“Vamos garantir que não o acordaremos antes das sete novamente”, Emily suspirou. “Não é, Chantelle?”
Mas quando baixou os olhos para a menina, viu que lágrimas corriam pelo seu rosto, e que ela estava tremendo de medo. Vê-la tão angustiada fez algo entrar em erupção dentro de Emily, um súbito instinto materno para defender sua filha.
Virou-se para Trevor, fuminando, sentindo o calor subir para seu rosto. “Sabe de uma coisa, Trevor? Chntelle pode brincar no quintal dela quando quiser. Minha casa, minha filha, minhas regras”.
Trevor pareceu pego de surpresa com a reação dela. Mas se recuperou rapidamente, voltando à sua expressão habitual de desprezo. “Mas ela não é sua filha, é?”
“Ela está sob MEUS cuidados”, Emily exclamou. “Sou responsável por ela, e farei tudo que puder para protegê-la de homens maus como você”.
Pela primeira vez, ele pareceu humilhado. Emily não estava preparada para ouvir mais nada vindo de Trevor, então agarrou Chantelle pela cintura e a tomou nos braços. A menina tremia tanto que Emily se angústiou. Ela já havia passado por tanta coisa em sua curta vida, a última coisa que precisava era testemunhar a monstruosidade de Trevor Mann.
Emily carregou-a para dentro e bateu a porta dos fundos. Nunca havia sentido tamanha explosão de emoção, do desejo de amar e proteger a menina sob seus cuidados.
“Desculpe!” Chantelle gritou imediatamente assim que entraram. Apertou Emily tão forte que Emily pensou que seu pescoço ia quebrar.
“Chantelle, tudo bem”, falou, gentil. “Trevor fica com raiva de tudo. E você não sabia que ia acordá-lo. Só que, da próxima vez, sempre peça permissão antes de sair, tá bom? Promete?”
Chantelle assentiu com a cabeça de uma maneira que sugeria que estava desesperada para fazer as pazes com Emily.
“A mamãe sempre me disse para brincar do lado de fora”, Chantelle disse, ainda chorando. “Não gostava que eu ficasse atrapalhando ela”.
O coração de Emily apertou. A pobre menina deve ter ficado muito confusa quando Emily disse para ela entrar. Sentiu-se mal por misturar as mensagens.
“Bem, eu e Daniel queremos brincar sempre com você”, Emily disse. “Certo?”
Chantelle assentiu. Pelo menos, suas lágrimas secaram e Emily colocou a menina no chão novamente.
Emily a levou para a cozinha, onde Daniel acabava de entrar. “O que está acontecendo?” ele perguntou. “Ouvi choro. Você se machucou, Chantelle?”
A menina balançou a cabeça.
“Estava justamente dizendo a Chantelle que eu e você queremos brincar com ela quando ela for lá pra fora, então, ela deve pedir a um de nós para ir junto”, Emily disse, olhando para Daniel de maneira a dizer a ele para não forçar mais o assunto.
Ele pareceu entender o que ela estava dizendo e concordou. “Fico feliz que estejam bem agora”, ele disse. “Posso fazer o café da manhã?”
Chantelle assentiu animadamente foi com Emily para a mesa, esperar pela comida.
“Então”, Daniel disse enquanto se sentava um tempinho depois, com uma pilha de panquecas. “O que vamos fazer hoje, já que as aulas só começam amanhã?”
Emily hesitou. Podia notar que Daniel estava perdido também pela expressão de leve pânico em seu rosto. Nenhum dos dois teve que cuidar de uma criança antes, e ambos sentiam a pressão de garantir que Chantelle se divertisse o máximo possível para compensar o terrível começo que teve na vida.
“Acho que Chantelle gostaria de ir para algum lugar com os cachorros”, Emily disse, olhando para a menina em busca de aprovação.
Chantelle assentiu.
“Tenho uma ideia”, Daniel disse. “Jason e Vanessa levaram sua bebê, Katy, para colher maçãs ontem na Fazenda Outonal. Gostariam de ir?”
