Ele podia entendê-la tão bem: ela estava confinada em um mundo que não queria.
— Então, este é o motivo pelo qual você costuma vir aqui e chorar? — sussurrou Adam, tentando conter a emoção que a cena estava agitando dentro dele.
Ao contrário de todas as outras garotas da escola, Kira não estava chorando por uma nota ruim, por uma decepção amorosa ou por qualquer outra tolice feminina. Ele ficou muito impressionado com ela.
— Você gostaria de voltar para Princeton? Para seus amigos? — Ele adivinhou mais uma vez.
— Para Lucas. — Kira gemeu e fungou.
— Lucas? Ele é seu namorado?
— Não, ele é meu melhor amigo. Ele está em perigo e não estou mais com ele, para protegê-lo… Nem sei onde ele está no momento e o que está acontecendo com ele — soluçou ela, mostrando a Adam o envelope selado que estava segurando na mão.
Adam virou a carta de cabeça para baixo em suas mãos. Estava endereçada a um Lucas Scott de Kira Yoshida, mas havia sido devolvida a ela com as palavras “endereço desconhecido”, escritas pelo correio com um grande selo vermelho.
— Seu amigo pode ter mudado de casa. Seu Lucas nunca lhe disse nada?
Kira parou de chorar com um esforço sobre-humano e tentou se concentrar na explicação que deveria dar a ele. Ela nunca tinha confiado em ninguém no último ano, nem mesmo em sua colega de escola, Misaki, mas, naquele momento, estava com vontade de descarregar o fardo que estava carregando dentro de si em outra pessoa.
Na verdade, ela nunca tinha falado com Adam antes, mas seus olhos a fizeram entender que poderia confiar nele.
— Meu pai foi transferido para os Estados Unidos há cinco anos, então fomos morar em Princeton, perto de Davenport… Conheci Lucas lá. Ele tem a minha idade e estudava na minha mesma escola. Gosto muito dele e sempre tentei protegê-lo daquele açougueiro viciado em álcool, mas…
— Açougueiro viciado em álcool?
— O pai dele — explicou Kira e começou a chorar de novo. — Ele bate nele… Muitas vezes e eu não consegui impedi-lo. Minha mãe tentou também, mas sem sucesso… contudo, ajudávamos muito Lucas com nossa presença e as cenas violentas se tornaram menos frequentes, mas não estou mais com ele agora, eu… eu…
Uma nova explosão de choro.
— Ele está sozinho no momento e não há ninguém pronto para protegê-lo — adivinhou Adam, sentindo pena dele. — E a mãe dele?
— Ela morreu há alguns anos e deixou Lucas sozinho com o pai — respondeu Kira, com uma voz muito desdenhosa e ressentida em relação àquela mulher que deveria ter cuidado do próprio filho em vez de fugir para o além, na opinião dela. — Sou a única que se preocupa com Lucas neste mundo e eu o deixei.
Esse sentimento de culpa e sua dor por esse estado de coisas atingiu Adam como um soco na barriga, deixando-o absolutamente sem fôlego.
— O que ele vai fazer sem mim? Tenho certeza que o pai vai bater nele de novo e eu não estarei lá. Não estou mais lá com ele, você consegue me entender? — continuou Kira, dando vazão à sua profunda frustração. — Minha mãe vive dizendo que Lucas nunca respondeu minhas cartas por culpa do pai e que ele provavelmente nunca as entrega para ele… mas depois desta última, não sei o que devo pensar. Será que algo sério aconteceu com ele?
— Você não consegue ter notícias dele de alguma maneira?
— Graças ao seu emprego anterior, minha mãe conseguiu descobrir que Lucas está bem, mesmo que seu pai tenha perdido muito dinheiro no último ano por causa de algum investimento errado. Mas isso não é o suficiente para mim! Quero voltar para Princeton! Eu nunca deveria ter ido embora! É tudo culpa do meu pai.
