— Oh, meu Deus, escola! Eu tinha ciências hoje! — Kira lembrou de repente quando olhou para o relógio. Quase uma hora havia se passado desde que fugiu para seu abrigo secreto.
— Acho que é melhor você limpar seu rosto antes de voltar para a escola ou sua professora vai ficar preocupada.
Kira sorriu para ele agradecida.
Eles caminharam juntos até a porta.
— Você não vai contar a ninguém o que eu disse, não é?
— É claro que não! — confortou Adam. Vê-la chorar também foi uma espécie de catarse para ele, além de um alívio, mesmo se não tivesse derramado nenhuma lágrima… quase.
Ele gostou dessa garota. Ele foi capaz de sentir sua sensibilidade e doçura durante aquele curto período de tempo.
Ele não tinha visto ninguém chorar por um amigo até então.
Ela queria proteger Lucas e defendê-lo das injustiças da vida.
Ele gostaria de poder ter alguém como ela ao seu lado também!
— Posso fazer uma pergunta? — perguntou Kira após um tempo.
— Claro.
— Por que você normalmente se esconde na biblioteca também e às vezes chora? — perguntou ela com cautela.
— O quê? Eu… ? — gaguejou Adam inquieto.
— Sim, eu te vi. Mas se você não quiser me contar, eu entenderei.
Adam suspirou abatido e todos os pensamentos que o vinham assombrando desde que ele fugiu, afloraram de novo com violência em sua mente.
Como ele deveria responder?
— Acho que há algo diferente dentro de mim — disse ele em um sussurro, percebendo o significado das suas próprias palavras pela primeira vez.
***
Princeton, Kentucky, 11 de novembro de 2015
— Sinto muito, Sr. Lucas — disse Rosalinda, que se tornara a ex-governanta da família Scott, suspirando com tristeza.
— Eu também sinto muito — murmurou Lucas deprimido, sem tirar os olhos do seu dever de casa. Ele não suportava as lágrimas dessa mulher. Lágrimas falsas. De crocodilo. De mulher.
— Você chora no começo, depois trai e vai embora — disse o menino, desejando que pudesse gritar com ela, mas se conteve e agarrou a caneta com violência até quase quebrá-la.
— Você não precisa mais de mim aqui. Sua casa é pequena e seu pai não me quer. — Rosalinda tentou se justificar.
— Está tudo bem.
— Sinto muito.
Pelo quê? Por aproveitar a oportunidade e fugir de um patrão violento e bêbado que com frequência também bate em você? Pensou ele, desejando poder responder dessa forma.
— Aproveite a indenização do meu pai.
— Sr. Lucas, eu não queria ir embora. Fiquei aqui todos esses anos só por você… As coisas pioraram depois da morte da sua mãe, mas eu fiquei apesar de tudo, mesmo que nunca tenha sido corajosa o suficiente para me revoltar contra o Sr. Scott.
— Adeus, Rosy — interrompeu Lucas, já que não suportava mais as palavras dessa mulher. Ela deveria ir e aliviar sua consciência com outra pessoa! Ele tinha que estudar, pois estava cansado de ser provocado pela maneira como lia na frente de outras pessoas ou pelas suas notas ruins, mesmo se ele se esforçasse ao máximo para fazer melhor.
Desde que Kira foi embora, sua mente inteligente e sagaz como ela costumava chamá-la, parecia ter se aposentado.
Kira…
Só de pensar nela, ele podia sentir seu estômago revirando até que tivesse que se curvar pelos espasmos.
Ele nem notou que a governanta ainda estava parada na porta do seu quarto.
— Sr. Lucas.
— O que mais você quer de mim? Eu te disse para ir embora! — explodiu o garoto, de repente furioso.
— Cometi muitos erros com você, quando costumava apoiar seu pai… Eu estava com medo, mas… Não, não tenho nenhuma desculpa, mas vou contar algo que sempre mantive em segredo.
— Não me importa — interrompeu Lucas, ficando cada vez mais furioso.
— É sobre Kira, a garota que voltou para o Japão no ano passado — insinuou Rosalinda, sabendo que era um assunto delicado.
Kira. Mais uma vez.
Um novo espasmo atingiu seu estômago com violência.
— Não me importa — disse Lucas mais uma vez, torcendo as mãos para parar de tremer de raiva e desespero como tinha feito aquele ano todo. O pior ano da sua vida.
— Sei que você está mentindo. Aquela menina era tudo para você, Sr. Lucas. Eu vi o quanto você sofreu nos últimos meses. Você tem que me entender: eu gostaria de ter contado antes, que Kira não o esqueceu, como o Sr. Scott fez você acreditar. Eu me arrependo do que fiz, mas não quero ir embora sem contar verdade. Kira escreveu várias cartas para você nos últimos meses. Oitenta e seis, exatamente.
Ela finalmente conseguiu captar a atenção de Lucas: ele a encarava perplexo, com os olhos arregalados.
— Oitenta e seis cartas? Então, onde elas estão? — Ele conseguiu perguntar, enquanto seu cérebro estava tentando se concentrar em suas palavras.
— Seu pai as pegou e queimou. Todas elas — revelou ela, enquanto evitava dizer a ele que ela sempre as lia. — Sinto muito.
Lucas ficou olhando para o espaço, com a mente confusa, por muito tempo antes que conseguisse mover um único músculo.
Ele nem reagiu quando Rosalinda continuou dizendo que sentia muito, antes de sair daquela casa, para nunca mais voltar.
Quando Lucas voltou ao mundo real, ele podia sentir apenas uma raiva cega contra o homem que o trouxe ao mundo e depois tirou dele até o pobre consolo que ele poderia obter ao ler as cartas da sua melhor amiga.
Ele vinha sofrendo há muito tempo e odiava Kira por tê-lo deixado, após ter jurado várias vezes que nunca faria isso.
Ela havia dito que estava pronta para desistir de tudo por ele e que nunca o deixaria, mas em vez disso…
Nem mesmo a camiseta que ela lhe dera naquele maldito verão restou para ele, pois ele a rasgou em um ataque de loucura, após ter recebido alta do hospital por causa de um ombro deslocado.
Ele havia caído da escada por acidente. Ele lhes disse após seu pai ameaçá-lo.
Ele caminhou para a sala de estar em estado de transe, pois sabia que encontraria seu pai ali, bêbado como um gambá.
A casa deles era pequena, ao contrário da villa em que moravam no passado e que esse monstro cruel havia perdido tolamente em uma partida de pôquer um mês antes.
Ele chegou rapidamente ao piano-bar, onde encontrou uma garrafa vazia de Bourbon na bancada.
Seu pai estava se abaixando e procurando outra coisa para beber, mas teve um vislumbre da chegada do filho e se levantou.
— Onde está Rosalinda? Quero que ela vá comprar mais Bourbon — o homem murmurou enquanto cambaleava até a poltrona, mas seu filho bloqueou seu caminho.