A vida é feita de instantâneos, que se sucedem incessantemente uma depois da outra, com uma cadência precisa e contínua, que cada um de nós, inconscientemente, sente como o ritmo da vida. As instantâneas são de tal forma aproximadas para não poder ser percebidas singularmente. Estando em rapidíssima sequência, formam um fluxo uniforme. É aquela coisa que eu chamo o princípio dos irmãos Lumière, que não sei se faziam cinema ou psicologia.
Aqui está.
Quanto a mim isto é o fluxo da vida «que desliza como um lenço de cabeça de seda, entre os dedos» e que, no seu deslizar, dá-te uma única sensação «que sentes apenas quando inicia, ou quando termina».
Deste cadenciar, de todas as formas o ser humano tem a plena consciência desse facto, e isto explica o prazer da música, linguagem universal que percorre, une e destaca algumas instantâneas deste variável fluxo, tornando-as perceptíveis. Apodera-se do teu deslize, torna-to perceptível, e guia-te nas emoções.
É aquela que muitas vezes é definida visão de conjunto, interpretando, com esta expressão, o considerar dinamicamente mais elementos colocando-os em comparação entre eles e portanto colhendo posteriores aspectos de forma dedutiva. Funciona também com as sensações.
Estes aspectos, se avaliados particularmente, não poderiam por acaso ser sugeridos ou indicados pelos mesmos elementos.
As instantâneas, a sequência, o fluxo.
O resultado da correcta dedução projectiva e perspectiva destes aspectos, destes fotogramas espalhados que colocados juntos sugerem um movimento, é o que se define clarividência. Às vezes, pelo contrário, trata-se de verdadeiros e próprios sinais previstos, ocultos apenas a quem vem as coisas uma por uma, particularmente. Mas a visão de conjunto necessita da essência dum elemento: a ignorância. Pode-se buscar como exemplo o jogo de xadrez: enquanto alguns vêem apenas um pedaço em forma de paulito que se move um quadradinho de cada vez, ou um outro em forma de torre que se desloca apenas sobre directrizes rectilíneas, quem conhece as dinâmicas do xadrez compreende o que está realmente acontecendo, e tem a noção daquilo que vai acontecer dentro dum certo número de movimentos.
Sobre estes princípios estava perfeitamente de acordo com o advogado Spanna: «para combater um fenómeno complexo, de resto, é necessário compreender as linhas gerais. Além da sintomatologia, que constitui os elementos da criminalidade. Se conheces, apenas alguns aspectos, desconexamente, o fenómeno conseguirá enganar-te, desfrutando a tua ignorância. Este é o mecanismo dissimulado das associações de carácter mafioso. E quem aprendeu a reconhecê-lo, e a desvendá-lo, sabe também quais são os verdadeiros pontos fracos. Tais pontos fracos que na verdade a máfia conhece bem, e tenta ocultarem, desviando-te».
Abrindo de novo os olhos, voltei para mim. Com uma SMS comuniquei ao Cerrati que o teria esperado num bar ali perto, pouco distante do escritório.
Dirigi-me com um passo lento mas decisivo, atravessando a rua, e entrei no café deserto. O empregado do balcão não pareceu ter notado, ainda que estivesse orientado lá para a entrada. Pude intuir pelo inconfundível tilintar que estava arrumando os copos naquela zona obscura habitualmente situada sob a prateleira onde são servidas as bebidas, uma zona ocultada à vista dos clientes, da qual, como por magia, sai dali para fora tudo, desde rodelas de limão até saquetas de adoçantes que em certos lugares aparecem apenas sob um explicito pedido («… não as deixam a disposição porque senão roubam-nas as senhoritas que estão em dieta…»).
Percorrido o breve troço que ligava a entrada com o balcão, chegando exactamente diante do empregado do bar, o qual, semi-erecto, continuou a atarefar-se sem erguer o olhar embora – enfim não havia duvida – tinha-me visto a entrar.
