Apesar disso, Elizabeth nunca desistiu. Ela era famosa porque sempre obtinha os melhores resultados no seu trabalho e pelo seu incrível sexto sentido que a fazia descobrir o que havia de podre em cada família da cidade. Após quatro anos, ela ainda estava tentando obter justiça para aquela criança miserável que ela muitas vezes teve que hospedar e curar, junto com sua filha Kira, que nunca havia deixado Lucas sozinho desde que o conheceu.
Mesmo que Kira ainda fosse muito jovem, ela havia assumido os problemas do seu melhor amigo e estava muito ocupada procurando um curativo naquele momento, então não estava ouvindo o telefonema da sua mãe, mas ela já sabia de cor o discurso.
— Você provavelmente vai ter uma cicatriz. Sente-se e continue apertando a gaze — ordenou ela a Lucas, sentindo-se irritada e nervosa por não ter conseguido evitar aquela nova violência contra o menino.
— Está doendo! — reclamou Lucas, sentado no banquinho em frente ao balcão da cozinha, onde todos os tipos de remédios, gaze, algodão e curativos estavam espalhados.
— Apenas espere um momento e sente-se confortavelmente! Não consigo alcançar — continuou Kira bufando e tentando colocar o maior curativo que conseguiu encontrar na sobrancelha do menino.
— Não é minha culpa se você é pequena — provocou Lucas, enquanto achava engraçado o olhar ameaçador de Kira: quando ela semicerrava os olhos, parecia um personagem de mangás japonês.
— Você é apenas sete centímetros mais alto do que eu e, a propósito, gostaria de lembrá-lo que você era um verdadeiro baixinho no ano passado — enfatizou Kira de imediato. Ela percebeu recentemente que todos os seus colegas de classe tinham crescido muito e ela era a mais baixa agora, embora costumasse ser a mais alta no passado. Até suas melhores amigas Jane e Roxanne eram alguns centímetros mais altas que ela.
— É melhor eu pegar a cesta mais uma vez — pensou ela, sentindo-se irritada por não ter crescido nos últimos dois anos.
— Tire sua camiseta agora. Está manchada de sangue — ordenou ela logo em seguida, pensando na grande quantidade de sangue escorrendo de sua ferida quando ela foi visitá-lo naquela tarde de feriado. Ela teve que se conter e evitar se sentir mal, após ter ido para cima do pai de Lucas, chamando-o de “açougueiro viciado em álcool” e “Jack, o Estripador”. Apenas a chegada de sua mãe foi capaz de salvá-los da raiva furiosa daquele homem, que estava em um atordoamento alcoólico.
— Mas o que devo vestir então? — Lucas ficou nervoso e incomodado por estar seminu, principalmente porque as marcas da violência do seu pai ainda estavam nitidamente visíveis em suas omoplatas.
— Minha mãe e eu compramos uma camiseta para você no mercado ontem. Mãe queria dar a você no seu novo período escolar, mas eu vou fazer isso agora! Eu a escolhi — exclamou Kira entusiasmada, fazendo Lucas corar até as orelhas, mas ela apenas o ignorou e, pegando-o pelo braço como sempre fazia, ela o levou para o quarto dos pais, onde sua mãe havia escondido o presente na gaveta de meias do marido.
Quando entraram no quarto, Kira e Lucas se trancaram lá dentro.
— Aqui está!
— Obrigado — murmurou ele, sentindo-se comovido e desembrulhando o presente.
Havia uma camiseta azul dentro, com o Goomba do Super Mario no centro, como no Nintendo de Kira e seu nome, Lucas, estava impresso debaixo dele.
— Assim que vi, pensei em você, porque sempre jogamos Nintendo quando passamos o domingo juntos. Você realmente ama Super Mario Bros e pular sobre os cogumelos do jogo.
— Eu normalmente pulo sobre eles enquanto você colide com eles e é morta — lembrou Lucas. Ele considerava Kira um gênio na escola, mas uma absoluta lerda em videogames.
