– Bem – disse Cian – aqui está o que devemos fazer. Depois do jantar, se todos vocês comerem toda a sua comida, e ajudarmos a senhorita Kaitlin e a senhorita Cleópatra com a limpeza da cozinha, sentaremos à mesa da cabine, tomaremos um chá e voltarei a falar sobre Tribi-Leya e… – ela fez uma pausa, franzindo a testa.
– Ravana – eu a lembrei.
– Sim – disse ela – e Ravana.
– Oba! – as crianças gritaram e saíram correndo para esperar junto à porta da cabine.
Capítulo Onze
Depois que os pratos foram lavados, a comida foi guardada nas dispensas e o fogo da cozinha apagado, alguns dos adultos conversaram sob café e xícaras de chá fumegantes. A maioria dos outros, depois de elogiar Kaitlin e Cleópatra por uma das melhores refeições que já haviam feito no mar, se retirou para suas cabines ou saiu para o convés desfrutando de um último passeio na brisa suave de verão.
As crianças se organizaram em torno de Cian, enquanto o capitão, dona Lilian, Cleópatra, Dortworthy, Kaitlin e eu nos sentávamos à mesa e conversávamos sobre o mar, o Borboleta e o quão agradável a viagem havia sido até agora. Enquanto ouvia os outros, fiquei maravilhado com o quão próximos nos tornamos, pelo menos a maioria de nós, em apenas quinze dias. Éramos muito parecidos com uma família numerosa, conversando sobre os outros e sobre nós mesmos, como se pode discutir sobre irmãos, irmãs e primos. Tudo era muito agradável e confortável até que de repente fomos silenciados por Magnalana, seu dedo repousava sobre os lábios quando ela chamou nossa atenção para Cian.
– Bem – disse Cian, percebendo que todo mundo estava olhando para ela – onde foi mesmo que eu parei?
– Ravana tinha Tribi-Leya nos braços e Miki-Leya queria matá-la… – Rachel disse.
– Então Miki-Leya caiu na grama porque sua perna doía muito. – Magnalana fez um beicinho com seu lábio inferior e entristeceu os olhos.
Billy concordou com a cabeça.
– Ah sim – disse Cian.
Ela não se incomodou com a presença de vários adultos querendo ouvir sua história, eles pareciam ansiosos para saber o que ela tinha a dizer. Ou eles ouviram falar de suas habilidades para histórias ou as crianças lhes contaram sobre a primeira parte, de qualquer maneira, um bom entretenimento é raro no mar. O capitão me passou sua bolsa de tabaco quando Cian começou.
– Como vocês se lembram, a mãe de Ravana era curandeira da vila e Ravana fora sua assistente por quase duas temporadas e reconheceu imediatamente que o quadril de Miki-Leya estava infecionando pela ferida de flecha. De fato, a ponta da flecha ainda estava no quadril, com o eixo quebrado visível logo acima da ferida. O veneno havia se espalhado e a garota ficou surpresa que o grande gato ainda estivesse vivo. Ela viu homens morrerem por muito menos. Ela também se viu involuntariamente pegando sua bolsa de remédios.
Como antes, Rachel e eu traduzimos para os outros, então Cian teve permissão para falar em seu próprio idioma. Ainda não reconhecíamos muitas palavras, e Cian nunca se cansava de explicar para nós dois, em termos mais simples, o que estava acontecendo. Nós, bem, Rachel, muito mais do que eu por causa de sua mente jovem e ágil, transmitimos o sentido aos outros ouvintes. Então, evidentemente, alguém perguntaria em português ou espanhol o que uma palavra francesa em particular significava. Ah, quanto burburinho e mistura de línguas havia, até que, finalmente frustrada, a pequena Magnalana ruiva batia na mesa e dizia
–Tá bom, nós entendemos, e depois, o que aconteceu?
Nessa explosão, Cian deu a Magnalana um olhar vesgo de macaco, o que lhe rendeu uma língua esticada da garota em troca, seguida por um riso e um sorriso extremamente fofo de ambas antes que Cian continuasse a história.
