Davina cambaleou para a frente como se estivesse em transe, a boca aberta e o corpo dormente. O mais leve sorriso apareceu em seus lábios.
Capítulo Dois
Stewart Glen, Escócia — Verão de 1513 — Oito anos depois
— Imploro que perdoe meu filho, Parlan.
Davina Stewart-Russell parou ao som da voz do sogro e ficou perto da porta que estava prestes a atravessar, da sala de estar da casa de sua infância. O rápido olhar que lançou no cômodo, antes que recuasse para se esconder, proporcionou o momento que ela precisava para ver a cena. Seu pai, Parlan, estava diante da lareira de pedra construída com as rochas irregulares da região, os braços cruzados e as costas para a sala. Munro, o sogro, estava ao lado direito da lareira, as mãos cruzadas e apoiadas no punho da espada, falava com o pai dela. Seu marido, Ian, estava mais para trás, entre os dois homens, a cabeça baixa e os ombros curvados em uma posição nada característica de submissão. Todos estavam de costas para Davina, então não a viram se aproximando nem a retirada apressada. Ainda detrás da porta, protegida pela madeira entreaberta, ela espiou por entre as dobradiças.
Munro continuava sua petição em nome do filho, falava como se Ian não estivesse presente.
— Como discutimos por um longo tempo, o montante de responsabilidade não é bom para Ian. Agradeço sua paciência e disposição de trabalhar comigo para ele se estabelecer no papel de marido e pai.
— Não farei esforços para apresentá-lo a nenhum contato real até que Ian mostre sinais de amadurecimento. — Parlan se virou para Munro e cruzou os braços, uma posição que Davina conhecia tão bem e mostrava a solidez quanto ao assunto. — E você faria bem em fechar os cofres para ele. Como sabe, ele já gastou todo o dote de Davina.
— Sim, Parlan. Eu…
— Pai, por favor! — Ian protestou.
— Segure essa língua, rapaz, ou eu a cortarei! — Munro olhou para Ian até que a cabeça do mais jovem se curvasse.
O coração disparado de Davina a deixou sem fôlego pelo medo de ser descoberta e devido a rara demonstração de tamanha subserviência do marido. Davina quase desmaiou com a mistura de empolgação e apreensão que a invadiu. Quantas vezes o marido a fez se sentir da mesma maneira? Quantas vezes ele a silenciou com uma mão pesada? Ver Ian sujeito a outra autoridade a fez querer pular de alegria. No entanto, seus membros tremiam ante a ideia de Ian descobri-la testemunhando este momento e vangloriar-se, em privado, ao discipliná-la. Ela lutou para permanecer em uma audiência silenciosa.
A testa de Parlan se enrugou, pensativa, enquanto estudava Ian e Munro. Quando Munro pareceu satisfeito com o silêncio do filho, ele voltou-se para Parlan.
— Temo que você esteja certo, Parlan. Eu esperava que ele restringisse os próprios gastos e gostaria de poder dizer para onde o dinheiro está indo… — ele olhou para o filho. — Contudo, concordo com o curso de ação sugerido.
— Pai, eu tentei! — Ian contestou. — Não provei ser um marido melhor?
Munro deu um passo à frente e deu um tapa no rapaz, fazendo com que a cabeça de Ian tombasse para o lado, espirrando sangue no chão de pedra. Uma medida de culpa pulsou na consciência de Davina por gostar da situação do marido. Ao mesmo tempo, ela ponderou o significado por trás de “um marido melhor”. Em verdade, Ian tornara-se ainda mais brutal nos últimos quatro anos e pouco. Ele acreditava que disciplinar a esposa com mais severidade era o que o tornava um bom marido? Munro ergueu o punho, e Ian se preparou para outro golpe.
— Chega! — Parlan gritou. — Agora posso ver onde seu filho aprendeu técnicas de disciplina.
Munro se ergueu, esticando o peito em desafio.
— Disciplina severa é a única maneira de ele entender, Parlan. Confie em mim.
