“Isto é divertido, não é?” Daniel disse, sem fôlego, enquanto corria até Emily.
“Acho que não me divirto tanto desde que era criança”, Emily replicou.
“Nem eu”, Daniel disse.
Uma onda de bem-estar passou pelo corpo de Emily. De algum modo, ter Chantelle com eles estava curando as feridas de suas próprias vidas traumáticas.
*
Depois de colherem maçãs, Emily decidiu que Chantelle precisava de roupas novas. A menina não podia dormir com as roupas de Daniel toda noite, sobretudo porque o inverno se aproximava. Precisava de pijamas e roupas de baixo, um casaco, luvas e roupas para a escola. Havia trazido uma mochila muito pequena, com poucas coisas, e Emily teria que comprar praticamente um guarda-roupa inteiro.
“Só as meninas podem ir”, Chantelle disse, quando chegaram no carro.
Emily sabia que o comentário magoaria Daniel, especialmente depois de se divertirem tanto na fazenda. Ver que agora Chantelle preferia excluí-lo era confuso e doloroso. E apesar de Emily notar que ele não queria perder essa oportunidade de se ligar à filha, ao mesmo tempo não queria ir contra a vontade de Chantelle e forçá-la a fazer algo que não queria.
Emily baixou os olhos para a menina, apertando bem sua mão. “Seu pai não tem muita noção de moda, tem?” brincou, tentando descontrair.
Chantelle começou a rir.
“Acho que vou deixar as duas fazerem compras sozinhas então”, Daniel falou, resignado.
“Vamos dar um show de moda pra você quando chegarmos em casa”, Emily disse, tentando levantar o ânimo de todos, incluindo-o na programação.
Emily e Chantelle se despediram de Daniel e dos cães, e então começaram a caminhar por Sunset Harbor. Não havia muitas lojas de roupas infantis na cidade, apesar de Emily conhecer uma que ficava escondida numa rua lateral e que vendia roupas vintage e infantis. Já podia imaginar como Chantelle ficaria linda em um sobretudo no estilo vitoriano, apesar de temer que a menina achasse o estilo meio ultrapassado. Emily não tinha ideia do que as crianças usavam hoje em dia.
Elas viraram numa rua lateral e entraram na loja.
“Se você não gostar das roupas que eu escolher, é só me dizer”, Emily disse a ela. “Não quero que vista nada que não goste ou que não seja confortável”.
Emily queria que Chantelle se misturasse com as crianças que encontraria na escola. Ela já estava em desvantagem, com uma infância tão negligenciada; a última coisa que Emily queria agora era que fosse excluída por causa de suas roupas!
“Owww, Chantelle, o que acha deste casaco?” Emily disse, levantando um sobretudo azul-marinho com grandes botões. Imaginou que era o tipo de casaco que Sara Crewe usava em A Princesinha.
Chantelle parecia impressionada. Segurou o casaco e então passou o tecido pela bochecha. O forro tinha uma linda montagem de flores em tons claros de rosa, verde e amarelo.
“Gostou do forro?” Emily perguntou.
Chantelle assentiu e Emily registrou mentalmente que seria bom comprar algumas roupas com estampa floral para ela.
A menina tirou o casaco do cabide e o vestiu. Assim como Emily havia imaginado, ela ficou absolutamente encantadora, como se tivesse saído de um livro de Dickens. Enquanto Chantelle se olhava no espelho, lágrimas começaram a brilhar em seus olhos.
“Não temos que comprar se você não gostou”, Emily disse, subitamente preocupada.
Chantelle balançou a cabeça. “Não é isso. Só não sabia que eu podia ficar bonita”.
Pela centésima vez desde que a menininha havia entrado em sua vida, Emily sentiu seu coração apertar. Chantelle havia passado a vida inteira sem ouvir de ninguém que era linda? Havia muito tempo perdido a recuperar para reconstruir a autoconfiança dela.
