– Desculpe, eu já te avisei várias vezes.
Ignacio entregou a carta a Mónica e foi embora. Mónica nem esperou entrar em casa e abriu a carta, rasgando o envelope. Nele havia uma ordem de despejo. Ou pagava o aluguel nos próximos quatro dias ou já podia começar a fazer as malas.
Mónica ficou atônita, não acreditava que Ignacio a mandaria para a rua. Talvez ela devesse encontrá-lo em um jantar para amolecê-lo, coisa que ela sempre rejeitou, pois o achava repulsivo. Ela pensou em seu filho mais velho, tão determinado, sempre preocupado com o bem-estar dos outros. Ela faria qualquer coisa por seus filhos, inclusive perder a dignidade, mas também estava preocupada com o que eles poderiam pensar dela. Talvez ela não tivesse sido um bom exemplo para Óscar, mas ela não queria repetir o mesmo erro com Samuel.
A campainha tocou novamente, e Mónica correu para a porta na esperança de que Ignacio tivesse se arrependido. Em vez disso, encontrou Rocío, exatamente o que ela precisava naquela hora.
– Oi, vizinha.
– Oi, Rocío.
– Vi Ignacio vir aqui. O que ele queria? Aconteceu alguma coisa?
Mónica pensou nos anos em que vinha sido paciente com os vizinhos, momentos em que gostaria de lhes dizer que se metessem nos assuntos deles. Em vez disso, suspirou profundamente e disse educadamente:
– Só queria saber se tenho o dinheiro do aluguel.
Rocío não parecia muito satisfeita.
– Você vai comemorar o aniversário de Óscar?
– Ele vai comemorar com os amigos à noite.
– E você não vai fazer uma festinha aqui?
– Acho que não.
– Que pena, uma festa seria bem-vinda. Você sabia que Maribel está procurando uma namorada para Ignacio? Você devia se apressar, ou então ele vai escapar de você.
–Não tô te entendendo – disse Mónica, confusa.
– Eu vi que ele te visitou várias vezes, e que tem uma paquera inocente entre vocês.
– Você é realmente sem igual – disse ela em voz alta, sem tentar disfarçar.
– Brigada, eu sei. Sou boa em observar os detalhes – disse ela, demonstrando todo o seu ego. – E então, você quer que eu diga alguma coisa pra ele?
Mónica fechou a porta sem responder. Talvez uma mudança de casa não fosse uma ideia tão ruim, afinal.
Depois de fechar a porta, o telefone, que estava no corredor, começou a tocar. Mónica pegou-o e apertou o botão verde.
– Bom dia, você é a senhora Ibáñez? Estou ligando da empresa de motoristas.
– Sim, sou eu – respondeu meio sem jeito, enquanto se dirigia ao sofá para se sentar.
– Veja, vimos o seu currículo, e você parece uma candidata muito interessante. Não é fácil encontrar pessoas tão jovens que sabem dirigir carros antigos. Claro, não dá pra dirigir os modernos. Poderia começar amanhã?
– Isso quer dizer que eu tô contratada? – Mónica perguntou com uma voz muito alta, enquanto sua pulsação aumentava.
– Claro que sim, por que você acha que eu liguei? – o homem do outro lado da linha riu. – Sei que o trabalho é de segunda a sexta-feira, mas meu cliente precisa ir ao escritório para uma reunião amanhã. Eu quero deixar as regras bem claras. Você não deve falar com ele a menos que ele fale com você. Se um dia você tiver que levar a esposa ou as filhas dele, vai ser igual. Precisa ser pontual no horário de chegada, meu cliente odeia atrasos. O trabalho começa às sete e meia da manhã, hora em que você tem que tá esperando na porta da casa do meu cliente. À uma da tarde, você deve buscar ele no escritório e levar pra onde ele quiser ir. Assim que ele sair do carro, seu expediente se encerra. Durante seu horário, vai ter que ficar perto do carro, caso meu cliente precise. Também é possível que seus serviços sejam necessários em outras datas, como é o caso de amanhã, mas não se preocupe, essas horas significam um acréscimo no seu salário. Pro trabalho de amanhã, você vai receber quinhentos e sessenta simeões. Você vai dirigir uma limusine de propriedade do meu cliente, que vamos levar pra sua casa hoje à tarde.