— Seu pai foi transferido de volta para a embaixada dos Estados Unidos em Tóquio há um ano, não foi?
— Sim, eu rezei e implorei que ele me deixasse em Princeton. Eu estava pronta para ir para a faculdade, mas ele não permitiu que eu fizesse isso. A pior coisa é que eu realmente tinha certeza de que ficaria lá com Lucas. Eu tinha prometido a ele que nunca o deixaria, em vez disso… não sei se algum dia ele será capaz de me perdoar. Ele vai pensar que sou traiçoeira como a mãe dele.
— Isso não é culpa sua.
— É tudo culpa minha: toda vez que Lucas sente dor, é minha culpa. Meus pais estão sempre brigando por minha culpa… — Kira deixou escapar porque havia percebido as brigas noturnas intermináveis dos seus pais, quando eles acreditavam que ela estava dormindo no quarto. Deixar Princeton também foi difícil para sua mãe, porque ela teve que deixar seu emprego e sua filha estava abatida e irreconhecível, então este também tinha sido um golpe muito difícil para Elizabeth.
— Nunca vi nossa filha chorar tanto, nem quando era bebê! Kenzo, estou tentando fazê-la parar há meses! Eu errei em concordar com você e deixar Princeton. E para quê? Para me tornar a cuidadora da sua mãe? Oh, Kenzo, este não é o tipo de vida que eu desejava. — Elizabeth sempre reclamava.
— Tóquio é minha cidade natal e minha esposa deveria cuidar da minha mãe, que é uma viúva agora e está sozinha. Além disso, já te disse para procurar um emprego em meio período, mas só se conseguir cuidar da nossa filha. Ficar longe de você com tanta frequência foi um erro. Kira precisa nitidamente de um pouco de disciplina e regras morais. — Seu marido continuava dizendo.
— O que você está insinuando? Você acha que não assumo as minhas responsabilidades em relação a ela?
— Eu deveria lembrá-la que nossa filha não fala comigo há meses e está se comportando muito mal com todo mundo? Sem mencionar suas notas ruins na escola! Ela nem passou no exame de admissão na Escola Internacional e está frequentando uma escola japonesa muito comum no momento.
— Kira sempre foi a melhor da sua turma! O que você esperava dela? De repente, você a arrastou para longe da escola, dos seus amigos e acima de tudo, de Lucas! Você sabe o quanto ela se preocupa com ele!
— Você deveria chamá-lo de patife!
— Não é culpa dele se ele tem um pai como aquele.
— Não me importa! A vida de Kira é aqui agora e ela deve aceitá-la! — dizia seu marido todas as vezes antes de sair de casa e bater à porta.
Ao lembrar destas brigas, Kira foi dominada por uma nova enxurrada de lágrimas.
Sem proferir outra palavra, Adam fez com que ela se sentasse em uma cadeira empoeirada e permitiu que ela desse vazão aos seus sentimentos até que ela parasse de chorar.
— Lamento pelo que você está passando — disse Adam, invadindo seus pensamentos. — Não sei o que está acontecendo com seu amigo, mas posso dizer que você deveria confiar mais nele, na minha opinião.
— Eu confio nele!
— Então, pare de considerá-lo como a vítima que ele costumava ser quando vocês eram crianças. Ele está crescendo como você, então logo será capaz de se proteger do pai, você vai ver.
— Mas Lucas é tão pequeno e magro se comparado ao pai.
— Provavelmente ele costumava ser assim, mas tenho certeza que logo se transformará em um cara forte, capaz de cuidar de si mesmo.
Kira olhou para ele com os olhos arregalados. Ela nunca pensou que Lucas poderia ser capaz de se proteger daquele monstro. Na sua mente, Lucas ainda era uma criança pequena e magra de nove anos, coberta de hematomas e arranhões. Contudo, Adam estava certo: Lucas havia crescido e ficado mais forte, mesmo se não fosse o suficiente.