Depois de tirar toda a roupa que vestira para sair, Rachel tentou aquecer as mãos com a respiração e foi aos tombos até ao tanque, que ficava ao lado da cozinha. Tinha uma lanterna e uma vela numa estante, por trás da porta. Depois, pôs o gerador a funcionar e foi ver como estavam os bebés.
Sentiu um aperto no coração ao vê-los abraçados e a dormir. Balançou-se, aliviada. Agarrou no corrimão do parque com força. Sentiu-se espantada com a sua inocência e os seus recursos.
Depois de um instante, ouviu a porta e sentiu uma corrente de ar frio.
– Como estão? – perguntou Sullivan, ficando ao seu lado.
Com sentimentos contraditórios, Rachel olhou para ele e viu que tinha o cabelo molhado e a pele vermelha do frio. Apesar de nunca o confessar, fora um alívio vê-lo aparecer.
– Bem. Continuam a dormir.
– Parecem tão tranquilos.
– Sim – Rachel virou-se para que ele não visse que tinha os olhos cheios de lágrimas. – É uma pena que não vá durar muito tempo.
– O que queres dizer?
– Se levares a tua avante, as pessoas em que deviam confiar estarão a tirar-lhes a pouca normalidade que encontraram desde que perderam os seus pais.
– Isso não é assim.
– Claro que é, mas não esqueças que eu não vou abandoná-los.
– Eh, eh! – ele segurou no rosto dela e limpou-lhe uma lágrima com o dedo polegar. – Sei que é difícil. Mas o meu amigo e a tua irmã confiaram-nos o cuidado dos seus filhos porque sabiam que o faríamos. Mesmo que seja difícil.
– Não é justo – declarou ela, afastando-se dele.
Sullivan seguiu-a e abraçou-a.
– Não – admitiu. – Não é. Mas não estás sozinha. Superá-lo-emos juntos.
Rachel queria lutar contra ele, afastá-lo do seu lado e contrariá-lo. Mas era demasiado bom poder apoiar-se em alguém finalmente. Em alguém com um peito forte e uns braços musculados, que cheirava muito bem e que a aquecia com o seu corpo. Rendeu-se e apoiou a cabeça no seu ombro. Fechou os olhos para que ele não conseguisse ver a sua angústia.
– Não quero gostar de ti.
Ele riu-se e acariciou-lhe o cabelo como fizera com Cody. Aquilo tranquilizou-a.
– Bom, continua a pensar assim, amanhã será outro dia. Escuta, tens frio, estás cansada e faminta. Falaremos da custódia das crianças noutro momento. Porque não tomas um duche enquanto eu faço alguma coisa para o jantar?
Tanto a trégua como o duche pareceram excelentes para Rachel.
– Devíamos guardar a água quente.
– Esta noite não. Precisamos de descongelar. Vai tu primeiro enquanto eu vou ver o que há na cozinha.
– E os gémeos?
Sullivan suspirou com força.
– Deixa-os dormir. Não dormiram bem esta noite.
– Passaram a semana toda sem dormir bem.
Talvez fosse essa a razão pela qual Rachel tinha a sensação de que podia ter adormecido assim, com a cabeça apoiada no seu ombro, ouvindo os batimentos do seu coração.
– Sofreram muito – acrescentou.
– Superá-lo-ão com o tempo – declarou ele, apertando-lhe o braço.
Sullivan tinha calor como um aquecedor e aquecia-lhe não só o corpo, como também o coração. Quanto tempo passara desde que um homem a reconfortara?
Na verdade, nunca acontecera. E muito menos o seu pai.
Aquele pensamento fez com que se afastasse dele e recuasse. Não tinha de se apoiar em nenhum homem. No entanto, ele tinha razão, os pais das crianças tinham confiado neles para que fizessem o que fosse melhor para eles. Mas isso não significava que pudesse confiar nele.
No que se referia aos gémeos, por enquanto não estavam de acordo.
Rachel perguntou-se se devia deixá-lo a sós com eles, embora não tivesse muito para fazer. A tempestade impedia que se fosse embora e já lhe demonstrara que sabia tratar deles com carinho.
– Irei tomar um duche – declarou finalmente, indo para o quarto. Ao chegar à porta, virou-se. – Obrigada.
Ele estava a observá-la. Na verdade, estivera a observar o seu rabo. Levantou o olhar para olhar para ela nos olhos; não se desculpou por ter estado a desfrutar da vista, só demonstrou a sua aprovação masculina. Levantou o queixo e fez um gesto de reconhecimento.
Ela tremeu e sentiu aquele instinto feminino que com tanto empenho tentava reprimir.
Fechou a porta, pondo uma barreira entre ela e aquele homem tão perigoso que despertava nela sentimentos que preferia manter enterrados.
Era o momento de fazer uma pausa. Como podia ter passado um segundo nos braços do inimigo? E não exagerava. Qualquer um que quisesse arrebatar-lhe as crianças era o seu inimigo.
Não entendia porque ele queria levar os gémeos. Era militar e solteiro, o seu comandante também lhe dera essa informação e os gémeos só lhe dariam dores de cabeça, mesmo que a sua família o ajudasse.
Talvez quisesse que fosse a sua família a tratar deles.
Sem dúvida, a família era o ponto fraco de Rachel. Uma vez na casa de banho, despiu-se e entrou no duche, deixando que a cascata de água quente lhe tirasse o frio.
Ficou a pensar em Crystal. Quando Rachel saíra de casa, o que mais lhe custara fora deixar a sua irmã mais nova, de apenas dez anos. Mas não conseguira ficar num lugar onde não a amavam.
Quando fizera dezassete anos, descobrira que o homem a quem sempre chamara «pai» não era o seu pai biológico. A notícia destruíra-a, embora graças a ela tivesse entendido muitas coisas, como porque é que se sentira sempre como uma estranha na sua própria casa.
Finalmente, começava a descongelar e pegou no seu sabonete favorito, que cheirava a pêssego.
Rachel compreendia que as coisas tivessem sido muito difíceis para Dan. Tinham-lhe mentido, enganado para que criasse a filha de outro homem. No entanto, dera-lhe de comer, vestira-a, nunca lhe batera… Havia crianças que tinham sofrido mais do que ela.
Rachel culpava a sua mãe. Ela é que mentira, que preferira o seu bem em vez do da sua filha. Stella Adams podia ter dado a Rachel as coisas que Dan lhe negara: tempo, atenção e carinho. Mas Stella preferira não o fazer.
E Rachel nunca a perdoara por isso.
Passou-se por água, fechou a torneira e saiu da banheira. Enrolada numa toalha enorme, foi para o quarto.
Rachel aprendera bem a lição durante a sua infância e não ia mudar como adulta. Antes de lhe partirem o coração, preferia estar sozinha. Tinha relações, mas nenhuma prosperava. Por culpa dela. Ela não queria arriscar-se a deixar que alguém que amasse a rejeitasse.
Outra vez.
Infelizmente, a sua relação com a sua irmã também sofrera por causa daquilo. Mas, ao contrário do que Sullivan dissera, tinham forjado uma nova relação depois da morte dos seus pais.
Rachel recusava-se a acreditar que Crystal tivesse fingido que não tinham essa relação.
Entrou na sala com umas meias grossas e uma camisola velha e parou para verificar se os bebés continuavam a dormir antes de ir para a cozinha. Imaginara que Sullivan teria aberto algumas latas de sopa, mas não fora assim. O cheiro a cebola e tomate fez com que o seu estômago se queixasse.