As pulseiras que usavam criavam um avatar personalizado muito realista para todas as lojas, visível pelo celular. Ao aproximar a pulseira do código de identificação de cada peça, o avatar automaticamente colocava a peça, para uma visualização melhor e com mais precisão de como ela se encaixaria, sem a necessidade de experimentá-la. Poucas lojas continuavam mantendo os provadores.
A porta de saída era diferente da de entrada. Se a pessoa quisesse sair, precisava passar por um scanner, que detectava se ela estava usando roupas que não foram pagas; nesse caso, a porta não abria, impedindo que a pessoa saísse. No início da implementação do sistema de scanner nas lojas, houve problemas, e muitas vezes os códigos não eram bem identificados, fazendo com que as pessoas não conseguissem sair.
– Eu não gostei de nada – Carolina olhava para as roupas, pouco convencida.
– Que tal essa? – Keysi mostrou a ela uma camiseta amarela com decote em V e ombros em forma de dodecaedro.
– Eu queria uma coisa mais chamativa.
A inglesa aproveitou o momento para falar sobre Jacinto.
– Por que você não dá uma chance pra Jacinto?
– Ele não me pediu.
– Você sabe o que ele sente por você.
– Eu sei o que você acha.
A britânica começou a olhar um vestido verde em um canto distante. A parte de baixo era mais clara, enfeitada com contas de prata.
– Você devia levar, ia ficar bem em você – disse Carolina, aproximando-se por trás.
– Custa setecentos simeões, é muito.
– Ok, se você não comprar, eu compro pra você.
– Não, Carolina, é muito dinheiro.
– Keysi, é o meu dinheiro, e, se eu quiser te dar um vestido, eu dou. Você passa o dia no laboratório, não faz mal que alguém te dê um presente. Aliás, você já encontrou uma casa? Porque ter que continuar morando com seu ex… enfim, deve ser complicado.
– Não é, a gente tá se dando bem. E não, não encontrei nada que eu goste, são todas casas antigas.
– As casas antigas tão na moda agora, eu mesma moro em uma.
– Eu nunca morei em uma. Em Birmingham, eu morava em uma casa que era tipo um chalé, bem moderna. Na Alemanha, também tinha um Sistema de Controle, assim como aqui.
– Você não quer tentar? Digo isso porque tem um quarto vazio no meu apartamento.
– Eu não me vejo morando com outras pessoas.
– Você acha que sobreviveria sem que as luzes se acendessem sozinhas ou tendo você mesma que dar a descarga?
– São avanços, facilitam a nossa vida.
– Também geram desemprego. Debaixo da minha casa tem um restaurante retrô. Ninguém entra. No final, vai acabar fechando.
– Gosto mais dos retrôs do que dos modernos, mas admito que vou muito mais nos modernos porque são mais rápidos.
– Sim, é verdade, mas a comida é uma merda.
– Não em todos.
– Tá, pode ser que em toda Maiorca tenha uns dois ou três que sirvam comida boa, mas em outros lugares também não é tão ruim. Quer dizer, a comida dos robôs pessoais de cozinha é muito boa.
– É verdade. Acho que é porque já existiam há séculos e foram melhorando, e, como nos restaurantes modernos as pessoas não reclamam, e mais e mais pessoas vêm, eles não melhoram.
– Muitas pessoas reclamam, mas da boca pra fora.
– Veja! – Keysi apontou animada para um longo vestido vermelho escuro com mangas compridas. – Leve esse, tenho certeza que vai ficar lindo em você.
Carolina se aproximou e passou o pulso pelo código da peça. Automaticamente, seu avatar pessoal vestiu a roupa, convencendo-a do resultado.
– Adorei, Keysi, muito obrigada por encontrar. Se dependesse de mim, eu não teria visto.
– Não tem de quê. Mas se você me der o vestido verde, eu te dou o vermelho.
– Me parece justo.
Dois dias depois, Carolina acreditava ter encontrado um antígeno para o vírus da Austrália.
– Acho que consegui – disse Carolina, depois de pausar a música.
– Deixe eu dar uma olhada – Keysi revisou os dados. – Tomara que funcione.
– Vou chamar Clara.
Antes que a maiorquina saísse da sala, Norberto apareceu.
– Onde você tava indo?
– Avisar pra Clara que eu tenho um possível antígeno pro vírus da Austrália.
– Ótimas notícias, mas lembre que você pode avisar ela daqui – Norberto apontou para o teledor, um instrumento que permitia a comunicação com todo o laboratório por meio de ligações ou videochamadas.
– Eu pensei que, pela importância da notícia, eu deveria contar pessoalmente.
– Tá bom. Tenho que contar uma coisa, e vocês não vão gostar. – Norberto ficou sério. – Na próxima semana, um grupo de virologistas chineses do prestigiado laboratório Árvore Alta vai nos visitar. Não se trata de uma visita de cortesia, eles querem ver como trabalhamos e, é claro, querem trabalhar com vocês enquanto estiverem aqui.
– Mas isso pode atrasar nosso trabalho – reclamou a inglesa.
– De fato, esse é o meu maior receio. Se, em vez de pesquisar, vocês tiverem que ensinar técnicas, como nossos dispositivos funcionam e assim por diante, fico preocupado que vocês demorem muito para encontrar antígenos. Vou fazer o meu melhor pra que eles deixem vocês em paz. Keysi, como tão indo os possíveis antígenos que você me contou?
– Tem uma coisa que eu não entendo. Quando aplico o vírus nas células sintéticas e depois injeto meus antígenos, o vírus cresce, não sei como, mas eu maximizo ele, quando na verdade tento fazer o oposto.
– Claramente, você tem uma ou mais variáveis ao contrário – disse Carolina.
– Eu pensei nisso, fiz outras combinações coerentes, mas ainda não funciona.
– Às vezes, o mais coerente é ser incoerente – disse Norberto.
– E a CoHu do vírus indiano? – perguntou Keysi, preocupada que seu antígeno tivesse falhado.
– Todos em perfeito estado e sem efeitos colaterais, você não precisa se preocupar. O antígeno foi um sucesso.
Duas horas depois, uma CoHu estava pronta para testar o antígeno criado por Carolina. Ele era um jovem de trinta e tantos anos, que estava suando muito deitado em uma maca.
– Relaxe – disse uma das enfermeiras que trabalhava nas Salas de Testes.
– Você tem família? Filhos? – perguntou Carolina para acalmá-lo.
– Dois divórcios, quatro filhos – respondeu o homem, sem olhar para ela.
– Você é muito corajoso, poucas pessoas se arriscam a ser CoHu.
– Faço isso pelos meus filhos.
– Você quer dormir durante o processo? Eu tenho que avisar que isso pode te afetar negativamente – informou a enfermeira.
– Você me perguntou se eu quero morrer dormindo?
– Não diga isso, você não vai morrer.
– Sinceramente, não me