As Variedades do Português no Ensino de Português Língua Não Materna. Группа авторов. Читать онлайн. Newlib. NEWLIB.NET

Автор: Группа авторов
Издательство: Bookwire
Серия: Romanistische Fremdsprachenforschung und Unterrichtsentwicklung
Жанр произведения: Документальная литература
Год издания: 0
isbn: 9783823301783
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da língua, os alunos adquirirem uma pronúncia que nem corresponde bem a uma, nem à outra variedade, de serem completamente incapazes de utilizar corretamente os pronomes clíticos, entre outros. A aquisição deficiente da língua traduzida por uma forma linguística que corresponde a uma mistura de variedades, permite alcançar certos objetivos comunicativos basilares e assegurar uma intercompreensão pelo menos parcial, mas dificulta atingir um grau elevado de proficiência e aprovar em exames que permitam obter certificados reconhecidos internacionalmente, como os exames CAPLE, por exemplo. É, por isso, vantajoso na fase inicial da aprendizagem do português como língua estrangeira, seguir o princípio didático da competência numa norma-padrão, preconizado também na didática de outras línguas estrangeiras pluricêntricas, nomeadamente do espanhol (cf. Leitzke-Ungerer 2017, 58sq.), e iniciar a introdução de uma segunda variedade em estágios mais avançados, atendendo ao princípio da autenticidade linguística das situações comunicativas apresentadas e recorrendo ao estudo contrastivo das variedades, conforme vem sendo prática comum na aprendizagem do Inglês como Língua Estrangeira. Na seleção da variedade lecionada, os docentes têm liberdade de escolha, embora seja imprescindível assegurar a continuidade do ensino na variedade eleita. Ou seja, se uma instituição opta pela variedade do BP, importa que todos os cursos nos níveis básico e intermédio sejam lecionados nessa mesma variedade. Só assim pode ser garantida uma aprendizagem adequada da língua estrangeira, neste caso do Português. Uma vez consolidados os conhecimentos nesta variedade, podem ser introduzidas outras. Esta abertura às variedades na didática de Línguas Estrangeiras é importante para providenciar aos aprendentes competências inter- e transculturais, imprescindíveis num mundo globalizado e reivindicados pela “didática pluricêntrica”, término e conceito didático cunhado por Reimann (2011, 125-128), pelo menos do ponto de vista passivo-recetivo, no sentido de os aprendentes serem capazes de identificar outras variedades e algumas das suas principais caraterísticas respetivamente (cf. Reimann 2017, 75).

      Partindo do modelo clássico na sala de aula na Alemanha1, onde a variedade estudada é o PE, importa num nível avançado introduzir o PB, podendo o docente recorrer a peças televisivas jornalísticas ou ficcionais ou textos da literatura (popular) e contos, entre outros géneros textuais. Começar a aprendizagem do português com a variedade do PB não apresenta qualquer desvantagem do ponto de vista didático, podendo esta inclusivamente favorecer a compreensão da relação grafia-fonia para aprendentes de iniciação. Ao contrário do que acontece no caso do espanhol, existe também um leque diversificado de livros de Português para Estrangeiros (Novo Avenida Brasil da editora E.P.U., Panorama Brasil – Ensino do Português do Mundo dos Negócios da editora Galpão, Fala Brasil da editora Pontes, Bem-vindo! A língua portuguesa no mundo da comunicação da SBS editora, para mencionar apenas alguns exemplos) e material didático adicional diversificado (por exemplo, o Power-Sprachtraining Brasilianisches Portugiesisch da editora Pons), que adotam a norma do PB. Obviamente importa ter em conta que o intercâmbio de aprendentes, pela proximidade geográfica e pelos programas de apoio financeiro (Erasmus+, por exemplo) é mais fácil com Portugal. E a imersão na língua estrangeira e na respetiva cultura é imprescindível para uma boa consolidação da proficiência linguística.

      5.1 Exemplo de uma análise a partir de uma peça televisiva

      Uma vez que os professores de Português como Língua Estrangeira de um modo geral ou são falantes nativos ou da variedade europeia ou da variedade brasileira, a inclusão de peças televisivas devidamente comentadas e analisadas tem a vantagem do ponto de vista didático de trazer para o contexto da sala de aula material linguístico autêntico em contextos comunicativos reais, podendo ser abordadas a própria variedade, bem como a outra. Além disso, este tipo de material assegura a autenticidade linguística dos modelos discutidos. Aqui o docente pode trabalhar com trechos e, em níveis de aprendizagem mais avançados, incluir peças curtas integrais correspondentes a tradições discursivas da língua falada.

