A caixa escolhida não continha seu iPod, mas tinha algumas garrafas de licor das quais Avery nem se lembrava mais. Ela tirou um copo da caixa, encheu de whisky e caminhou até a varanda. Fechou os olhos ao se deparar com a luz da manhã e deu um gole em seu whisky. Sentiu a bebida descendo e tomou mais um gole. Depois, olhou seu relógio e viu que eram dez horas da manhã.
Encolheu os ombros e sentou-se na velha cadeira de pedra, que já estava na casa quando Avery a comprara. Olhou em volta e sentiu, novamente, que poderia viver ali o resto de sua vida, totalmente confortável.
A casa não era uma cabana, mas tinha um toque rústico. Tinha só um andar e era moderna por dentro. Seu endereço dizia que Avery agora morava próximo ao lago Walden, mas ela estava longe o suficiente para poder se considerar “no meio do nada”. Seu vizinho mais próximo estava a quase um quilômetro de distância, e apenas árvores podiam ser vistas desde a porta da frente.
Não havia buzinas. Nem pedestres com pressa enquanto mexiam nos celulares. Nem trânsito. Nem cheiro de gasolina saindo dos motores.
Avery tomou mais um gole de seu whisky matinal e escutou em volta. Nada. Absolutamente nada. Bom, quase nada. Ela pode ouvir dois pássaros cantando entre as árvores enquanto sentia a brisa da manhã.
Ela havia feito o possível para que Rose também viesse morar ali. Sua filha havia passado por muita coisa, e só Deus sabia se ficar na cidade a ajudaria a se recuperar. Mas Rose havia recusado. Na verdade, recusado veementemente. Depois que a fumaça do último caso havia baixado, Rose decidira que precisava culpar alguém pela morte do seu pai. E, como sempre, a culpa recaiu sobre os ombros de Avery.
Por mais que doesse, Avery entendia. Ela teria se comportado da mesma forma se os papeis fossem invertidos. Durante sua mudança para a floresta, Rose havia a acusado de estar fugindo de seus problemas. E Avery não havia tido problemas em concordar. Ela estava ali para escapar das memórias de seu último caso—dos últimos meses de sua vida, na verdade.
Elas haviam chegado muito perto de recuperar o relacionamento que um dia tiveram. Mas quando o pai de Rose morrera—assim como Ramirez, o homem que ela tinha começado a aceitar como o novo amor de sua mãe—tudo fora por terra. Rose culpou Avery pela morte de seu pai e, aos poucos, Avery começou a culpar a si mesma também.
Avery fechou os olhos e deu o último gole em seu whisky. Escutou o silêncio da floresta e deixou que o whisky a confortasse. Ela havia feito aquilo várias vezes durante as últimas semanas, bebendo tanto que, em uma das vezes, tinha desmaiado por várias horas. Aquela noite, ela passara debruçada sobre o vaso e chorando, pensando em Ramirez e no futuro que eles poderiam ter tido.
Olhando para trás, Avery sentia-se envergonhada. Aquilo a fazia querer beber para se sentir bem. Ela nunca fora de beber muito, mas nas últimas semanas, whisky e vinho vinham ajudando bastante.
Ajudando a que? Ela se perguntou ao se levantar da cadeira de pedra e voltar para dentro de casa.
Olhou para o whisky, querendo beber mais e pegar no sono antes do meio dia apenas para passar por mais um dia. Mas ela sabia que seria covarde. Precisava passar por aquilo sozinha, com a mente limpa. Então, guardou o whisky e as outras garrafas na cozinha. Depois, começou a mexer em outras caixas, ainda procurando o iPod.
Em uma das caixas, havia vários álbuns de fotos. Por estar pensando em Rose enquanto estava na varanda, Avery decidiu abri-los. Havia três, e um deles tinha fotos de sua época da faculdade. Ignorou-o completamente e pegou o segundo.
Rose apareceu imediatamente. Ela tinha doze anos, e vestia um chapéu coberto por neve. Na próxima foto, ainda com doze anos, Rose estava pintando o que parecia ser um campo de girassóis em seu antigo quarto. Avery folheou o álbum até a metade, onde encontrou uma foto que havia tirado três natais antes. Rose e Jack, o pai de Rose, estavam dançando em frente à árvore de natal. Os dois estavam sorrindo abertamente. O gorro de Papai Noel de Jack estava caindo de sua cabeça e havia outros artigos de decoração nos fundos da foto.
