No caso do PM, aspetos linguísticos que poderiam ser abordados para dar a conhecer as particularidades desta variedade são (cf. Meisnitzer 2013):
1 No domínio lexical: Neologismos por meio de derivação, seguindo o padrão derivacional do português (ex. – depressar ‘ir depressa’; inesquecer ‘ato de ser impossível de esquecer’ ou bichar ‘fazer bicha’), alargamento semântico de palavras (ex. – chapa ‘meio de transporte’), empréstimos do banto (ex. – magumba ‘peixe com muitas espinhas’) e alteração das solidariedades lexicais (comer dinheiro ‘gastar dinheiro’ e acabar um mês ‘ficar um mês’ ou ‘demorar um mês’) (cf. Tamele 2011, 404);
2 No domínio morfossintático: Transitivização de verbos que regem argumentos preposicionados, com função sintática de oblíquo (ex. – muitas pessoas protestaram Ø a iniciativa), com a possibilidade de passivização do respetivo argumento, passando este a desempenhar a função de agente da passiva (ex. – a iniciativa foi protestada), e com a função de complemento indireto (ex. – dar alguém Ø alguma coisa) (Gonçalves 2005, 191; Tamele 2011, 404). Além disso, é de destacar a utilização do pronome clítico lhe com função de objeto direto (ex. – Não lhe vi desde ontem; Couto 42002, 59) e a utilização do infinitivo flexionado, em contextos que em PE exigem o infinitivo impessoal (ex. – propomos falarmos com ele; Gonçalves 2005, 192). Para finalizar importa ainda realçar a generalização da utilização da preposição a para introduzir complementos com o traço [+HUM] (ex. – A filha do imperador amou ao Manuel.; Gonçalves 1996, 315) e a tendência para complementos oracionais completivos serem regidos pelas preposições de e para, que no PE não requerem preposição (ex. – “Vimos por este meio avisar a todas as entidades para não transacionarem o cheque 3571090.” ou “A pessoa nem imagina de que está numa ilha.”; Gonçalves 1996, 319).
3 No domínio sintático: Preferência pela ênclise até mesmo na presença de atratores de próclise (Hagemeijer 2016, 61) (ex. – [...] daí que relaciono-me bem com eles (Mapasse 2005, 70). No campo das estratégias de relativização verifica-se uma preferência pelas estruturas com pronome de retoma (ex. – foi um amigo que conheci-o logo que cheguei) e pela estratégia cortadora (ex. – é uma profissão Ø que se fala de beleza) (Gonçalves 2013, 173).
A abordagem destas variedades e das suas particularidades não deve monopolizar as aulas, dado o caráter recente dos fenómenos descritos, em muitos casos ainda sujeitos a uma normativização, mediante a integração em obras de caráter prescritivo, todavia, o seu desprezo impede o aluno de conhecer o caráter polifacetado da Língua Portuguesa e é, atualmente, desfasado, atendendo a um crescente fluxo migratório por motivos profissionais para Angola e Moçambique.
4 Os meios de comunicação de massas e a aprendizagem de uma L2 e a questão da norma no caso de línguas pluricêntricas
O estudante de língua estrangeira revela uma relativa autonomia no seu processo de aprendizagem de uma língua, dado que a sua experiência de aquisição da L1 e a capacidade de abstração e de adoção de uma meta-perspetiva sobre a linguagem, permitem um certo grau de independência e uma postura crítica relativamente às propostas de aprendizagem oferecidas pelos cursos de língua (cf. Königs 2000, 89). Obviamente o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira continua a ser um processo estruturado e guiado, mas o professor tem vindo a perder sucessivamente o seu papel de um transmissor de conhecimentos para passar a assumir a função de um consultor linguístico, dado que a internet e os meios de comunicação sociais de massas permitem um acesso direto à respetiva língua e às suas variedades (cf. Königs 2000, 90). É, por isso, impossível nos dias que correm menosprezar o papel dos mesmos meios de comunicação de massas na aprendizagem de uma língua estrangeira, mas também na definição e evolução da norma das respetivas variedades (cf. Arden / Meisnitzer 2013 para o caso do Português como língua pluricêntrica). Todavia, a crescente influência e a rápida difusão do acesso aos meios de comunicação de massas tem também o reverso da medalha: se a aprendizagem, que obviamente é fomentada por estes, não for acompanhada por profissionais em didática e ensino do português como língua estrangeira, existe o risco de uma aprendizagem com deficiências na sua consolidação e sem que o aluno ou o estudante desenvolva uma capacidade de avaliar a adequação situacional e contextual de determinados lexemas, formas ou expressões, uma vez que a inscrição nos respetivos registos e a identificação do valor no respetivo diassistema da variedade é algo que um aluno apenas consegue avaliar num nível bastante avançado, com profundos conhecimentos e um quase perfeito domínio da L2. Os próprios sítios disponíveis na internet dedicados ao assunto, nem sempre são fontes de informação fidedignas, dado a facilidade de aceder às plataformas e a quantidade de pessoas que se consideram habilitados a prestar explicações, sem, contudo, possuírem as bases científicas necessárias para essa tarefa.
