Pedro preparou para Carolina um prato de caracóis com molho de tomate, acompanhado de um bife. Em todo o tempo em que ela esteve no restaurante, nenhum cliente entrou, o que lhe deu pena. Ela gostava do homem, o conhecia desde o dia em que se mudou, quando ele se ofereceu para ajudá-la a carregar sua mudança.
Logo depois, Carolina foi ao laboratório com sua bicicleta; odiava os carros, especialmente os engarrafamentos que eles provocavam.
Quando entrou pela porta da Sala 4, ficou surpresa por não ver sua colega trabalhando, mas não se importou.
Carolina iniciou o procedimento do zero com as novas amostras vindas de Sória. Depois de quatro horas muito longas, o processo preliminar foi concluído, faltando apenas comparar os dados e tirar as conclusões. Carolina esperava que os resultados fossem completamente opostos. Depois de comparar os dois resultados, ela não poderia ter ficado mais chocada. O que ela tinha acabado de descobrir poderia mudar a maneira como os biólogos estudavam vírus.
– Não acredito! – disse Carolina em voz alta, e imediatamente ligou para Keysi, que havia chegado alguns minutos antes e conversava com Clara e Norberto.
A britânica chegou correndo.
– O que aconteceu?
– Não houve contaminação, são dois vírus. Os vírus tão evoluindo, ou pode ser que o nosso sistema imunológico continue enfraquecendo.
Naquele momento, Norberto entrou.
– Norberto, você tem que ver isso.
O diretor do Farol da Luz se aproximou e olhou para o que Carolina estava lhe mostrando.
– Impressionante – disse Norberto, surpreso com a descoberta de suas duas funcionárias favoritas, tirando sua filha Titania.
– Você precisa divulgar, é perigoso ter essa informação e não compartilhar – disse Keysi. Seu chefe estava olhando para ela com uma expressão muito séria.
– Houve outro caso – Norberto começou a contar. – há muito tempo. – Norberto aproximou-se da porta, certificou-se de que ninguém estava ouvindo e fechou-a. – Foi há dez anos, no oblast de Irkutsk, na Rússia. Desde que existem as cepas de vírus mortais, produto de nossos avanços médicos, dois ou mais vírus nunca viveram em um mesmo corpo. Sabemos que quando um vírus invade o seu corpo, outro não pode entrar, pois o corpo já está doente. Há dez anos, um homem de oitenta anos foi encontrado morto em sua casa, com um fio de sangue saindo da boca. Imediatamente, ligaram pra uma unidade especializada em coletar cadáveres infectados por vírus. Quando chegaram ao laboratório, começaram o processo de investigação, pura rotina. – Norberto pegou um dos bancos e sentou-se, com Carolina e Keysi observando-o atentamente. – Quando o biólogo que o examinava iniciou o processo, não percebeu nada de peculiar, nada o fez suspeitar que o corpo era portador de dois vírus. O biólogo continuou o procedimento, quase terminado, quando notou as feridas internas do corpo. – Norberto esfregou os olhos. – A primeira coisa que ele pensou foi que o vírus era extremamente perigoso, então ele saiu da sala e foi até o compartimento que serve como uma passagem entre o corredor e as salas altamente perigosas. Ele fechou a porta com o código criptografado e acionou o processo de remoção do vírus para eliminar quaisquer vestígios do vírus que ele carregasse. Ele desabotoou o traje de isolamento e alertou os membros da equipe de coleta para que fossem particularmente cautelosos. Quando voltou pra dentro, viu uma coisa realmente incomum: o cadáver estava se decompondo a uma velocidade espantosa. Nenhum vírus registrado apresentava esses sintomas post-mortem. Mas tinha outra coisa: os ossos tavam ficando pretos. Depois de mais dois dias de pesquisa, o biólogo descobriu algo que julgavam impossível: um corpo podia abrigar dois vírus ao mesmo tempo. O biólogo, fascinado por essa descoberta médica, continuou a estudar os restos do corpo, bem como as amostras de vírus que ele conseguiu extrair dele. – Keysi e Carolina estavam em silêncio, concentradas no relato do chefe. – Uma manhã, quando o biólogo chegou ao seu posto de trabalho, descobriu outra coisa. Não havia mais dois vírus, e sim apenas um. Os dois vírus sofreram mutação, transforman-do-se em um vírus novo e mais poderoso. Isso aconteceu inexplicavelmente e, que a gente saiba, nunca mais aconteceu. Espero que vocês sejam discretas, e com isso quero dizer que essa informação não sai desta sala. Não falem sobre isso em público, entenderam?
