«Tudo ok, Fanny. Ah, repara que dentro de uma hora chega uma cliente, uma coisa do advogado. Por razoes reservadas terei que…»
«Deixa-me adivinhar», interrompeu-me ela, «tens que recebê-la tu.» Sacana, sacana, sacana e sacana.
«Exacto. Agora distancio-me um pouco. Tenho que ir num lugar com Cerrati.
Se chegar enquanto estiver ainda fora, receba-a no meu gabinete e avisa-me por celular, por favor.»
«Certo, Alessandro. Ah, olha que telefonou Mutolo. Tu estavas ocupado com o advogado e lhe disse para ligar mais tarde.»
«Obrigado, Fanny, fizeste bem.»
Trespassei a porta, imaginando Fanny durante uma relação sexual contra a natureza com um rinoceronte.
Mas o sorriso mantinha-o também naquele momento.
Saindo do portão, em pleno centro da cidade, caminhei lentamente por alguns quarteirões.
Queria evitar de pensar, e mais tentava, menos conseguia. Resolvi que um café bem forte poderia restituir-me a carga, e dirigi-me em direcção da beira-mar.
UM PLANO PERFEITO
Naquele mesmo momento, alguns quarteirões de distância, numa sala no quarto andar dum prédio de luxo, um advogado estava sentado na sua escrivaninha. A sua respiração tinha-se tornado ofegante pela corpulência: firmemente sobrecarga. Dois dedos, grossos como salsichas e revestidos dum anti-estético e marcada penugem, digitavam velozmente, no teclado dum pc, o texto de uma conta dos honorários. Um pagamento muito alto, do qual teria depois subtraído a soma necessária para pagar uma consultoria que nunca existiu. Era um sistema comprovado: um assessor regional confiava com frequência tarefas a um mesmo advogado. Tarefas particulares, seleccionados: muito remunerativos. O advogado, depois, ao desempenhar pedia como pretexto consultoria a uma empresa ligada ao assessor, retribuindo-lhe generosamente.
Um parecer sobre uma passagem pouco significativa, ou então uma avaliação sobre o fundamento jurídico de uma deliberação e por ai em diante.
O método, depois, reduzia ao mínimo a exposição: nada de dinheiro vivo e nada de riscos. Tudo à luz do dia. E tramite estas consultorias, o advogado depositava a sua boa fatia de bolo a quem lhe tinha confiado a tarefa. À vista de todos. Nenhum encontro secreto, nenhuma conversa comprometedora ao telefone. Simples, limpo e à prova de detective.
Certo: as vezes o melhor método para esconder algo é colocá-lo em boa evidencia. É verdade, para gerir o mecanismo serviam pessoas de confiança. Mas para o resto era tudo regular: o escritório ocupava-se de contenciosos importantes, onde estava em jogo a administração pública, pois era normal, nestes casos, fazer o uso das consultorias. Pelo contrário. Fazia precisamente a figura de zelador, disposto a sacrificar parte das suas entradas para desempenhar melhor a tarefa, e mais entrava em contacto com profissionais da categoria: sabiam que sendo "amigos" podia significar algum cargo bem renumerado, e desta forma o joguinho rendia outras utilidades reflexas: pequenos «favoritismos». Coisas animosamente menores, mas sempre importantes.
O advogado Paceno, este era o seu nome, naturalmente não perdia a ocasião para exceder-se em atitudes de máxima transparência e honestidade, em ter o que fazer com estes. «Assinalarei o seu nome à empresa da qual sirvo-me muitas vezes para as consultorias», dizia pomposo ao professor universitário de serviço, ou ao luminar de grafologia, «mas só e exclusivamente pela estima profissional que lhe presto.»
Tudo isto lhe abriu as portas de circuitos muito exclusivos, e se tinha necessidade de algo, em certos âmbitos não era difícil para ele obtê-lo com uma passagem preferencial.
Às vezes o advogado Paceno entrava, desinteressado, num bar, e podia acontecer que um grande professor o cumprimentasse pronunciando manifestamente o nome: «advogado Paceno! Mas que honra! O que vai consumir?» circula que numa destas ocasiões o gordo advogado teve um silencioso orgasmo.
