– É a mãe do meu filho – interrompeu ele. – E faz o favor de não repetires que não te parece uma boa mãe ou uma boa esposa.
– Não terei de fazê-lo, Dario. Maeve recordar-te-á isso em breve.
Todos na clínica, desde o enfermeiro ao médico, se foram despedir dela.
Quando lhes perguntou o que se tinha passado, só respondiam que tinha tido um acidente de trânsito e que não devia preocupar-se porque recuperaria a memória mais cedo ou mais tarde.
Eles negavam-se a dizer-lhe quem pagava as contas do hospital ou enviava as flores… todos excepto uma jovem auxiliar a quem lhe tinha escapado que era «ele» antes que a chefe das enfermeiras a fulminasse com o olhar.
Quem era «ele»?, queria perguntar Maeve. Embora soubesse que não conseguiria obter respostas.
– Posso perguntar pelo menos para onde vou quando sair daqui?
– É claro – respondeu a enfermeira, adoptando o tom que usaria com uma criança. – Para o sítio onde vivia antes, para o pé das pessoas que a amam.
Onde seria esse sítio e quem seria essa gente?, questionou-se Maeve.
Uns dias antes de os médicos lhe darem alta, disseram-lhe que passaria a sua convalescença num lugar chamado Pantelleria, do qual ela nunca ouvira falar.
– Quem é que estará ali à minha espera?
– Dario Costanzo…
Também nunca tinha ouvido falar dele.
– O seu marido – disse o médico então.
Isso tinha-a deixado sem fala.
Reunidos agora ao redor da limusina preta que esperava à porta do hospital, todos lhe desejaram uma rápida recuperação.
– Sentiremos saudades.
– Venha visitar-nos quando quiser, mas desta vez pelo seu próprio pé.
E, de repente, depois de tantos dias em que a única coisa que queria era sair do hospital, Maeve começou a sentir medo. Aquela gente era a sua âncora ao presente. Tudo o que ocorrera antes era um vazio, um borrão negro, um capítulo perdido da sua vida. Estar prestes a redescobri-lo, e ao homem com quem, aparentemente, se casara, deveria enchê-la de felicidade. Em vez disso, estava aterrorizada.
Reparando no seu pânico, uma jovem enfermeira tocou-lhe no braço.
– Não se alarme, eu acompanho-a até ao aeroporto.
A ideia de se misturar com gente assustava-a. Olhou-se ao espelho e sabia que, apesar do exercício, da boa alimentação e das horas que tinha passado no jardim do hospital, estava muito magra e muito pálida. O seu cabelo, outrora longo e espesso, agora era curto e mal cobria a cicatriz sobre a sua orelha esquerda. A roupa caía-lhe como se tivesse perdido uma tonelada de peso ou sofresse de alguma doença terrível.
Mas não podia fazer nada.
Em vez de se dirigir ao terminal, a limusina seguiu um caminho que levava a uma pista onde a esperava um jacto privado, com um assistente de bordo uniformizado à porta.
Que tipo de homem era o seu marido?, questionou-se Maeve. Ela tinha crescido num bairro operário em Vancouver, era filha única de um canalizador e de uma operadora de caixa de supermercado.
Recordando os seus pais, e quanto tinham amado a menina que nasceu quando já tinham perdido toda a esperança, fez com que os seus olhos se enchessem de lágrimas.
Se continuassem vivos teria ido para casa deles, naquela rua ladeada por árvores, a meio quarteirão do parque onde aprendera a andar de bicicleta.
A sua mãe far-lhe-ia um bolo de framboesa e o seu pai voltaria a dizer-lhe como estava orgulhoso dela. Mas os dois tinham morrido; o seu pai umas semanas depois de se reformar, a sua mãe três anos depois. A casa fora vendida.
E por isso Maeve, física e emocionalmente esgotada, via-se presa no elegante assento de couro do luxuoso jacto privado, dirigindo-se para uma vida que para ela não passava de um grande ponto de interrogação.
Capítulo 2
Embora não fosse exactamente mentira, quando Maeve lhe perguntara pelo sítio para onde se dirigiam, o assistente de bordo mostrou-se menos reservado do que o pessoal do hospital.
– Chama-se Pantelleria – respondeu, enquanto lhe servia o almoço
– Foi isso que me disseram, mas o nome não me é familiar.
– É uma ilha, conhecida também como «A pérola negra do Mediterrâneo».
– Em Itália?
– Sim, signora. A uns cem quilómetros da Sicília e a menos de oitenta da Tunísia.
– Fale-me desse lugar.
– É uma ilha pequena e isolada com ventos muito fortes. A estrada que a rodeia é um desastre, mas as uvas são doces, o mar é de um azul transparente… pode mergulhar-se nele. E o pôr-do-sol é magnífico.
Parecia um pequeno paraíso. Ou uma prisão.
– Vive lá muita gente?
– Além dos turistas, muito pouca.
– Eu vivi lá durante muito tempo?
O homem ergueu-se, como se estivesse num desfile militar.
– Posso oferecer-lhe alguma coisa para beber, signora?
Maeve sorriu, tentando sacar-lhe mais alguma revelação.
– O que costumava beber?
Mas o seu esforço não serviu de nada.
– Temos vinho, sumos, leite e água mineral com gás. Ou, se quiser, posso fazer-lhe um café.
– Água mineral – suspirou Maeve, pensando que quem quer que fosse recebê-la ao aeroporto teria de lhe dar alguma resposta porque estava a começar a ficar cansada daquela conspiração de silêncio.
Mas todas as perguntas que queria fazer desapareceram da sua mente quando o jacto aterrou e viu o homem que estava à sua espera.
Se Pantelleria era a pérola negra do Mediterrâneo, ele devia ser o príncipe dos diamantes: alto, bronzeado, de ombros largos e tão bonito que Maeve teve de afastar os olhos quando lhe apertou a mão.
– Ciao, Maeve. Sou o teu marido – disse. – Estou muito feliz por voltar a ver-te e que estejas tão bem.
O cabelo preto bem cortado, o queixo cuidadosamente barbeado… usava umas calças de linho, uma camisa azul e um relógio Bulgari no pulso. Em comparação, ela devia parecer uma expatriada e deslocada ao lado daquele estranho tão elegante.
E ele devia pensar o mesmo porque quando olhou para os seus olhos cinzentos viu neles o mesmo brilho de compaixão que a açoitara quando era adolescente.
Desesperados por dar à sua filha o que eles não tinham tido, os seus pais gastaram todas as suas economias para a enviarem para um dos melhores colégios privados de Vancouver, sem se darem conta da angústia que o seu sacrifício provocava em Maeve. As suas companheiras, todas filhas de famílias ricas, criticavam-na sem piedade e esses comentários tinham-lhe deixado mais cicatrizes do que o acidente de carro.
«Pobrezinha, já viste os dentes dela? É normal que se esconda atrás de tanto cabelo».
«Sinto-me mal por não a convidar para a minha festa, mas ela não se integraria».
Anos depois, uma ortodontia deixara-lhe os dentes perfeitos e, sorrindo agora para disfarçar a timidez que sentia