Se vós quizereis ser sua.
Menina mais que na idade,
Se para me querer bem
Vos não vejo ter vontade,
He porque outrem vo-la tem;
Tẽe-vo-la, e faz-vo-la crua.
Porém eu
Ja tomára não ser meu,
Se vós não foreis tão sua.
Nos olhos, e na feição
Vos vi, quando vos olhava,
Tanta graça, que vos dava
De graça este coração:
Não o quizestes de crua,
Por ser meu:
Se outrem vos dera o seu,
Póde ser foreis mais sua.
Menina, tende maneira,
Que ainda não venha a ser,
Pois não quereis quem vos quer,
Que queirais quem vos não queira.
Olhae não me sejais crua,
Que pois eu
Quero ser vosso, e não meu,
Sêde vós minha, e não sua.
Da doença, em que ora ardeis,
Eu fôra vossa mézinha
Só com vós serdes a minha.
He muito para notar
Cura tão bem acertada,
Que podereis ser curada
Somente com me curar.
Se quereis, Dama, trocar,
Ambos temos a mézinha,
Eu a vossa, e vós a minha.
Olhae, que não quer Amor,
(Porque fiquemos iguais)
Pois meu ardor não curais,
Que se cure vosso ardor.
Eu cá sinto vossa dor;
E se vós sentis a minha,
Dae e tomae a mézinha.
Deo, Senhora, por sentença
Amor, que fosseis doente,
Para fazerdes á gente
Doce e formosa a doença.
Não sabendo Amor curar,
Foi a doença fazer
Formosa para se ver,
Doce para se passar.
Então vendo a differença
Que ha de vós a toda a gente,
Mandou, que fôsseis doente,
Para glória da doença.
E digo-vos de verdade,
Que a saude anda invejosa,
Por ver estar tão formosa
Em vós essa enfermidade.
Não façais logo detença,
Senhora, em estar doente,
Porque adoecerá a gente,
Com desejos da doença.
Qu'eu por ter, formosa Dama,
A doença, qu'em vós vejo,
Vos confesso, que desejo
De cahir comvosco em cama.
Se consentis, que me vença
Deste mal, não houve gente
Da saude tão contente,
Como eu serei da doença.
Olhae que dura sentença
Foi amor dar contra mi!
Que porqu'em vós me perdi,
Em vós me busque a doença.
Claro está,
Que em vós só me achará;
Qu'em mi, se me vem buscar,
Não poderá mais achar,
Que a fórma do que foi ja.
Que s'em vós Amor se pôs,
Senhora, he forçado assi,
Que o mal, que me busca a mi,
Que vos faça mal a vós.
Sem mentir,
Amor me quiz destruir
Por modo nunca cuidado,
Pois ha de ser ja forçado
Pezar-vos de vos servir.
Mas sois tão desconhecida,
E são meus males de sorte,
Que vos ameaça a morte,
Porque me negais a vida.
Se por boa
Tal justiça se pregoa;
Quando desta sorte for,
Havei vós perdão de Amor,
Que a parte ja vos perdoa.
Mas o que mais temo, emfim,
He que nesta differença,
Que se não torne a doença,
Se me não tornais a mim.
De verdade,
Que ja vossa humanidade
De que se queixe não tem;
Pois para as almas tambem
Fez Amor enfermidade.
De atormentado e perdido,
Ja vos não peço, senão
Que tenhais no coração
O que tendes no vestido.
Se de dó vestida andais
Por quem ja vida não tem
Porque não o haveis de quem
Vós tantas vezes matais?
Que brado sem ser ouvido,
E nunca vejo senão
Cruezas no coração,
E grande dó no vestido.
Amor, que todos offende,
Teve, Senhora, por gôsto,
Que sentisse o vosso rosto
O que nas almas accende.
Aquelle rosto que traz
O mundo todo abrazado,
Se foi da flamma tocado,
Foi porque sinta o que faz.
Bem sei que Amor se vos rende;
Porém o seu presupposto
Foi sentir o vosso rosto
O que nas almas accende.