Ela encolheu os ombros e agarrou-o pelo braço.
– Anda, temos de falar.
Seguiu-a por um corredor gélido. O castelo precisava de uma modernização que custava milhões. Entraram no que fora o escritório de Fabio e que, a julgar pelo cheiro a fechado, não se usava desde que ficara doente e acabara por morrer.
Daniele e Natasha, atrás dele, apareceram em poucos segundos.
Uns olhos azuis esbugalhados observaram-no e, depois, olharam para outro lado enquanto Francesca fechava a porta e lhes pedia para se sentarem ao redor da mesa ovalada.
Matteo respirou fundo e praguejou. Era o que lhe faltava, estar fechado e ao lado dela, da mulher que brincara com ele como se fosse a sua marioneta, a mulher que o fizera acreditar que sentia alguma coisa por ele e que havia um futuro para os dois quando estivera a fazer o mesmo com o primo.
Parecera-lhe que estivera durante todo o dia com ele, ainda que estivesse longe, mas, nesse momento, estava sentada à frente, tão perto que conseguiria tocar no seu rosto falacioso.
Não devia vestir-se de preto, mas de vermelho.
Infelizmente, continuava a ser a mulher mais bonita que alguma vez vira e, além disso, melhorara com os anos. Olhou com atenção para os olhos azuis intensos que o evitavam e para o seu rosto ovalado com uma cútis branca que costumava ter um tom dourado, mas que, naquele momento, estava pálido. Para encontrar algum defeito, o nariz era um pouco comprido e os lábios um pouco largos, mas, em vez de defeitos, davam personalidade à cara com que tanto sonhara.
Naquele momento, desprezava o ar que respirava.
– Para resumir, vou tratar da parte legal, o Daniele vai construí-lo e o Matteo vai tratar da parte médica. E tu, Natasha, queres tratar da publicidade?
Natasha ouviu as palavras de Francesca, mas o seu cérebro demorou uns segundos a decifrá-las.
Tentara prestar atenção durante a reunião que Francesca convocara, mas só conseguira concentrar-se nos arrebatamentos entre Daniele e a irmã.
– Poderia, sim… – sussurrou Natasha, enquanto continha a histeria.
Tinha de esquecer Matteo e ouvi-los, pensou, com desespero. Além disso, não sabia nada de publicidade.
Sabia que Francesca estava a fazer o que achava que tinha de fazer ao convidá-la para aquela reunião dos irmãos Pellegrini. Consideravam o primo Matteo como mais um irmão e presumiam que ela também quereria participar. Qualquer viúva íntegra e amante quereria participar na criação de um monumento ao marido amado e, efetivamente, queria participar.
Apesar dos seus defeitos como marido, Pietro fora sincera e desinteressadamente humanitário. Constituíra uma fundação há dez anos para construir edifícios em zonas danificadas por desastres naturais: Escolas, casas, hospitais, o que fosse preciso. Na semana antes de morrer, a ilha caribenha de Caballeros sofrera o pior furacão que se recordava e arrasara a maioria das instalações médicas da ilha. Pietro soubera imediatamente que construiria um hospital lá, mas morrera num acidente de helicóptero antes de acabar os planos.
Merecia que o recordassem e os habitantes devastados de Caballeros mereciam o hospital que Francesca queria construir.
Por isso, Natasha esforçara-se para prestar atenção. Não quisera defraudar os irmãos Pellegrini, que tinham feito parte da sua vida desde que ela recordava porque o pai e Fabio tinham sido amigos de escola. Não tivera irmãos e essa proximidade aumentara desde que comunicara que se casaria com alguém da família, mesmo durante os seis longos anos de noivado.
Ainda que, se Matteo não estivesse ali, conseguisse concentrar-se melhor.
Não houvera nenhuma vez, durante os últimos sete anos, em que não tivesse sentido o seu rancor quando estavam juntos. Era suficientemente cortês e simpático para que ninguém conseguisse perceber como a odiava, mas percebia quando se olhavam nos olhos.
