Descobrimos que quase todas as noites organizava-se alguma coisa.
Éramos uma espécie de grande família que se reunia entre aqueles que regressavam dos voos e repousam entre um turno e o outro, mas se o dia seguinte precisava partir nos prometia de novo, todas as vezes, de ir a cama cedo e de não exceder com a comida e bebidas, para evitar nojentas dores de cabeça e náuseas matutinas que, a bordo, seriam duplicadas com a altitude e o ar condicionado.
Durante o trabalho era preciso ser impecável, os voos e os passageiros por enfrentar teriam sido uma dura prova, sabíamos bem.
Depois de ter assinado o contracto de admissão na ampla sala de um majestoso prédio e, com uma grande surpresa, designada o destinatário da polícia de segurança em caso de morte, com forte emoção constatamos que mesmo nós íamos nos tornar logo aves voadoras.
O primeiro voo
O primeiro voo é para todos, inesquecível.
Atribuíram-me uma rotação para Paris, estava emocionadíssima, embaraçada ao entrar primeiramente naquele avião, todo vazio, pronto para acolher a nossa tripulação antes dos passageiros.
Fiquei a conhecer finalmente os segredos do galley, que seria uma espécie de cozinha a bordo, onde se encontram os fornos para aquecer as refeições, frigoríficos para manter as bebidas frescas, todos os carrinhos com a comida, a zona destinada para conter os resíduos, e as dotações necessárias para o andamento do voo. Nesta área é preparado todo o serviço antes do seu inicio e, para as hospedeiras, é o lugar mais confidencial e íntimo, o único lugar suficientemente reservado que concede poucos minutos de separação com os passageiros, graças à uma cortina que oferece preciosos momentos de privacidade sobretudo nos voos excessivamente longos. Revelações e confidências efectuadas em voz baixinha são com frequência narradas e desvendadas aqui, no baú dos segredos das hospedeiras.
Verifiquei, junto da tripulação, que tudo tivesse sido limpo de forma cuidada, que o catering tivesse abastecido como deve ser todos os carrinhos, os fornos e o frigorífico, que os equipamentos e as luzes de emergência estivessem eficientes e em ordem.
Eu era o oposto das minhas colegas, tão desinibidas e seguras nos movimentos, já antigas da companhia, diz-se assim.
Durante o curso tínhamos tomado conhecimento de todas as portas, os carrinhos, e as gavetas apinhadas no interior de um avião: eram uma infinidade, completamente repletas de material necessário para o bom desempenho do voo.
Resolvi abri-las todas para observar o que tivessem dentro e memorizá-las para um mais rápido uso.
Fechei-as, e esqueci a posição e o conteúdo de cada uma, eram muitas, todas iguais por fora.
O fiz uma dezena de vezes. Muitas vezes a sorte me acompanhou a adivinhar o compartimento daquilo que procurava, com frequência rendi à não descoberta de chávenas plásticas depois dum parcial êxito sobre as saquetas de café e do leite em pó. As pequenas máscaras para os olhos, que creio que mudassem de lugar em cada voo, quase como um jogo de prestígio: depois de tê-las visto numa gaveta, parecia, que as encontrava numa outra.
Reparava à minha saia que cobria apenas o joelho, as meias lisas e veladas de cor carne até então nunca usadas e os sapatos modelo decotado clássico de pele, da mesma tonalidade que a bolsa, com salto de feitio clássico, uma camisa bem engomada, lenço do pescoço, casaca acompanhado por insígnia e crachá de identificação pessoal obrigatória.
Estavam no meu corpo, agora.
Vesti pela primeira vez aquele uniforme, da forma mais cuidada que pudesse, sobre aquele crachá estava gravado o meu nome, isto era uma grande honra, e a levava comigo com grande orgulho, entusiasmo, quase com solenidade: era o inicio de um magnifico sonho.
Quisera tirar uma outra fotografia e mandá-la para a minha Stefania; o sorriso aparecido na foto e colocado na minha cara desta vez teria sido sincero relativamente àquela das nossas tiragens fotográficas feitas para participar à selecção, lhe teria escrito que sentia a falta dela e que quisera que estivesse comigo.