Emily e Chantelle passaram mais de uma hora na loja vintage, experimentando vestidos e blusas, lindas calças e suéteres de gola alta. Emily não podia dizer se ela estava apenas se deixando influenciar ou não, mas achou que a menina ficou incrível em todas as roupas, como uma modelo mirim. Era impressionante ver a transformação dela, não apenas fisicamente, mas também em sua postura, enquanto ficava mais à vontade, mais confiante e ousada em suas escolhas. Para uma criança pequena que nunca teve a chance de escolher como se vestir, ela tinha um bom gosto natural. Compraram cinco novos conjuntos.
“Melhor irmos até uma loja de departamentos agora”, Emily disse. “Para escolher roupas de baixo, meias e pijamas”.
Juntas, saíram da loja vintage, os braços de Emily carregados de sacolas, e foram na direção da loja de departamentos. Enquanto caminhavam, Emily viu Vanessa com sua bebê Katy no carrinho. Vanessa trabalhava na limpeza da pousada há semanas. Emily acenou pra ela do outro lado da rua.
“Chantelle, esta é minha amiga Vanessa”, Emily disse. “Ela trabalha na pousada, então, provavelmente a verá algumas vezes, de manhã”.
Vanessa pareceu um pouco surpresa. “Oi, Chantelle”, ela disse, de maneira um pouco artificial. Então, levantou os olhos para Emily. “É sua sobrinha?”
Emily sorriu e balançou a cabeça. “É a filha de Daniel”.
“Emily é minha nova mãe”, Chantelle disse, apertando o braço de Emily junto ao seu corpo e sorrindo.
Emily sentiu o coração derreter. Mas quando olhou para Vanessa, sua amiga parecia petrificada.
“A filha de Daniel, do Tenessee?” ela falou.
Emily assentiu, seu humor começando a azedar. Vanessa estava lá durante as semanas do abandono de Daniel, durante aquelas longas seis semanas em que Emily foi deixada num turbilhão, sem saber se ficava ou fazia as malas e voltava para Nova York, aceitava a oferta de emprego de Amy e a proposta de casamento de Ben, e fingia que toda aquela viagem para o Maine havia sido um sonho. Assim como Serena, Vanessa havia apoiado Emily, oferecido conforto e sua amizade, tentando reparar a desordem que Daniel deixara para trás. Ela claramente desaprovava Emily ter aceito Daniel e sua filha em sua vida sem nem hesitar.
“Chantelle, querida” Emily disse, “por que não vai até aquela loja comprar um pouco de doces? Tome”. Ela deu à menina algumas notas. “O papai prefere bombom de manteiga de amendoim coberto de chocolate”.
Assim que Chantelle se afastou, Emily se voltou para Vanessa. “Sei o que está pensando”, começou. “Acha que sou louca por deixar Daniel entrar em meu coração novamente sem brigar. Acha que estou sendo um capacho”.
Vanessa balançou a cabeça. “Não é isso, Emily. Sei que o ama. Qualquer um pode ver isso. Nunca duvidei que vocês dois ficariam juntos”.
“Então, qual é o problema?” Emily perguntou, sentindo-se ficar cada vez mais gelada.
“A menina”, Vanessa replicou. “Acha mesmo que está tudo bem em afastá-la de casa? De sua mãe?”
Emily cruzou os braços. “A mãe abriu mão da filha. É viciada em drogas e tem problemas mentais. Daniel tentou ajudá-la a se livrar do vício e começar um tratamento, mas não funcionou. Ela percebeu que Chantelle ficaria melhor conosco. Mas não vou excluir Sheila e fingir que ela não existe. Se quiser fazer parte da vida de Chantelle, pode fazer isso, assim que estiver livre das drogas. Não vou deixar uma viciada arruinar a vida dessa garotinha”.
Vanessa pareceu hesitar. “Só não sei se percebe aonde você se meteu”, ela falou. “Não vai ser fácil criar uma criança como Chantelle”.
“Estou ciente disso”, Emily disse, irritada, apesar de Chantelle ter sido