Estava absolutamente possuído pelo seu discurso, e curioso para perceber onde quisesse chegar. «Vejo-os, muitas vezes, render-se à evidência, e admitir por si próprios de não saber nada de algo que, paradoxalmente, acreditavam de conhecer muito bem: a máfia. Mas obviamente, nem todos sabem tudo. E esta é uma verdadeira evidência.» Reparou-me de novo, directamente nos olhos.
«Mas tu, que sabes destas coisas bem de tal forma para definir o direito estéril, e… ah… anacrónico, deverias saber dar-me uma resposta concreta, não achas?»
Tinha lido um dístico, na Tv. Estava escrito: «a máfia é uma montanha de merda».
Eis, naquele momento sentia-me exactamente em baixo, daquela montanha.
O meu silencio foi mais eloquente que qualquer resposta. Não estava molestando. Não estava me dizendo «és um pequeno sacana arrogante». Estava deixando-me sentir, que é pior.
«Veja, muitos sabem de não saber muitas coisas: a fórmula química do magnésio, o peso específico do plutónio. Não sabem e basta, não faz do seu trabalho, ou talvez não lhes é por acaso acontecido de ouvir falar, ou então nunca tiveram a necessidade de sabê-lo. E não há nada de errado, em tudo isto. Mas se lhos questionas, a resposta deles será "não sei". Ao contrário, a real diferença, quando fala-se de máfia, é que praticamente todos estão convictos de saber seja o que for, e pelo contrário este fenómeno é ainda fugaz, impalpável, imperceptível.»
Não deixava uma ruga, e mais, nunca tinha visto tanta loquacidade, no Spanna.
Eu, enfim, estava como um que, começado a ver o filme, não via a hora de saber quem fosse o assassino.
«Mas a passagem mais difícil para acreditar, para perceber, para explicar, é que tudo isto não acontece por acaso. Porque muitas vezes, independentemente do que se diga, a máfia "não existe". Ou melhor: a máfia não deve existir, segundo os seus filiados. Sabias que é por isso, segundo alguns, que se chama "Cosa Nostra/Nossa Coisa"? Parece que ao começo do fenómeno – falo de muitíssimos anos atrás – a todos os filiados é proibido dar um nome a esta organização. Porque o tornaria mais identificável, e pois contrastável. É muito mais difícil combater um inimigo, se não te parece como tal. Quando não sabes nem tão-pouco como é feito. Para combater um fenómeno complexo, de resto, é necessário compreender os traços gerais.
Além da sintomatologia, que constitui os elementos do crime. Se conheces apenas alguns aspectos, aos solavancos, o fenómeno conseguirá dar a volta, desfrutando a tua ignorância. Este é o mecanismo dissimulado das associações de carácter mafioso. E quem aprendeu a reconhecê-lo, e a desvendá-lo, sabes também quais são os seus verdadeiros pontos fracos. Tais pontos fracos que na realidade a máfia conhece bem, e tenta de ocultar, desviando-te. Os homens do estado que perceberam, aqueles que podiam revelar a identidade deste monstro invisível, suportaram a ira furiosa e nefasta, e muitos deles é isto que pagaram com a vida. Porque a máfia não quer ser desvendada, e quando alguém está em condições de compreender os reais mecanismos, de revelá-la, a máfia mata. Mata para não ser morta.»
Estamos quase, pensei. Agora vai-me explicar. Oxalá.
«Agora, Alessandro, voltando a nós, não penses que um como tu, com todas as qualidades que possui, ao ponto de sentir-se capaz de definir o nosso direito anacrónico, deveria estar em condições de dar uma resposta a esta simples pergunta? Sabes que no código existe uma resposta, ou não? E certamente sabes também que o código dá a precisa descrição…»
Não. Não me disse, quem era o assassino.
A partir da montanha de merda despontou a minha voz, flébil.
«Sim, creio que deveria ver melhor o código, advogado.» Estava arruinado. Fizera-me vida negra, e merecera.
Quis ir embora, mas ele mandou-me parar.
«Espera, tenho algo para te dizer.»
«Sim, advogado…»
«Gostaria de confiar-te um caso. Escuta atentamente.»
Confiar-me um caso? Depois duma chatice do género? Não percebia mais nada.
De todas as formas, tinha dito «escuta atentamente» tinha que fazer apenas duas coisas: estar em silêncio e memorizar tudo com clareza. Penso que, em caso de erro, poderia, como pena, ser decapitado na sala de reuniões: o meu corpo sem vida, imaginava, teria sido depois exposto durante alguns dias, pendurado no candelabro, com um cartaz no peito:
«Não tinha memorizado bem o que devia fazer».
Recuperado o lugar na cadeira.
«Há uma rapariga, é a companheira do meu amigo. Um do qual é da minha confiança, nos conhecemos há muito tempo.»
«Sim, advogado.»
«É uma pessoa, como posso dizer… que conta. Uma pessoa em vista, equilibrada, estimada e influente. Aliás muito reservada.»
«Sim, advogado.»
«Pára de dizer "sim advogado"», continuou pacato. «Esta rapariga, a sua companheira, tem um problema com o meu amigo, e dirigiu-se a mim. Eu queria rejeitar a tarefa.
Pensei, de todas as formas, de falar com ele, sem revelar os conteúdos, obviamente. Disse apenas do pedido que me foi formulado, e explicou-me: trata-se de uma pobre mulher sozinha. Ele acudiu-a como pôde, mas agora ela está atravessando um período difícil e o acusa de um serie de coisas… pois, particulares. Coisas que poderiam prejudicar a sua imagem. Enfim, ela não está muito bem de cabeça. Tem uma história familiar complicada. Agora ele pediu-me para não renunciar à tarefa, antes pelo contrário. Dando-a assistência, poderá ajudá-la para não prejudicar a si próprio, para não forçar a ele de reagir e de humilhá-la. De resto, ele teme que possa terminar nas mãos de algum colega sem escrúpulos, que apesar de fazer dinheiro poderia dar-lhe credito e instrumentalizar a situação. Não é de tudo falhada. Em todo o caso, lhe estimo muito bem, e deseja evitar de ser forçado, para fazer-lhe mal. Em suma, para ser breve, gostaria que a seguisse tu.»
Quisera dizer «sim, advogado», mas fiquei em silêncio.
«És uma pessoa com umas qualidades inatas, entre as quais uma certa empatia. Sabes o que penso realmente. Vais dizer a ela que estou ocupado, e que te encarreguei para gerir a instrução do caso, e que depois será eu a fazer as avaliações e a tratá-lo. Em síntese, terás que fazer de forma a reconduzi-la à razão, evitando que a coisa degenere em seu prejuízo. Estás pronto?»
«Certo. Estará aqui dentro de uma hora, a receberás tu.»
«Perfeito.»
Levantei-me e dirigi-me em direcção da porta. De novo a sua voz.
«Dentro de alguns dias vai-me contar um pouco da máfia, obviamente…»
Obviamente, advogado.
Vai à merda. Vai à merda, vai à merda e vai à merda.
Saí expedito da sala e percorri o corredor: Fanny, a secretaria faz-tudo, estava, como sempre, sentada na sua escrivaninha absorvida a escrever algo no pc, mas tinha no rosto as feições inequívocas dum mal disfarçado, intimo sorriso, que não conseguia esconder, e que lhe iluminavam muito os olhos.
«Tudo