Sentia-o naquele momento. Como era possível que Francesca e Daniele não percebessem? Como era possível que não flutuasse no ambiente?
Em parte, entendia porque a desprezava assim e tentara desculpar-se, mas tinham passado sete anos. Mudara e ele também. Deixara a cirurgia reconstrutiva, em que tanto lhe custara especializar-se, e começara o caminho da cirurgia… estética. Tinha vinte e oito centros por todo o mundo e a patente de uma gama de produtos para o cuidado da pele, desde a redução das cicatrizes à redução dos sinais do envelhecimento. Assim, já não era um cirurgião vocacional e transformara-se num empresário que só operava se tivesse tempo. Ele próprio criara esses produtos e juntara uma fortuna comparável com toda a fortuna dos Pellegrini e de Pietro juntas.
Até mudara de apelido e tornara-se famoso. Era alto, bonito, com o queixo firme e com um cabelo moreno e encaracolado. A imprensa sensacionalista chamava-lhe o doutor Bombom. Parecia-lhe que não podia passar à frente de um quiosque ou abrir uma página de Internet sem encontrar o seu rosto sedutor a sorrir, normalmente, de braço dado com uma modelo de lingerie.
Naquele dia, no entanto, não tinha a arrogância habitual. O seu desprezo abrasador afetava-a, mas conseguia perceber o seu desassossego. Pietro fora mais do que um primo e um irmão suplente, fora o melhor amigo de Matteo.
Gostaria de chorar por ele e por todos eles.
Matteo estacionou junto da calçada. A casa imponente estava às escuras. Fechou os olhos e deixou-se cair por cima do volante.
Podia saber-se o que estava a fazer ali?
Devia estar no quarto do hotel a beber o minibar inteiro. Organizara-o presumindo que Natasha ficaria no castelo com o resto da família. Não dormia na mesma casa do que ela desde que aceitara o pedido de Pietro.
No entanto, não ficara. Algumas horas depois da reunião para falar sobre o hospital de Pietro, despedira-se de todos com um abraço, menos dele. Segundo um acordo tácito, tácito porque não trocara mais de quatro palavras com ela em sete anos, ele manteria uma certa distância física, mas não a suficiente para que os outros pensassem que não se tinham despedido.
Levantou a cabeça outra vez, respirou fundo e desejou que o coração se apaziguasse.
Podia saber-se o que se passava? Porque não conseguia tirá-la da cabeça? Porque é que, quando estava a chorar a morte do primo e melhor amigo, as lembranças tinham voltado?
Conseguia vê-lo como se fosse naquele momento. Saíra do quarto no castelo para se encontrar com o resto da família na tenda onde ia celebrar-se a festa do trigésimo aniversário do casamento dos tios. Natasha saíra do quarto que partilhava com Francesca e que era no mesmo corredor do que o dele. O coração acelerara quando vira que usava o colar que lhe dera quando fizera dezoito anos. Odiara não poder ir à festa que dera em Inglaterra, mas era médico residente num hospital da Florida, que era muito perto da faculdade de Medicina, e houvera uma urgência no fim do turno. Houvera um acidente de viação múltiplo com muitos feridos graves que precisara da contribuição de todos. Quando acabara de atender o último ferido, já perdera o avião.
Avançara com calma e esperara que ela fizesse dezoito anos para dar o primeiro passo… físico. Então, naquele corredor gélido do castelo, quando Natasha, com um vestido azul elétrico, era o melhor exemplo de uma mulher elegante e refinada, compreendeu que já não tinha de se reprimir mais.
Todas as cartas e chamadas noturnas que tinham trocado durante meses, todos os sonhos e todas as esperanças que tinham partilhado, tudo os levara até àquele momento. O futuro de ambos começava nesse momento e tocou no colar antes de a beijar pela primeira vez.
Fora o beijo mais doce e embriagador que dera durante os seus vinte e oito anos e só Francesca o interrompera quando saíra do quarto e se dirigira para eles. Se tivesse saído três segundos antes, tê-los-ia encontrado juntos. Questionou-se o que teria feito se os tivesse surpreendido a beijar-se