O simeão era a moeda universal. Trezentos anos antes, a queda no valor de várias moedas, incluindo o dólar, dos Estados Unidos e Austrália, o peso mexicano e o iene japonês, houve uma grave crise financeira nesses países, e decidiu-se que não havia sentido em ter moedas diferentes no mundo.
Uma situação semelhante ocorreu no caso dos idiomas, e o inglês e o russo foram propostos como língua universal, uma ideia que foi rejeitada quase imediatamente, pois considerou-se que seria uma perda de valor cultural parar de falar as outras línguas. Atualmente, havia centenas de aplicativos e objetos que serviam como tradutores instantâneos, sem a necessidade de conhecer o outro idioma.
Havia dois tipos de estradas: as antigas e as automáticas. As antigas eram estradas construídas muito anos antes, estavam desatualizadas, tinham sido pavimentadas há muito tempo e, em geral, recebiam pouca manutenção, devido ao tráfego reduzido. Por outro lado, havia as estradas automáticas, que recebiam manutenção constante. Enquanto nas estradas antigas os carros precisavam de um motorista que os dirigisse, nas estradas automáticas os carros não precisavam de motoristas, pois estavam conectados a um sistema eletromagnético central que levava o carro de um lugar para o outro sem necessidade de fazer nada, apenas indicar o local para o qual se quisesse ir. Além disso, elas funcionavam com energia solar e não poluíam.
Cada tipo de estrada tinha suas vantagens e desvantagens. Nas estradas automáticas, não havia risco de colisão; o sistema informatizado de vias ao qual os carros estavam conectados traçava a rota, colocava no mapa e configurava para que não houvesse nenhum risco. Desde a introdução das estradas automáticas, cem anos antes, não houve acidentes nesse tipo de via, e por esse motivo a maioria das pessoas usava essa modalidade de estrada.
Durante algum tempo, dirigir em estradas antigas tornou-se moda, especialmente para pessoas ricas que queriam evitar os engarrafamentos das estradas automáticas. Evidentemente, a maioria não sabia dirigir, e tinha que recorrer a um motorista, um trabalho que, graças a essa moda, tinha ressurgido.
Mónica não dirigia um carro velho há anos, então ela estava nervosa. Decidiu que passaria a tarde dirigindo o carro velho que tinha deixado no estacionamento subterrâneo, no qual não tocava desde que tinha se mudado. Se ela ainda o mantinha, era porque havia boatos de que uma taxa seria introduzida para poder circular em estradas automáticas, além do imposto pago anualmente.
Mónica dirigiu até um antigo parque industrial abandonado de sua cidade, Elche, onde seria instalado um novo laboratório de pesquisa de vírus, após sua demolição e reforma, previstas para o final do ano.
Até chegar ao complexo industrial, a vários quilômetros de sua casa, o motor do carro de Mónica morria toda vez que ela parava.
– Vai, Mónica, você consegue. – disse ela a si mesma. – Faça isso pelos seus filhos e tente não ser demitida no primeiro dia.
Mónica praticou a tarde toda, até que ela foi buscar Samuel na escola.
Eram doze e meia quando Óscar entrou em casa.
– Foi tudo bem? – disse Mónica do sofá.
– Oi, mãe, tudo bem.
– Chegou cedo.
– Depois de tantas horas com eles, eu já tava cansado – explicou um sorridente Óscar.
– Seu irmão sentiu sua falta hoje à tarde.
– Por que você nunca me fala sobre meu pai? – ele perguntou, mudando de assunto e se lembrando das cartas que sua mãe tinha escondido.
– Você