Foi como uma facada no coração. A vontade de chorar apareceu como uma bomba. Avery não havia sentido aquilo desde que se mudara, mexendo nas caixas que continham os objetos de sua carreira. Mas ali, de repente, ela não conseguiu lutar contra seus sentimentos. Começou a chorar como se a faca estivesse, de fato, cravada em seu peito.
Tentou se levantar, mas seu corpo parecia estar paralisado. Não, ele parecia dizer. Você vai se permitir esse momento e vai chorar. Vai chorar muito. Vai sentir o luto. Você vai se sentir melhor depois.
Avery fechou o álbum e o pressionou contra seu peito. Chorou com força, permitindo-se ser vulnerável por um momento. Odiou sentir que era muito bom tirar aquele sentimento de si. Chorou sem dizer nada—sem chamar ninguém nem pedir ajuda divina. Simplesmente, chorou.
Avery sentiu-se bem. Como se estivesse exorcizando seus demônios.
Ela não soube por quanto tempo ficou ali, sentada entre as caixas. Só soube que, ao se levantar, não queria mais depender de algo como álcool para se sentir bem. Ela precisava clarear sua mente e organizar seus pensamentos.
Sentiu uma dor familiar nas mãos, algo mais forte do que a necessidade de beber para afastar suas emoções. Cerrou os dedos e pensou em alvos de papel e na distância entre a arma e seus alvos.
Seu coração então confortou-se um pouco ao pensar em alguns poucos itens que tinha para decorar o quarto nos próximos dias. Não havia muita coisa, mas havia algo do qual Avery quase tinha se esquecido nos últimos dias. Devagar, tentando tomar coragem enquanto caminhava pela sala repleta de caixas, entrou no quarto.
Parou na porta por um momento e olhou para a arma, parada num canto.
O rifle era uma Remington 700 que pertencera a Avery desde sua formatura na faculdade. Durante seu último ano, ela havia feito planos de se mudar para algum lugar remoto, para poder caçar veados no inverno. Era algo que seu pai sempre fizera e, mesmo não sendo tão boa naquilo, Avery gostava. Suas amigas tiravam sarro por conta disso e provavelmente ela havia assustado um ou dois namorados na época da escola por conta de seu gosto pela caça. Quando seu pai morrera, sua mãe havia implorado para que ela ficasse com a arma, dizendo que seu pai gostaria que ela a guardasse.
E a arma a acompanhara, de mudança em mudança, geralmente ficando guardada em um guarda-roupas ou debaixo da cama. Dois dias depois de se mudar para a casa nova, Avery havia levado a arma até uma concessionária para limpá-la. Ao buscá-la, também comprou três caixas de munição.
Imaginando que poderia sentir vontade de atirar a qualquer momento, Avery vestiu suas calças térmicas. Não estava tão frio naquela manhã—um pouco acima de zero—mas ela não estava acostumada a andar pela floresta. Ela não tinha roupas camufladas, então se contentou com um par de calças verde-escuro e um suéter preto. Ela sabia que aquela não era a vestimenta mais segura para caçar veados, mas era o que ela tinha naquele momento.
Avery vestiu um par de luvas finas (tendo que buscar nas caixas para encontrá-las), colocou seu par de tênis mais velho e saiu. Entrou no carro e dirigiu por três quilômetros até uma extensão da estrada que levava a uma enorme floresta, que pertencia ao homem de quem ela havia comprado a casa. Ele havia lhe dado permissão para caçar em suas terras, quase como um bônus aleatório pela compra da casa por dez mil dólares acima do valor pedido.
Ela encontrou um lugar ao lado da estrada onde claramente caçadores vinham passando há anos. Estacionou ali, com o lado do motorista quase dentro da pista. Então, pegou seu rifle e entrou na floresta.
Avery sentiu-se boba desfilando pela floresta. Ela não caçava há pelo menos cinco anos—justamente no final de semana em que recebera a arma de sua mãe. Estava sem o equipamento adequado—botas, aroma de veado para borrifar nas árvores, chapéus ou coletes laranjas. Mas também sabia que aquela era uma manhã de quarta-feira, e que a floresta estaria basicamente