— Talvez, pois não conheço seu filho o suficiente, mas conheço Davina, e essa forma de punição não é necessária com ela. Embora possa ser bastante dramática, ela é uma mulher razoável e uma conversa basta. Sei que um homem tem o direito de fazer o que quiser com a esposa, e algumas mulheres precisam ser disciplinadas com um elemento de força, mas minha filha não.
Davina lutou para continuar a enxergar através das lágrimas que inundavam seus olhos ante a defesa do pai. Ela não sabia que seu pai sabia. O orgulho e um alívio maior em seu peito decerto a fariam explodir!
— Firmamos esse contrato de casamento para benefícios mútuos. — continuou Parlan. — Como sou primo de segundo grau do Rei James, você conseguiu conexões valiosas. Os Russell têm riqueza para investimentos e oportunidades de negócios para mim e meu filho, Kehr. — ele deu um passo em direção a Munro, ameaça em seus olhos e a voz quase em um sussurro, e Davina se esforçou para ouvi-lo. — No entanto, não aceitei brutalidade com a minha filha como parte da troca.
Munro voltou a olhar para o filho.
— Mais uma vez, Parlan, devo implorar que perdoe meu filho. — ele se virou para o pai dela, mais arrependido. — E imploro que me perdoe por tudo o que eu possa ter feito para contribuir para o zelo excessivo de meu filho como marido.
Um arrepio percorreu Davina.
Embora Munro possa ter soado sincero, e a expressão de aceitação no rosto de seu pai indicava que ele acreditava no homem, o mesmo tom de humildade fingida vinha de Ian com frequência. No entanto, essa humildade sempre se provou ser um baile de máscaras elaborado. Até mesmo as palavras indicavam que ele não se considerava culpado de nada: “O que quer eu tenha feito…” Nos quatorze meses que Davina e Ian estiveram casados, ela notou esses sinais velados destinados a atrair simpatia e rendição, mas que, na verdade, indicavam a verdade por trás da fachada.
Munro voltou os olhos penetrantes para Ian enquanto falava.
— Para mostrar meus esforços em consertar a situação, Parlan, eu farei como sugere e fecharei meus cofres para meu filho.
Um sabor sutil de satisfação presunçosa tocou as feições de Munro enquanto ele mantinha esta posição de poder quanto ao filho. Davina reconheceu com facilidade o corpo de Ian tremendo de raiva oculta, os punhos cerrados atrás das costas. Um terror agourento fluiu através dela, como a água gelada de uma corrente de inverno levando-a para baixo em sua escuridão tenebrosa. Ela com certeza seria o alvo da frustração dele, assim que estivessem sozinhos e voltassem para mansão fria somente deles.
Mantenha essa imagem de força, Davina entoou para si, como já fizera inúmeras vezes antes, sendo a voz e o rosto de Broderick essa força. Sempre que a tristeza ou o desespero ameaçavam consumi-la e deixá-la louca, ela se concentrava naqueles cabelos ruivos e flamejantes, em seu peito largo e nos braços fortes, envolvendo-a em um casulo de segurança, os lábios cheios pressionando um beijo reconfortante na testa dela. Broderick nunca a trataria como Ian, e ela encontrou refúgio na fantasia de ser a esposa do cigano. Naquele mundo, naquele reino de fantasia, Ian não poderia tocá-la, quebrar seu espírito, nem destruir seu orgulho.
Girando nos calcanhares, Munro encarou Parlan mais uma vez e deu um breve aceno de cabeça que chamou a atenção de Davina.
— Um conselho muito sábio, de fato, e estou envergonhado de não ter pensado nisso.
— Responsabilidade envolve mais do que a gestão das finanças, Ian. — Parlan estava diante do genro, olhando carrancudo para o topo da cabeça baixa do rapaz. — Davina é de bom coração, tem uma alma amorosa…
— Mais um motivo para eu estar muito feliz com a união. — interrompeu Munro, ficando ao lado de Ian. — Ela é a doce mão que vai acalmar a besta que vive dentro de meu filho. Tenho certeza de que você viu sabedoria nisso, por isso concordou com a união. Davina terá sucesso em tornar meu filho um marido e pai amoroso.
O rosto de Parlan ficou sombrio, e se aproximou dos dois homens. Estudando-os, seus olhos pousaram