No peito do sapato pespontado pousava as abas dumas calças azuis escuras às riscas. Um clássico, com riscas claras finíssimas e não muito separado. As calças eram duma largura certa: nem um milímetro a mais, nem um a menos. Ficavam muito bem. Sob o vestuário, perfeito mesmo de costas e provavelmente de alta-costura, uma camisa com a gola e pontas direitinhos, turndown collar, com a base branca e tiras azuis, e uma gravata regimental fundo azul com um nó estável mas não bastante grande: um meio Windson, naturalmente.
Esta era a combinação ideal para a profissão forense:
Adequada a todas as ocasiões, comunicava autoridade, mas não mensagens identificáveis a prior. Deixava o advogado na perfeita posição em relação a qualquer interlocutor, e em qualquer contexto.
A sua linguagem visual dizia: não sou «mais» tu, nem tão-pouco «menos». Não quero aparecer, mas te respeito, e peço observância pelo meu papel. Não ostento, não procuro cobrir faltas de carácter (ou melhor não tenho pontos fracos reconhecíveis).
Sou equilibrado. Aquilo que vai acontecer vai depender também de ti. Traduzido: respeitável com os clientes, irrepreensível com os escrivães, um degrau sobre os magistrados que o queriam um degrau em baixo. Sem excessos. Spanna, simplesmente, evitava e acautelava potenciais equívocos e contrastes baseados na linguagem não verbal. E utilizava esta sua indumentária em caso de necessidade: quando se esticava parecia incensurável, recordava a sua dependência a uma ordem. Se os seus tons tornavam-se mais pesarosos, transformava-se modesto, pronto para dar um passo atrás, ou mesmo indecente mas necessária. Tinha-se enfileirado, sim, mas por legítimo dever. Irrepreensível para com o colega adversário, mas devia fazer o seu trabalho. Credível com os magistrados, respeitoso do papel, mas também da correcta aplicação de leis ou excepções mesmo iníquas que podem ser. E por ai em diante.
Eficaz, é o termo exacto para descrever a sua indumentária. Enfim, nele, ao todo, nada desafinava. Os cabelos eram grisalhos, cuidados no corte e ainda bastos. Os óculos de vista tinham uma elegante armação em crómio, e lentes sempre limpíssimas.
O advogado Egidio Spanna tinha entrado na sala, não tinha ainda pronunciado uma única palavra, porem já tinha dito a sua ao interlocutor, que se tinha alinhado à pose psicológica mais idónea.
Reparou durante um instante (por mais que se tratasse de milionésimos de segundos, Spanna estava em condições de fazê-lo de novo empregando exactamente o mesmo tempo) e dirigindo-se acompanhado pelo chio dos seus sapatos pretos, à grande poltrona de pele atrás da secretaria, sobre a qual tomou lugar com o habitual único movimento, quase sem produzir algum ruído que não fosse aquele de couro que a revestia.
Depois duma rápida olhadela a uma nota posta à disposição pela secretaria, tirou os óculos lentamente, recolocou-os sobre a superfície da mesa, e apoiou-se no encosto, relaxando e passando-se de seguida, uma única vez, as duas mãos no rosto.
Era o único momento de relaxamento que se concedia, e somente com pessoas a ele próximas: colaboradores, amigos ou familiares. Logo depois enfiou de novo os óculos rapidamente e preciso, e reparou-me.
Eu estava sentado, ainda antes que ele entrasse na sala, sobre uma das duas pequenas poltronas de madeira do outro canto da escrivaninha. Desconfortadíssimas. E estou convicto que nem aquilo fosse fruto do acaso.
Enfim o tinha percebido bem, aquele homem. E chegaria o dia que lho teria dito a verdade. Estava farto, e não me teria deixado enganar pelos seus joguinhos e pela sua dialéctica refinada.
Com uma expressão interrogativa, dirigiu-me a palavra num tom amigável. Vagamente paternal.
«Então, Alessandro, como vão indo as coisas?» Pergunta aberta: tinha a necessidade de sondar o terreno.
