Ela sorriu.
– É muito afortunado por ter um passado a partir do qual pode construir.
Ali estava! Nos olhos dela. Um vazio que escapara da sua guarda. Os instintos de Matt instantaneamente fizeram uma rápida interpretação. Ela viera do nada e não tinha nenhuma direcção para o futuro. Progredira com as asas da oportunidade, não tendo nenhuma raiz para a segurar num só lugar. Talvez se sentisse como um fantasma, sem uma família para lhe dar alguma solidez real. Ou será que ele estava a deduzir demais por uma expressão fugaz?
– E sobre a sua própria família? – indagou ele.
– Não tenho família – respondeu friamente, confirmando a impressão dele.
– É órfã?
Ela não respondeu a pergunta.
– Sou adulta, responsável por mim mesma, e assumi a responsabilidade desse projecto com a senhora King. Um contrato de seis meses foi assinado para isso. Se tem algum problema sobre o facto de eu desenvolver esse trabalho…
– Isso é um assunto da minha avó e não tenho a menor intenção de interferir – assegurou ele, embora ainda estivesse para descobrir se a sua avó iria beneficiar da escolha para escrever a história da família.
No entanto, aquilo não era problema de Matt.
– Também não quero interferir nos seus negócios. – Ela levantou-se da cadeira com clara intenção de partir. – O seu assistente disse que tinha mapas rodoviários já marcados para mim…
Ele não queria que ela fosse embora. Porém teria de nadar a favor da corrente. Levantou-se, dizendo a si mesmo que tinha mais seis meses para analisar aquela mulher.
Matt apanhou o maço de mapas sobre a mesa e empurrou-os para o lado dela.
– Aqui estão – disse ele, gentilmente. – Usando-os, será capaz de encontrar o seu caminho para todo e qualquer ponto de interesse histórico.
– Obrigada. – Ela agarrou na carteira que estava no chão e pousou-a sobre a mesa para guardar os mapas, numa expressão séria, de quem estava decidida a partir.
Matt não gostou de ser deixado por Nicole Redman. Não estava pronto para a ver ir… para a deixar ganhar. Agarrou na autorização de livre trânsito que deixara perto dos mapas e deu a volta à mesa.
– E isto dá-lhe viagens de graça em qualquer um dos nossos passeios turísticos – disse ele, entregando-lhe a passagem.
Ela teve um sobressalto e alguns dos mapas voaram das suas mãos. Na rápida tentativa de os resgatar, derrubou o chapéu. Ambos se baixaram para o apanhar, as cabeças quase a tocar. Ela levantou-se, recuando, deixando Matt apanhar o chapéu, o que ele fez, endireitando-se para encontrar a respiração acelerada e a face corada de Nicole.
A boca da rapariga estava entreaberta, os olhos arregalados em surpresa. E com aquela proximidade, Matt teve a estranha sensação de ser sugado por uma tempestade de sentimentos vindos directamente da alma dela. Encarou-a, silenciado pela conexão que o colocou completamente fora de equilíbrio.
Teve vontade de a beijar. Queria extrair da boca da mulher todos os segredos que ela estava a esconder, desejava envolvê-la de tal forma que ela desistisse de tudo o que era. A necessidade de a conhecer consumia a mente e o corpo de Matt.
– Obrigada – sussurrou ela.
Atordoado pelos próprios sentimentos inesperados, Matt lembrou-se de que aquela era a mulher que a sua avó planeara para ele. E não cairia na armadilha dela.
Estendeu a autorização.
A mão de Nicole estava a tremer quando a agarrou. Será que ela sentia a mesma coisa que ele? Uma parte de Matt desejava que sim, mas outra queria negar que havia qualquer poder de atracção a operar ali, de qualquer um dos lados.
Ele observou-a a guardar o bilhete e os mapas na carteira, pálpebras baixas, o vermelho dos cabelos tão vibrante que ele teve de apertar as mãos para controlar a vontade de os tocar.
Ainda tinha o chapéu nas mãos. Mas era uma loucura pensar que podia segurar a sua refém com um chapéu. A pressa de fechar a carteira e de a pendurar no ombro dizia que ela queria ir embora. E ele deveria deixá-la ir. Qualquer outra atitude colocá-lo-ia directamente no banco dos perdedores.
Ela conseguiu dar um passo, aumentando a distância entre eles. Então virou-se para o encarar.
– O meu chapéu…
Matt poderia tê-lo estendido para ela. Era a resposta mais simples. Mas um instinto perverso incitou-o a colocá-lo sobre os cabelos provocantes. Deu um passo e aproximou-se e colocou-lhe o chapéu, atento em deixar o girassol na mesma posição em que estava quando Nicole entrara.
Uma mulher desconhecida que ele pretendera que continuasse desconhecida em qualquer assunto pessoal. A não ser o facto do seu corpo inteiro estar de súbito alerta perante o dela, à quase frágil feminilidade daquele corpo. O amarelo do girassol, lembrando-lhe o vestido dela… de botões frontais, que poderiam ser facilmente desabotoados…
– Obrigada.
Nicole respirou profundamente. Estivera sem fôlego?
O pensamento excitou-o. Ganhara alguma coisa da ruiva. Com uma sensação de triunfo, Matt deu um passo atrás e sorriu.
– Tenha cuidado com o calor daqui.
As faces de Nicole estavam a reflectir um calor interno que o colocou nas alturas quando andou para abrir a porta da sala. Ela caminhou com passos firmes, o olhar fixo na porta. Assentiu com um gesto de cabeça para o conselho, quando passou por ele.
Matt riu-se quando fechou a porta atrás dela.
Definitivamente mexera com Nicole Redman.
E de repente sentiu um imenso interesse em conhecê-la melhor. Não casar-se com ela, assegurou a si mesmo. Casamento não estava nos seus planos. Mas algumas noites quentes com a exótica menina Nova Orleães não seria nenhum sacrifício. Porque não… se ela gostava dos trópicos? Não debaixo do nariz da sua avó, claro, mas se Nicole iria fazer todos os passeios turísticos de autocarro, mais cedo ou mais tarde, teria de fazer o trajecto até ao parque Kauri King, onde as frutas exóticas cresciam.
Empenhar-se-ia para estar lá naquele dia.
E então ver como se sentia em relação a ela.
Capítulo 4
Conforme era hábito, Isabella Valeri King tomou o chá da tarde na esplanada ao lado da fonte. O som das águas era tranquilizante. Havia sempre uma brisa marinha àquela hora do dia para aliviar o calor. Gostava de estar ao ar livre com muito do seu mundo à vista, a troca de cores, de luzes, a sensação de fazer parte daquilo, de estar viva, embora não com muito tempo ainda pela frente.
Olhou para a mulher sentada ao seu lado.
Nicole Redman…
Tão diferente de Gina e Hannah, tanto na aparência quanto na natureza, ainda assim compartilhava com elas a qualidade que Isabella mais admirava: a força interior de tomar decisões difíceis na vida e segui-las. O livro sobre o pai dela revelara muito sobre Nicole. Uma criança que carregara nos ombros a responsabilidade de um adulto, concentrando-se nas vantagens, deixando de lado as perdas. Uma visão muito madura para alguém tão jovem.
Embora tivesse sofrido perdas.
Assim como Isabella sofrera.
As duas últimas horas passadas na biblioteca, a reviver os anos da Segunda Guerra Mundial através de fotografias e cartas, tinham-na deixado com o coração pesado. Perdera tanto o marido quanto o seu único irmão naquele horroroso conflito.
O