RIMAS
REDONDILHAS
Sôbolos rios que vão
Por Babylonia, me achei,
Onde sentado chorei
As lembranças de Sião,
E quanto nella passei.
Alli o rio corrente
De meus olhos foi manado;
E tudo bem comparado,
Babylonia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Alli lembranças contentes
N'alma se representárão;
E minhas cousas ausentes
Se fizerão tão presentes,
Como se nunca passárão.
Alli, despois d'acordado,
Co'o rosto banhado em ágoa,
Deste sonho imaginado,
Vi que todo o bem passado
Não he gôsto, mas he mágoa.
E vi que todos os danos
Se causavão das mudanças,
E as mudanças dos anos;
Onde vi quantos enganos
Faz o tempo ás esperanças.
Alli vi o maior bem
Quão pouco espaço que dura;
O mal quão depressa vem;
E quão triste estado tem
Quem se fia da ventura.
Vi aquillo que mais val
Qu'então s'entende melhor,
Quando mais perdido for:
Vi ao bem succeder mal,
E ao mal muito peor.
E vi com muito trabalho
Comprar arrependimento:
Vi nenhum contentamento;
E vejo-me a mi, qu'espalho
Tristes palavras ao vento.
Bem são rios estas ágoas
Com que banho este papel:
Bem parece ser cruel
Variedade de mágoas,
E confusão de Babel.
Como homem, que por exemplo
Dos trances em que se achou,
Despois que a guerra deixou,
Pelas paredes do templo
Suas armas pendurou:
Assi, despois qu'assentei
Que tudo o tempo gastava,
Da tristeza que tomei,
Nos salgueiros pendurei
Os orgãos com que cantava.
Aquelle instrumento ledo
Deixei da vida passada,
Dizendo: Musica amada,
Deixo-vos neste arvoredo
Á memoria consagrada.
Frauta minha, que tangendo
Os montes fazieis vir
Par'onde estaveis, correndo;
E as ágoas, que hião descendo,
Tornavão logo a subir;
Jamais vos não ouvirão
Os tigres, que s'amansavão;
E as ovelhas, que pastavão,
Das hervas se fartarão,
Que por vos ouvir deixavão.
Ja não fareis docemente
Em rosas tornar abrolhos
Na ribeira florecente;
Nem poreis freio á corrente,
E mais se for dos meus olhos.
Não movereis a espessura,
Nem podereis ja trazer
Atraz vós a fonte pura;
Pois não pudestes mover
Desconcertos da ventura.
Ficareis offerecida
Á Fama, que sempre vela,
Frauta de mi tão querida;
Porque mudando-se a vida,
Se mudão os gostos della.
Acha a tenra mocidade
Prazeres accommodados;
E logo a maior idade
Ja sente por pouquidade
Aquelles gostos passados.
Hum gôsto, que hoje s'alcança,
Á manhãa ja o não vejo:
Assi nos traz a mudança
D'esperança em esperança,
E de desejo em desejo.
Mas em vida tão escassa
Qu'esperança será forte?
Fraqueza da humana sorte,
Que quanto da vida passa
Está recitando a morte!
Mas deixar nesta espessura
O canto da mocidade:
Não cuide a gente futura
Que será obra da idade
O que he fôrça da ventura.
Qu'idade, tempo, e espanto
De ver quão ligeiro passe,
Nunca em mi puderão tanto,
Que, postoque deixo o canto,
A causa delle deixasse.
Mas em tristezas e nojos,
Em gôsto e contentamento;
Por sol, por neve, por vento,
Tendré presente á los ojos
Por quien muero tan contento.
Orgãos e frauta deixava,
Despôjo meu tão querido,
No salgueiro que alli'stava,
Que para tropheo ficava
De quem me tinha vencido.
Mas lembranças da affeição
Que alli captivo me tinha,
Me perguntárão então,
Qu'era da musica minha,
Que eu cantava em Sião?
Que foi daquelle cantar,
Das gentes tão celebrado?
Porque o deixava de usar,
Pois sempre ajuda a passar
Qualquer trabalho passado?
Canta o caminhante ledo
No caminho trabalhoso
Por entre o espêsso arvoredo;
E de noite o temeroso
Cantando refreia o medo.
Canta o preso docemente,
Os duros grilhões tocando;
Canta o segador contente;
E o trabalhador, cantando,
O trabalho menos sente.
Eu qu'estas cousas