Keysi e Carolina concordaram.
– Podemos ver amostras desse vírus ou ler os relatórios?
– Não acho que isso seja relevante, os vírus só devem sair das Câmaras Isoladas de Segurança quando for realmente necessário.
As Câmaras Isoladas de Segurança eram centros de armazenamento ocultas no subsolo ou no fundo do mar que mantinham amostras de vírus e seus antígenos. Cada laboratório tinha uma, e a o do laboratório de Norberto ficava a dois quilômetros ao sul de Maiorca, escondida no fundo do mar. Era acessada através de um submarino, e, para entrar, primeiro era preciso ter uma autorização e, depois, passar por uma série de longos e rígidos controles de segurança.
As únicas Câmaras Isoladas de Segurança que não continham amostras de vírus eram os arquivos com o acervo histórico da China, Austrália, Canadá e França, as hortas de sementes da Islândia, Paraguai e Namíbia e os centros de dados de tecnologia do Japão e da Antártida.
– Você fez um ótimo trabalho, mas infelizmente ninguém vai ficar sabendo. Como vai com os outros vírus? Eu tô especialmente interessado no que foi encontrado na Noruega. O número de infectados aumentou pra aproximadamente doze mil e quinhentos.
– Eu tenho dois possíveis antígenos, mas eles ainda não tão prontos. Com sorte, termino nessa semana – informou Keysi.
– Eu tô quase terminando um antígeno pro da Austrália.
– Perfeito. Assim que tiverem prontos, me informem. Muita gente tá morrendo.
Norberto saiu da sala e as deixou trabalhando. Estava preocupado; sua filha estava em Taiwan, cercada por muitos vírus mortais, e ele nem podia perguntar como ela estava, já que as comunicações tinham sido suspensas.
Enquanto trabalhavam, Clara entrou de repente, quando Carolina carregava amostras do vírus apelidado de areia que voa, fazendo com que ele escorregasse de suas mãos e caísse.
– Ai, meu Deus! – gritou Keysi aterrorizada. Clara também gritou, e depois saiu correndo.
– Calma! Não quebrou. Repito, não quebrou – por sorte, Carolina havia enrolado a esfera em um plástico protetor.
Clara voltou para a sala, ofegante.
– Menos mal. – Clara olhou para o frasco para ter certeza. – Eu tava vindo pra comunicar que a presidente da Espanha vai visitar o laboratório, basicamente pra tirar uma foto – Clara se virou para sair.
– Quando ela vem? – perguntou a maiorquina.
– Ah, sim! – Clara ainda estava ofegante. – Eu tô muito empolgada, acho que devia ir à academia. – Clara sorriu. – Ela vai vir na próxima semana. Vai ter uma grande festa, e ela vai nos entregar o prêmio de melhor laboratório da Espanha.
– Não tenho nada pra vestir – reclamou Carolina, quando elas voltaram a ficar sozinhas.
– Eu posso emprestar algumas roupas pra você.
– Vamos juntas pra uma loja de roupas amanhã?
– A gente tem muito o que fazer – disse ela, com os braços abertos.
– Eu preciso de você, você tem estilo. Não vai te fazer mal tirar uma manhã de folga. Quando foi a última vez que você não trabalhou?
– Carolina, hoje eu dormi a tarde toda.
– Isso é normal, você quase não dorme.
– Tá