Contudo, e como será desenvolvido no capítulo seguinte, um ensino do Português como se se tratasse de uma língua monocêntrica, seria desfasado da realidade e limitaria bastante a capacidade comunicativa dos discentes e o potencial e a mais-valia que a aprendizagem da mesma língua pode trazer num contexto, frequentemente académico.1
5 Integração de variedades extraeuropeias nas aulas de Português para Estrangeiros
Apresentados argumentos em prol de uma abordagem do português como língua pluricêntrica nas aulas como Língua Estrangeira, nomeando as variedades do PE, PB, PM e PA como sendo aquelas que revelam a emancipação linguística necessária e um grau de consolidação de uma norma ou de uma norma-padrão emergente, que legitimam que sejam tidas em conta como potenciais variedades do português. Contudo, importa aqui tecer algumas considerações didáticas para, de seguida, finalizamos com algumas sugestões para uma abordagem das caraterísticas das diversas variedades do português nas aulas de Português como Língua Estrangeira.
Para facilitar um acesso à língua, importa não menosprezar a cultura relacionada, pelo que frases soltas para substituir lexemas ou textos para substituir formas desviantes da norma-padrão do respetivo manual, se revelam obsoletos e na melhor das hipóteses podem ser aplicados nos cursos de iniciação. Para níveis mais avançados a literatura e excertos de diversos programas de formato televisivo podem servir, para permitir um acesso realista às respetivas variedades. Assim, poder-se-ia trabalhar com excertos de telenovelas, de entrevistas, de noticiários na televisão com a transcrição correspondente para facilitar ao aluno a compreensão.
Alguns exemplos práticos para uma abordagem das especificidades do PB numa aula de Português para Estrangeiros na variedade do PE
Devido ao conflito relacionado com o Acordo Ortográfico de 1990 e ao aumento do poder e prestígio do Brasil e à simultânea perda de importância de Portugal dentro do mundo lusófono, o tema é delicado e ambas as partes, por vezes, apresentam apenas uma disposição moderada para integrar a variedade do outro nas aulas: trata-se de um medir forças. Atendendo a uma maior facilidade em conseguir docentes portugueses e um crescente interesse pelo Brasil por parte daqueles que querem aprender Português no Estrangeiro, é imprescindível uma crescente integração do PB nas aulas de Português para Estrangeiros e um fomento dos leitorados brasileiros nas universidades europeias, onde é possível estudar Português como Língua Estrangeira, procurando criar um equilíbrio entre leitores nativos de PE e de PB. Uma integração de leitorados africanos seria bastante desejável, mas no caso da Alemanha, apenas dificilmente deverá ser viável, dado o número relativamente reduzido de estudantes em níveis avançados, na maior parte das universidades. Em estágios iniciais do estudo da Língua Portuguesa revela-se vantajosa a aprendizagem de apenas uma das variedades, para que os aprendentes possam consolidar os seus conhecimentos de fonética e pronúncia, de léxico e semântica, de gramática e de pragmática, dominando bem a língua numa das suas variedades e apenas num nível avançado deverão ou poderão ser integradas respetivamente