«Bem», respondi com prontidão, «estou a procurar orientar-me advogado.» Resposta fechada: hoje vou te fazer ver eu.
Tinha percebido desde o inicio que com aquele homem não era preciso desperdiçar nada, muito menos palavras. As palavras levam tempo, e aquelas desperdiçadas provocam um esforço posterior na interlocução, uma dispersão de conceitos, um efeito de domínio que torna emotivamente mais fatigante qualquer confronto. A palavra mágica, com o advogado Spanna, era «essencial».
Creio que uma das principais razoes pelas quais lhe agradava – inegavelmente – fosse perfeitamente o facto que o tivesse percebido logo: «fala pouco, escuta muito, é sintético, e também veloz».
Para ser claro: com o advogado Egidio Spanna tens pleno direito para ser também um emérito chapado e ele vai te tolerar: basta que te apresses.
À minha resposta, Egidio Spanna permaneceu imóvel. A mensagem era muito mais clara: a resposta fechada não bastava, devia prosseguir.
«Estou a começar a perceber muitas coisas, de direito e da realidade. Enfim são seis meses que frequento este escritório de advocacia e a profissão», acrescentei, mas surpreendi-me mesmo duma certa pouca convicção que tinha no tom, «me satisfaz grandemente. Agrada-me, em particular, o direito penal. É mais pragmático no procedimento, e mais interessante na sua aplicação prática.» O olhar do advogado ficou ligeiramente sombrio: percebia uma incongruência no interlocutor.
«Mas a coisa incontestável, agora, é que tenho ainda muito caminho por trilhar», continuei. Os seus olhos voltaram à normalidade, e pareceram quase de estar a sorrir, deleitados da minha recuperação em tempo real.
Encostou os ombros: estava para falar.
«Tu tens muitas qualidades», começou. Mas a partir do tom pareceu aquilo que era: uma premissa negativa. Efectivamente prossegui dizendo:
«Talvez demasiadas, para esta profissão».
Pausa. Tinha opção da palavra. A colhi.
«É que o direito, as vezes, é bastante estéril, esquemático, anacrónico». Argumentei, «e não é fácil habituar-se a isso.»
Tive a pura sensação de ter dito uma clamorosa treta, não obstante tivesse expresso uma opinião plausível. Mas não sabia concretamente onde estivesse o erro. Duas palavras, e já estava em dificuldades.
O advogado tirou os óculos, e pareceu duvidoso.
«Estéril, esquemático e… ah sim… anacrónico.»
Repetia as minhas palavras, falando pausadamente com os olhos baixos enquanto dava-se massagens suavemente na têmpora.
«Pois», acrescentei com um mal disfarce da desorientação de quem sabe de ter sido imprudente, colocando-se na posição justa para receber um tiro de canhão em plena cara.
Depois ergueu o olhar e fixou-me.
«O que é a máfia?» tinha disparado a queima-roupa.
«Hum… em sentido, advogado?»
«Procurei saber de ti o que é a máfia. És um advogado estagiário. És licenciado em direito. São seis meses que frequenta este escritório de advocacia e os tribunais. O que é a máfia? Explica-mo.»
Bastardo.
«Pois, eis, a máfia é… portanto…» procurei recordar o artigo. «O… o… 416 do código penal… ou melhor não o 416 bis… sim… associação de índole mafiosa. É uma forma agravada da associação para o crime… quando, digamos, apresenta diversos agravantes… sim… enfim…»
O advogado Spanna relaxou, quase alucinado. Era talvez a primeira vez que o via desta forma.
«Fiz a mesma pergunta às muitas pessoas», disse num tom calmo e com uma expressão quase desiludida no rosto (mais que desiludida, pareceu insatisfeito. Ligeiramente insatisfeito. Mas creio que fosse apenas uma minha secreta esperança) «e muito delas não souberam responder. Outras responderam em termos vagos. Um pouco como fizeste agora. Embora fala-se muito, da máfia. É uma palavra notável para todos. Luta «contra máfia», medidas contra «máfia», protestos e marchas, iniciativas. Contra