      A título de exemplo, observemos o excerto seguinte do Jornal Nacional de 12 de Janeiro de 2009, onde o comissário da polícia Jorge Moreira prestou declarações, optando por um nível linguístico bastante formal e elaborado.

       Exemplo 1

      Jorge Moreira, Comissário da polícia – O Gerson teve o prazo para se apresentar, em razão de um arrependimento ou qualquer coisa assim, mas ele não Ø fez. Ele passou a ser considerado foragido. [ ] Estamos tentando localizá-lo para cumprir o mandato de prisão. (JN, 12/1/2009 apud Arden 2015, 148)

      A partir do exemplo poder-se-ia por um lado abordar a proximidade da norma-padrão do PE da norma culta falada, nomeadamente, tomando em consideração a seleção lexical (foragido) e de expressões como em razão de um arrependimento. A referência anafórica por seu turno é interessante, pois revela a co-ocorrência de objetos nulos (Ø) e pronomes clíticos da terceira pessoa (-lo) num comunicado oficial das autoridades, ou seja, dentro de uma mesma tradição discursiva, num mesmo discurso com o mesmo sujeito de enunciação, o que é caraterístico de contextos de oralidade elaborada com elevado grau de formalidade no PB (cf. Arden 2015, 145-152). A norma do PE exige nestes contextos a utilização de pronomes clíticos. Seria ainda de destacar a diferença das construções progressivas no BP com auxiliar estar no presente do indicativo + verbo principal no gerúndio (estamos tentando), e no PE, formado com estar no presente do indicativo + preposição a + infinitivo do verbo principal (estamos a tentar).

      Também a utilização da relativa cortadora podia ser abordado partindo de um exemplo real extraído do Jornal Nacional:

       Exemplo 2:

      C Carvalhar, nutricionista – A pessoa se serve muito, lá na frente acha uma coisa Ø que gostaria mais, coloca e acaba saindo do restaurante empanturrada (JN, 15/10/2008 apud Arden 2015, 254).

      Além da elisão da preposição (de) para introduzir a oração relativa, bastante produtiva no PB falado, o exemplo serve para ilustrar a tendência para a utilização da próclise no PB (se serve vs. PE serve-se), a utilização desviante de preposições regendo Complementos Circunstanciais de Lugar (“Onde”) (na frente vs. EP à frente), a maior produtividade do condicional na variedade brasileira (gostaria), em contextos onde no PE hoje em dia, sobretudo na linguagem oral, domina o pretérito do imperfeito como equivalente funcional e diferenças na construção de perífrases verbais. À perífrase verbal acabar saindo no PB, corresponde acabar por sair no PE.

      Para esta finalidade didática podem-se igualmente incluir trechos de novelas1 ou séries, uma vez que muitas vezes são representados grupos sociais e, por conseguinte, variedades distintas, ainda que importe ter em conta o problema da autenticidade caraterístico da oralidade fingida (cf. Goetsch 1985).

      5.2 Exemplo de uma análise a partir de um excerto de um texto literário

      Outra possibilidade é a de recorrer a textos literários com um grau de dificuldade moderado, como, por exemplo, O menino no espelho de Fernando Sabino (ex. 3), como sugerido por Pinto (21993, 19).1 Neste tipo de exercícios é de evitar a mera substituição de lexemas, pois as estruturas continuam, neste exemplo, a ser tipicamente brasileiras e o texto perderia a sua autenticidade, aumentando o risco de os alunos misturarem as respetivas normas e de serem introduzidos erros no significado do texto na altura da sua adaptação por parte dos professores na preparação dos respetivos exercícios ou dos autores dos manuais no caso de se tratar de equipas exclusivamente compostas por falantes nativos de uma das variedades (cf. Pöll 2000, 58sq., a propósito das variedades extra-europeias do Francês). Além disso, no caso de um suporte auditivo deve ser tido em conta que os leitores do texto sejam falantes nativos da respetiva variedade, evitando que, por exemplo, um leitor nativo do PE leia o excerto de um texto na variedade do PB, sob pena de perder a sua autenticidade (cf. Pöll 2000, 59).

       Exemplo 3

       Vagabunda?