“Nunca estive numa fazenda!” Chantelle disse, quase sem fôlego. “Eles têm animais? Eu adoro animais! Porcos são meus favoritos. Lá tem porcos?”
Os olhos de Emily se arregalaram. Nunca tinha ouvido Chantelle dizer tantas palavras de uma só vez. A ideia de passar um tempo com os animais estava lhe fazendo sair da concha.
“Eles têm um pequeno zoo”, Emily disse. “Com coelhos e porquinhos-da-índia”.
“Coelhos!” Chantelle exclamou. “Coelhos são meus favoritos mais favoritos”.
“Bem”, Daniel disse com um sorriso. “Acho que vamos para a Fazenda Outonal hoje”.
*
Mogsy e Chuva latiram, animados, durante todo o trajeto até a Fazenda. Emily e Daniel não os levavam com frequência para lugar nenhum além da praia e do parque, então, percebiam que algo empolgante estava acontecendo. Mas não importava o quanto os cães pareciam felizes, era pouco em comparação à alegria de Chantelle. Durante toda a viagem, ela ficou olhando pela janela com os olhos arregalados, aproveitando a vista das belas ruas alinhadas por árvores, as folhas começando a passar do verde para o laranja. Emily via com gosto a menina admirar, maravilhada, o cenário. Aquecia seu coração saber que a desconectaram do mundo de privação, salvando-a de sua vida terrível, e agora podiam mostrar para ela o quanto o mundo podia ser lindo.
Daniel parou no estacionamento da Fazenda Outonal, que não passava de um campo lamacento. Ja havia muitos carros, apesar de ser cedo; estava claro que todos os pais de Sunset Harbor e região haviam decidido que colher maçãs seria sua última atividade com os filhos antes da volta às aulas.
Enquanto Daniel estacionava, Chantelle rapidamente desafivelou o cinto e agarrou o trinco da porta.
“Calma, não tão rápido”, Daniel disse. “Precisamos pôr a coleira dos cachorros antes ou eles vão fugir, e nunca mais os veremos”.
“Desculpe”, Chantelle disse, enterrando sua cabeça entre os ombros, envergonhada.
Daniel olhou para Emily com um olhar suplicante. Ela apenas meneou a cabeça, comunicando silenciosamente para ele que não deviam exagerar as coisas, que não havia nada que pudessem fazer para a menina se sentir melhor, e que amor, tempo e paciência eram as únicas coisas que poderiam ensinar a Chantelle a não se sentir envergonhada de si mesma. Ela se sentiu mal por Daniel, por sua aparente falta de intuição nessas situações. Ele parecia tão deslocado às vezes, e ainda assim Emily sentiu que estava assumindo a maternidade com toda a naturalidade.
Emily prendeu as coleiras dos animais e todos saíram do carro. No lugar, havia muitas crianças rindo e brincando, correndo em círculos ao redor dos pais. Enquanto caminhavam para a entrada da Fazenda, cercados por outras famílias conversando, Emily teve uma súbita revelação ao perceber o quanto sua vida havia se mudado no último ano. Havia passado da espera de sete longos anos por um anel de Ben ao que começava a sentir ser o melhor relacionamento de sua vida.
“Vamos, Emily!” Chantelle gritou.
Ela levantou os olhos, saindo de suas divagações, e viu Chantelle e Daniel no quiosque, esperando para pegar sua cesta e colher maçãs. A menina puxava a mão de Daniel, assim como Chuva puxava sua coleira. Daniel estava rindo de uma maneira que Emily nunca tinha visto antes. Ele estava claramente muito feliz por estar com Chantelle, por estar ali, como uma família.
Emily apertou o passo até eles e pegou a outra mão da menina. Chegaram no quiosque e pegaram sua cesta, e então seguiram até o pomar.
“Vamos achar as maçãs mais vermelhas e suculentas”, Emily disse a Chantelle, num sussurro animado. “Aposto que estão mais para trás, nos fundos da plantação”.
Chantelle assentiu com olhos arregalados, animada com o tom conspiratório de Emily.
Emily