Para a verdade não fiquei surpreendido. Era a conduta, em alguns lugares. Frequentemente tinha-me interrogado sobre os motivos desta atitude de alguns empregados do balcão, que, em termos de leitura da linguagem do corpo, podia ser definido atitude forçada. Certamente, existiam mil hipóteses plausíveis na base de tais comportamentos, e também probabilidades estatísticas de justificação: quem entra num bar pode ser movido por intenções agressivas, ou ser um molestador demente, ou então um que te diz «olha que quero algo, de ti, mas não tenho nenhuma intenção de pagar». Ou mesmo um assaltante solitário.
Outra hipótese, suficientemente remota mas potencialmente existente, é que um determinado cliente, em alguns casos e por motivos subconscientes, recordas o empregado do bar de turno alguém que o espancou quando criança.
Sim, eram possibilidades, e todas justificavam uma desconfiança sã. Portanto pareciam arrojadamente remotas, e altamente improváveis.
Talvez era apenas Customer sfatigation, quem sabe.
Já próximo de um punhado de segundos cerca de um metro dele, permaneci perfeitamente imóvel e em silencio, evitando cuidadosamente movimentos bruscos e estudando atentamente as reacções. Mais que uma tentativa de consumação, o meu tinha assumido os caracteres dum verdadeiro e próprio duelo.
Faltava apenas o barbeiro exposto, os cowboys que se precipitavam fora do saloon, as mulheres que traziam as crianças amparadas, e o quadro teria sido perfeito. Deve ser para situações como esta que se decidiu definir quem entra num bar com o termo «freguês»: um que arrisca, que ousa, que desafia o destino. Gin indiano.
Mas, não obstante a pausa, nada acontece. Àquele ponto, tomada a coragem com as duas mãos, extraiu em primeiro lugar e disparou.
«Bom dia.»
O empregado do balcão cessou com o movimento das mãos, para mim invisíveis uma vez que enfiadas num lugar misterioso melhor detalhado anteriormente, e, erguendo os olhos, virou o olhar para aquilo que muitos, em gíria chamam freguês. Pensava que estivesse a tirar para fora um Winchester e me ordenasse de deixar o contado, «se queres rever a madrugada, forasteiro».
E pelo contrário continuou a mexer, e disse por sua vez:
«Bom dia.»
Pois bem, certo, em perspectiva do diálogo osmótico estava ainda longe do verdadeiro conceito e principalmente de comunicação, mas era precisamente um inicio. Eu, decidido para não deixar-me escapar a ocasião, fui no encalço dele.
«Por favor», melhor ser prudente, «prepararia um café?»
Oh: tinha estado realmente muito atento para não ser nem bastante agressivo, nem bastante submisso no tom usado para formular o pedido, procurando aplicar as dinâmicas que tinha ouvido ser vigentes nas alcateias de canídeos, uma vez que tinha visto QUARK, onde evitar de pôr na isca reacções instintivas no empregado do bar. Nem presa, nem agressor.
O empregado do balcão não respondeu, reparando-me com a mesma expressão que num livro de Stefano Benni tinha sido mais ou menos definida como aquela da «vaca quando passa o comboio», ou seja absolutamente inexpressiva e indiferente ao acontecimento, mesmo tendo sido o mesmo acontecimento causa suficiente para atrair a sua atenção.
Ainda assim, qualquer tipo de processo sócio dinâmico devia ser activado, na medida em que lentamente virou-se e começou a mexer com a máquina de café expresso, sacudindo ruidosamente a pipeta que contem o sedimento de café na pré-posta gaveta, depois de tê-la extraída, previa rotação quase de 30º, da sua sede.
Eu, animado abaixei os níveis defensivos de alerta 1, volvendo o olhar para o exterior, para controlar que a pessoa que devia vir me buscar não estivesse, no entanto, chegado.
Sem posteriores acontecimentos dignos de realce, a chávena de café fumegante tomou o seu lugar no pires preparado anteriormente.
Pedi, sempre com cortesia, um adoçante, indicando simultaneamente com o olhar a zona por baixo do balcão.
O empregado do bar, com uma expressão surpresa e improvisamente reflexiva, levou uma saqueta da zona morta, arrumando-a no pires, e muito provavelmente pensou numa fuga de notícias sobre a logística do seu bar.
O café estava quente, e não é o caso de fazer outras observações. Não fui nem sequer