Como resposta, Kira mostrou a língua para ele e Lucas sorriu feliz.
— Então, será que isso vai caber em mim? — perguntou ele, mudando o assunto da conversa antes que Kira começasse a listar os campos em que não tinha problemas em vencê-lo.
Ela odiava julgar de maneira imprudente e não criteriosamente, então ela colocou as mãos nos quadris com seu ar altivo habitual e começou a olhar para ele com atenção.
A camiseta serviu nele perfeitamente e Kira não pode deixar de notar seus músculos, que não estavam ali pouco tempo antes. Ela sempre guardou silêncio sobre isso, mas havia percebido que era sempre a perdedora quando eles lutavam com os travesseiros agora, quando se empurravam no sofá ou jogavam basquete no pátio. Embora Lucas sempre tivesse sido muito magro, não havia sobrado muito do menino de nove anos que Kira conhecera quatro anos antes.
O tempo havia passado e Lucas estava ficando mais forte. Ele estava crescendo e ficando cada vez mais ousado e valente. Ele não temia mais os golpes do pai, aprendera a aceitá-los sem derramar uma lágrima.
Kira ficou olhando para ele por muito tempo e ficou fascinada pelo seu rosto como sempre acontecia. Ela tinha que amá-lo, mesmo se sua aparência fosse com frequência diferente por causa dos golpes do seu pai.
Seus olhos castanhos eram sempre brilhantes sob a pilha de cabelos castanhos bagunçados, apesar da sombra melancólica que Kira vira com frequência em seu olhar.
Saber que seu amigo estava sofrendo a deixava muito triste, então ela sempre tentava fazer com que ele se sentisse melhor e feliz quando passavam algum tempo juntos.
Ela até caiu no choro nos braços de sua mãe uma noite, pensando em Lucas.
— Você ainda é jovem demais para carregar esse fardo, mas como é atenciosa o suficiente para perceber, apenas tente fazê-lo sorrir o máximo possível. Kira, se você deseja ajudar Lucas, não deve chorar. Você precisa ser forte por ele! — Sua mãe havia lhe dito naquele dia. Ela não entendeu muito bem o que sua mãe quis dizer com essas palavras na época, mas vinha se esforçando ao máximo para estar sempre alegre e carinhosa com seu melhor amigo desde aquele momento.
E agora, depois de alguns anos, ela podia ver um Lucas muito diferente na sua frente: muito mais alto, mais forte e muito bonito.
— Então? — incitou Lucas, sentindo-se nervoso. Com certeza, ele não estava acostumado com o silêncio de Kira. Ela era a garota que falava de maneira mais mordaz e enfática da escola.
Graças a ela, ninguém jamais se atreveu a provocá-lo, mesmo quando descobriram que ele achava a escola difícil por causa de uma leve dislexia, que a fonoaudióloga e psicóloga da escola não conseguiram atestar porque o pai do menino abafou isso assim que começaram a falar sobre professores de reforço e exames facilitados para ajudar seu filho a enfrentar melhor sua deficiência.
Essa palavra, deficiência, foi exatamente aquela que provocou uma confusão, enviando a fonoaudióloga para o hospital com um nariz quebrado
Nesse dia, o poderoso Darren Scott não conseguiu escapar com facilidade e foi obrigado a pagar muito dinheiro a fim de evitar ser denunciado formalmente.
— Você está muito bonito — declarou Kira, mantendo os olhos na camiseta.
— Bonito? — repetiu o menino, divertido e desconfortável, pois não estava acostumado a tais elogios.
Kira se arrependeu imediatamente de usar essa palavra.
— Jane diz que você é bonito — enfatizou ela, muito envergonhada pois acabara de revelar o segredo da sua amiga.
— Jane? Jane Hartwood?
— Sim. Acredito que ela gostaria de namorar você — sussurrou Kira, continuando se xingando