagens, Avery atendeu.
- Ei, Connelly – ela disse.
Houve um silêncio do outro lado da linha antes que Connelly respondesse.
- Ei, Black. Eu... bom, eu vou ser sincero. Eu estava esperando falar com sua caixa de mensagens.
- Desculpe te decepcionar.
- Não, nada disso. Estou feliz em ouvir sua voz. Já faz um tempo.
- Sim, tem sido estranho.
- Devo entender que você se arrependeu de se aposentar tão cedo?
- Não, eu não diria tanto. Como vão as coisas?
- Vão... vão bem. Digo, tem um vazio na equipe que costumava ser preenchido por você e Ramirez, mas estamos nos virando. Finley está melhorando muito. Ele tem trabalhado muito próximo ao O’Malley. Acho que Finley, cá entre nós, levou a sério quando você saiu. Ele decidiu que se alguém fosse pegar seu lugar, seria ele.
- Bom ouvir isso. Diga a ele que eu sinto falta dele.
- Bom, eu esperava que você pudesse vir e dizer isso a ele pessoalmente – Connelly disse.
- Acho que ainda não estou pronta para uma visita – ela respondeu.
- Bom, eu nunca fui bom em conversa fiada – Connelly disse. – Vou direto ao ponto.
- É o que você faz de melhor – Avery disse.
- Olhe... temos um caso—
- Pode parar – ela disse. – Não vou voltar. Não agora. Provavelmente nunca, ainda que eu não possa negar totalmente essa possibilidade.
- Só me ouça, Black – ele disse. – Espere até ouvir os detalhes. Na verdade, você provavelmente já ouviu sobre ele. Está nos jornais todo dia.
- Não assisto jornal – ela disse. – Cara, eu só uso o computador para entrar na Amazon. Não me lembro da última vez que li uma notícia.
- Bem, é estranho demais e nós não estamos conseguindo entender. Eu e O’Malley bebemos até tarde ontem e decidimos que precisávamos ligar para você. Isso não se trata somente de eu puxando seu saco e tentando te convencer... mas você é a única pessoa em quem nós pensamos que poderia resolver essa. Se você não viu nos jornais, eu posso te contar o que—
- A resposta é não, Connelly – Avery disse, interrompendo. – Eu agradeço a ideia e o convite, mas não. Se um dia eu estiver pronta para pensar em voltar, eu vou te ligar.
- Um homem está morto, Avery, e o assassino pode não ter acabado seu serviço – ele disse.
Por algum motivo, ouvi-lo dizer seu primeiro nome a chamou atenção.
- Desculpe, Connelly. Por favor mande um oi para o Finley.
E então, ela desligou. Olhou para o telefone, perguntando-se se havia cometido um erro. Avery estaria mentindo se dissesse a si mesma que a ideia de voltar ao trabalho não era animadora. Até o fato de ouvir a voz de Connelly a fez ter saudades daquela parte de sua antiga vida.
Você não pode, disse a si mesma. Se você voltar ao trabalho agora, basicamente você estará dizendo a Rose que você não está nem aí para ela. E você estará correndo para os braços da criatura que te colocou onde você está agora.
Avery levantou-se e olhou pela janela. Olhou as árvores, as sombras, e então pensou na carta de Howard Randall.
E na pergunta de Howard Randall.
Quem é você?
Ela estava começando a achar que não sabia a resposta. E talvez estar longe do trabalho fosse o motivo.
***
Avery mudou sua rotina naquela tarde pela primeira vez desde que havia a estabelecido. Dirigiu até o sul de Boston, no cemitério de St. Augustine. Era um lugar que ela vinha evitando desde a mudança, não só pela culpa, mas também porque o destino parecia ter sido manipulado para forçar aquele golpe em sua vida. Ramirez e Jack estavam enterrados naquele cemitério, e ainda que estivesse a várias filas de distância, aquilo não importava para Avery. Para ela, o resultado de suas falhas estava representado no mesmo pedaço de grama.
Por isso aquela era sua primeira visita ao local desde os funerais. Ela ficou no carro por um momento, olhando para a lápide de Ramirez. Saiu do carro devagar e caminhou até onde o homem com quem ela teria se casado descansava. O túmulo era modesto. Alguém havia recentemente colocado um buquê de flores ali—provavelmente a mãe dele. Flores que morreriam no frio em poucos dias.
Avery não sabia o que dizer, mas imaginou que fosse normal. Se Ramirez soubesse que ela estava ali e se ele pudesse ouvir suas palavras (e Avery realmente acreditava naquilo), ele saberia que ela nunca fora a melhor com sentimentos. Provavelmente, seja lá onde ele estivesse, ele estava surpreso por ela estar ali.
Ela colocou a mão no bolso e puxou o anel que Ramirez pretendia entregá-la.
- Saudades de você – disse. – Sinto sua falta e estou... perdida. Não preciso mentir para você... não é só porque você se foi. Não sei o que fazer. Minha vida está destruída e a única coisa que poderia deixar tudo estável de novo—o trabalho—é provavelmente a pior ideia.
Avery tentou imaginar ele ali, a seu lado. O que ele diria? Ela sorriu ao imaginar ele franzindo a testa, de seu jeito sarcástico. Ligue o foda-se e entre nessa. Ele diria isso. Volte ao trabalho e faça o que você quer da sua vida.
- Você não está ajudando – Avery disse com sua própria expressão de sarcasmo. Ela assustou-se um pouco ao perceber o quão natural era conversar com a lápide de Ramirez. – Você me diria para voltar ao trabalho e ver o que acontece, não é?
Avery olhou para o túmulo, como se estivesse esperando uma resposta. Uma lágrima caiu de seu olho direito. Ela a secou e virou-se, na direção do túmulo de Jack. Ele havia sido enterrado no outro lado do cemitério, em uma lugar que ela mal podia ver dali. Caminhou pelo caminho estreito e aproveitou o silêncio. Não deu atenção às outras poucas pessoas que estavam ali, deixando-os também aproveitar sua privacidade.
No entanto, ao se aproximar do túmulo de Jack, Avery viu alguém parado ali. Era uma mulher, pequena e com a cabeça baixa. Com mais alguns passos, Avery viu que era Rose. Suas mãos estavam nos bolsos e ela vestia um moletom com touca, que cobria seu rosto.
Avery não queria chamá-la, esperando poder chegar perto o suficiente para que elas pudessem conversar. Mas depois de mais alguns passos, Rose pareceu sentir que alguém estava se aproximando. Ela virou-se, viu Avery, e imediatamente