Naquele momento o embaraço e a emoção do primeiro voo ofereciam-me uma extrema rigidez.
A cor da casaca do uniforme era muito semelhante àquela do encosto das poltronas, e eu identificava-me mais àquela que a uma hospedeira de bordo verdadeira.
Felizmente virei-me bem, creio eu, que ninguém apercebeu-se da minha apreensão durante todo o voo.
Talvez se verificou durante a minha primeira demonstração do briefing, para visualizar os equipamentos de segurança e as várias saídas do avião.
Todos os olhos estavam dirigidos para comigo e estava desprevenido para enfrentar de forma desenvolta aqueles inúmeros olhares que me fixavam na minha totalidade.
Senti um rubor nas minhas bochechas e as mãos começaram a tremer, um pouco a suar, quando mostrei como engatar a cintura.
Nunca tinha tido problemas ao enfiar a fivela metálica dentro da fissura, mas naquelas circunstâncias tornava-se difícil fazê-lo, tentei de bloquear aquele tremor contínuo dos dedos que me impedia de localizar o justo acesso.
Gotejante de invisíveis gotas de suor, consegui terminar aquela estranha demonstração, como uma dança executada pelo movimento das minhas mãos.
Sentia-me como actriz de um filme mudo, com muito público, que seguia o texto lindo e difundido pelos altifalantes do avião, e eu que enfatizava com os gestos as indicações dadas.
Durante os anúncios de bem-vindos, foi estranho e pouco habitual ouvir a minha voz árdua em todo avião e só depois de vários voos consegui modulá-lo sempre melhor, tentando evitar cuidadosamente cada minha metafonia dialectal, sobretudo aquela péssima vogal o por pronunciar, que de aberto devia assumir uma fonética estreita e fechada, e que frequentemente devia repetir:
«Boom dia e Bem-vindos a boordo.»
«Bem-vindos em Rooma.»
Dei-me conta que apertando as bochechas, entreabrindo a boca e a mandíbula, contraindo os lábios e debruçando-as para fora, e evitando a passagem do ar a partir das fossas nasais, conseguia muito bem reduzir tal som.
Boom dia, boordo e Rooma ficaram finalmente: Bom dia, bordo, Roma.
Depois dum percurso nacional Roma - Bolonha e uma sucessiva internacional Bolonha - Paris, eu cheguei ao destino final, ainda que aquela maldita o era Omnipresente.
Despedi todos os passageiros, um autocarro estacionado ao lado levou-me e a minha tripulação para o hotel em Paris e, como habitualmente acontecia, depois de ter retirado a chave do quarto, marcamos um encontro para irmos todos jantar juntos.
«Nos vemos as 20:00, sem compromisso.
Assim disseram-me os colegas antes de ir ao quarto para trocar de roupa.
Aprendi à minha custa, que é importante ser pontual.
Estava contente de estar em boa companhia e poder ser guiada por eles que conheciam bem a zona.
Teríamos jantado no famoso restaurante La Couple, no Buolevard Montparnasse, conceituado pelo entrecosto e o bom vinho tinto.
Teria saboreado as ostras com o aperitivo, e teria feito muitas fotos, muitíssimas fotos para recordar a ocasião, as teria mostrado a Stefania, à mamã, ao papá, às primas, teria sido para eles a princesa jantando num famoso restaurante francês, na companhia de pessoas que viajam, que conhecem o mundo e residem em hotéis luxuosos, e eu estava ali, fazendo parte deste sonho que tornava-se realidade.
Pensei, pois, para não chegar perfeitamente a tempo ao encontro na recepção do hotel, pois que uma senhora deve sempre fazer-se esperar, pelo menos onde eu nasci.
Aprendi que não pode fazê-lo uma colega, porque aquele sem compromisso quer dizer: cinco minutos no máximo de atraso concedido.
Jantei sozinha na cervejaria do hotel, que servia apenas as sanduíches gratinadas: pedido