Recapitulando: estas consultorias vinham pedidos a uma empresa constituída ad hoc, que se servia de profissionais não contratados, encarregando a eles a tarefa de vez em quando e retribuindo-os a prestação com somas relativamente contidas.
Relativamente, porque três, quatro ou mesmo cinco mil euros não eram pouco para um parecer muito fácil.
A empresa, depois, facturava a prestação ao escritório de advocacia, acrescentando a sua boa, enorme, parte de lucro.
Poder-se-ia contestar as escolhas do escritório? Não. É um privado e faz aquilo que lhe convém, dado que o dinheiro é, de acto, subtraído à sua conta dos honorários.
Poder-se-ia contestar as recargas excessivas feitas pela empresa?
Não. Não é justamente uma culpa fazer dinheiro, para uma empresa que nasceu para tal. E tudo fluía simples como óleo.
Com a maioria das quotas da propriedade inseridas numa posterior empresa situada no estrangeiro, depois, a máquina operava em substancial anonimato, para evitar boatos e calúnias de qualquer jornalista metediço. Talvez poderia descobrir que tudo ia parar na irmã do assessor.
Algum sócio, da maioria, de todas as formas aparecia: um manager, pessoa de confiança, exactamente, que bem retribuído e muito satisfeito de não fazer pergunta, servia de fachada, para não dar a impressão que fosse uma caixa vazia. Um sistema perfeito na verdade. Mesmo se tivesse sido descoberto (coisa em si árdua) dificilmente poderia accionar a hipótese de crime. Tangentes, menos que nunca.
E os assessores mudam, mas o truque não. Eram mais que um, aqueles que se tinham sucedidos politicamente, e com algumas limadelas, ou cessão de quotas «estrangeiras às outras estrangeiras», o sistema tinha sido rapidamente reposto em pé. Blindado. Se alguém falava, de acto devia mesmo auto-acusar-se, e o crime não foi dito que teria sido demonstrado. Pelo contrário. E tal alguém, ter-se-ia mesmo encontrado a fazer as contas com as iras do grupinho.
Por isso: silêncio e Porsche para todos.
Único ponto fraco: a primeira fase dos acordos, e alguns ajustamentos durante o decurso. Eram estes, efectivamente, os momentos nos quais era necessária dizer claramente como estavam as coisas, o elemento probatório que podia ligar tudo, revelando a natureza criminosa. Mas com algumas simples precauções, era ao fim e ao cabo um risco nulo. Nada de comparável com aqueles tolos que de vez em quando deixam-se prender com os envelopes cheios de dinheiro, interceptados até aos cabelos, talvez por alguns miseráveis euros, pensava dentro de si o advogado enquanto digitava a soma final do honorário. 350.000,00 Euros. Subtraídas as taxas, as despesas e a «consultoria», 150.000 eram para ele.
Terminado de digitar, o advogado Paceno sentiu-se, como muitas vezes lhe sucedia, um Deus na terra. Não era roubar, o seu. Era a justa retribuição para quem tem uma inteligência superior. Ou melhor, para quem «é» superior.
E tudo isto, principalmente, o ajudava a esconder ao mundo e a si próprio a profunda desgraça da sua alma.
CUSTOMER CARE
Caminhava ao longo duma das estradas perpendiculares ao mar: a partir do passeio sobre o qual me encontrava não podia ainda vê-lo, mas sentia a presença.
Até a uma determinada hora da tarde, mais ou menos as 17, a partir lá para depois do almoço as lojas tinham ainda as grades de enrolar abaixadas.
O começo da tarde.
Também em Bari, um certo momento do dia chama-se assim. Porque passa das «12», números grandes, às 13, dito em gíria: «uma». Recomeço a contagem, e pois «o começo da tarde». Depois o almoço, entremeio tranquilo, com pouco transito e pausa para café.
Nos anos setenta o começo da tarde era um rito social quase sagrado. Parecia que estivesse a jogar a selecção nacional: todas as tardes. O deserto urbano, silencioso. Cristalizado, imóvel, fechado. Hoje é um pouco diferente, houve uma progressiva milanizaçao. Mas sempre «o começo da tarde» permanece.
Os