Quando Miki-Leya comeu a carne, a garota cobriu o cataplasma com uma folha grande e depois espalhou lama por cima. Durante todo o tempo ela falava com a gata:
– Você deve descansar em silêncio agora, sua cria está segura pelo fogo, alimentada e dormindo, não se preocupe.
A gata parecia não prestar atenção enquanto triturava o último dos ossos e lambia a medula.
Ravana manteve uma leve pressão no cataplasma enquanto falava e acariciava o pelo dela.
– Você deve descansar e juntar suas forças. – ela sussurrou – Tudo ficará bem em breve.
Miki-Leya lambeu os lábios, olhou uma vez para o som da voz da garota, depois deitou a cabeça fechando os olhos.
Ravana, em sua absorção pelos dois felinos, não pensara na aldeia ou na mãe por muitas horas. Agora ela se preocupava com a aflição da mãe por ela, mas não podia deixar os animais; os dois eram completamente dependentes dela.
O som de um papagaio verde tucumă, agitando sua companheira despertou Ravana e ela, imediatamente, percebeu a dor em seu braço. Levou um momento para entender onde estava e o que havia acontecido. O sol não havia ainda nascido, mas o amanhecer se arrastava pela floresta tropical. Ela levantou a cabeça do flanco da grande felina, onde havia adormecido. Quando virou a cabeça, encontrou o gato olhando para ela, aparentemente com pouca preocupação.
Ravana levantou a mão do emplastro e esfregou o braço, estava dolorido por permanecer na mesma posição durante toda a noite.
–Você deve estar com fome, grande amiga —disse ela enquanto esfregava a circulação de volta no braço – Se prometer não mexer nesse curativo em seu quadril, eu caçarei para você.
A gata não emitiu nenhum som, apenas bocejou e deitou a cabeça na grama.
A garota sorriu e ficou logo de pé.
–Voltarei em breve – disse ela ao deixar Miki-Leya e voltar à fogueira para pegar seu arco e flechas.
Cian tomou um gole de chá e me lançou um olhar sobre a borda de sua xícara.
– Bem, crianças – eu disse – acho que já tivemos história suficiente para esta noite, já é tarde e hora de dormir.
Magnalana olhou para mim com os olhos estreitos.
–Nós queremos…
O capitão Sinawey pigarreou, encerrando qualquer protesto dela ou das outras crianças.
A pequena Magnalana olhou para o capitão, depois voltou seu olhar para Cian.
–Obrigada, Cian, adoramos sua história. Quando podemos ouvir mais, por favor?
– Amanhã, minha querida – disse Cian – Depois de lavar as roupas e pendurá-las para secar, teremos mais histórias.
O pequeno Billy, não tão articulado quanto Magnalana, foi até Cian para um abraço.
Cian e eu caminhamos pelo convés em direção à proa do Borboleta. O céu noturno estava perfeitamente limpo e uma brisa suave passeava de leste a sudeste, atravessando o convés.
– Ainda hoje – eu disse – atravessaremos o equador para o hemisfério norte.
Gostaria de saber se ela entendeu quando olhou para mim, esperando por uma explicação. Cian era uma mulher excepcionalmente brilhante, mas ela não possuía todo o conhecimento para além de sua própria cultura, tanto quanto eu não compreendia sua sociedade e valores. Ela se adaptava rapidamente aos novos ambientes e ideias. Se eu tivesse sido empurrado repentinamente e sozinho em seu mundo, como ela foi atraída para o meu, não tinha certeza se teria me adaptado tão bem. Mas ela levara tudo tranquilamente, com seu típico bom humor e entusiasmada curiosidade.
Eu tentei explicar como a Terra era redonda, girando sobre o próprio eixo e voando pelo espaço, esperava que esse conceito fosse difícil de entender, especialmente para quem, por exemplo, não tinha palavras em sua língua para números além de dez, muito menos para descrever a imensidão do universo. Era complexo, mas ela esperou pacientemente por mais informações.
– O céu – expliquei – percebe como as estrelas de primeira magnitude brilham com mais brilho aqui, no cinturão da Terra, do que nas latitudes mais baixas?
– Ah, sim – disse Cian.
Ela compreendia as estrelas total e completamente, apontou várias constelações para mim, explicando seus nomes Yanomami e me mostrou como as posições delas no céu noturno haviam mudado à medida que avançávamos a norte e a leste. Ela conhecia as estrelas e seus padrões de migração anual através dos céus, assim como qualquer navegador poderia conhecer. Eu me perdi rapidamente no seu vasto fluxo de conhecimento das estrelas e até dos planetas visíveis, e pude ver que isso lhe dava algum prazer. Tentei fazer perguntas inteligentes, como ela sempre fazia quando lhe explicava algo, mas fiquei realmente perdido e completamente desarmado, além de profundamente impressionado. Eu me perguntava em que outros assuntos ela se mostraria especialista, que, se eu tivesse as habilidades para perguntar, poderia aprender com ela.
Ela parou depois de um tempo e ficou sorrindo para mim. Me contou como ela e seu povo antes dela usaram o conhecimento das estrelas para encontrar o caminho pela selva e para prever a chegada das estações secas anuais, quando sua partida pode ser percebida à medida que as estações mudam e os animais migram de uma área para outra para encontrar comida.
– Você percebe – perguntei a ela – que existem estrelas abaixo de nossos pés e acima de nossas cabeças?
Ela olhou para o convés e longamente para o mar.
–Como pode ser?
Fechei minha mão em punho.
– Esta – eu disse – é a terra. Redonda como a bola de Billy. É onde estamos – Toquei o topo do meu punho —Aqui estão as estrelas. – Revirei a mão aberta sobre o punho apontando para o céu.
Ela olhou para a minha mão e seu olhar caminhou ao céu assentindo.
–Se pudesse olhar diretamente através do mar e da terra para o outro lado, também veria uma cúpula de estrelas.
Revirei minha mão aberta em torno e abaixo do meu punho. Ela pareceu confusa por um momento, depois girou as mãos lentamente em volta do meu punho e seu rosto se iluminou.
– Isso explica aquilo – disse ela, apontando para o horizonte norte.
Lá, ela me mostrou várias constelações que nunca tinha percebido antes. Ela estava tentando descobrir o sentido para noite após noite, essas novas constelações subirem cada vez mais alto no céu, enquanto aquelas familiares a ela afundavam atrás de nós.
– Sim, sim – ela exclamou – a Terra é redonda, estamos aqui, e as estrelas estão por toda parte – disse tocando meu punho cerrado.
Ela suspirou, pegou minhas mãos entre as dela enquanto se recostava no parapeito e observando o céu enquanto se aproximava de mim.
–Como isso tudo é maravilhoso – ela sussurrou – assim como viajar entre as estrelas completamente despidos e indefesos exceto pelos nossos pensamentos.
Sorri também, ao perceber que a mulher que amava estava muito além de uma equidade intelectual para comigo. Imaginei se ela teria chegado à mesma conclusão.
De volta ao presente, ela deslisou seus olhos para mim e me fitou por um momento.
–Agora me diga, Sr. Saxon, se há estrelas abaixo de meus pés, estrelas acima da minha cabeça e estrelas ao redor de toda a bola de Billy, onde está nosso amigo Deus agora?
Eu tinha certeza que ela já sabia a resposta antes de fazer a pergunta.
Capítulo