–Ravana sabia que poderia fazer um emplastro para tirar o veneno da ferida, mas seria tarde demais? E Miki-Leya permitiria que ela se aproximasse o suficiente para limpar e inspecionar a ferida?
O grande felino estava deitado ao seu lado, ofegante com tamanho esforço. A garota, depois de puxar a bolsa de remédios, também ficou imóvel e com medo enquanto seu coração continuava batendo forte com o a ameaça de ataque. O gatinho era o único que não era movido por suas emoções, parecia ter apenas fome. Ele se aconchegou no pescoço de Ravana, instintivamente buscando por alimento com sua pequena língua.
Ravana acariciou o gatinho e se entregou ao seu miado suave, tentando confortá-lo. A Amazônia estava escura agora, mas ela sabia que a lua cheia logo iluminaria o dossel da floresta tropical para banhar as margens do rio com sua luz pálida. Ela deveria esperar.
Cian parou para tomar um gole de chá.
–E a mãe de Ravana? – perguntou Rachel – Ela vai ficar preocupada.
– Sim – disse Cian, largando a xícara – mas sua mãe ainda não havia voltado para a vila e os demais habitantes pensavam que Ravana a acompanhara. Então os homens foram em direção às colinas de Calva, procurando por elas.
– Oh não – disse Magnalana.
– Ravana estava muito sozinha nesta noite, agora que a lua espiara por cima das copas das árvores, ela decidiu o que devia fazer. Para preparar o cataplasma, ela precisaria de fogo, e sabendo que uma fogueira poderia assustar o grande felino, ela se afastou silenciosamente, mantendo o gatinho nos braços enquanto puxava a bolsa de remédios.
Não estando muito distante, ela se levantou e correu de volta onde havia acendido fogo para secar as folhas. Ela reacendeu o fogo, depois foi ao riacho para encher duas tigelas de couro com água, deixando o filhote perto do fogo em um ninho que tinha feito de grama seca.
Ela então colocou as duas tigelas de couro nas pedras planas para aquecer a água. Enquanto a água aquecia, ela foi adicionando pedaços de folhas e raízes saídos de sua sacola, misturando nada mais que o suficiente de cada uma, em quantidades exatas. Na segunda tigela, ela colocou as pequenas tiras de carne da anta que havia caçado mais cedo.
Em alguns minutos, o doce aroma do caldo lembrou Ravana de que não comia desde o meio dia, mas ela esperaria até cuidar dos outros dois antes de atender às suas próprias necessidades.
Depois que o caldo esfriou um pouco, ela pegou o gatinho nos braços, mergulhou o dedo no líquido espesso e pressionou sobre os lábios do gatinho.
Tribi-Leya cheirou o caldo quente e depois lambeu o dedo da garota miando por mais. Ela lambuzou-se de mais caldo para ele. Desta vez, ele tossiu um pouco, mas, ainda assim, lambeu tudo e queria mais.
Ravana sorriu. Não era o leite da mãe, mas era a coisa mais próxima que ela tinha, e talvez ele pudesse se nutrir um pouco com isso.
Quando a barriga dele estava cheia, ela o deitou em seu ninho, onde ele se aconchegou e foi dormir.
Agora a parte difícil, pensou Ravana, acrescentando alguns pedaços de carne ao restante do caldo quente, depois o levou, junto com a outra tigela, em direção à margem do rio.
Ela colocou as duas tigelas e uma folha de bananeira grande que cortara ao longo do caminho ao lado do grande felino. Então, foi até a margem do rio pegar um punhado de lama.
Ajoelhando-se ao lado do gato, ela pegou as raízes e as folhas cozidas da tigela, bateu a mistura como uma panqueca e inspirou profundamente antes de prosseguir.
Colocando cuidadosamente o cataplasma quente no quadril do gato, ela o espalhou suavemente ao redor da flecha para cobrir a ferida purulenta.
No começo, a onça apenas suspirou, se contraindo um pouco, mas em seguida seus olhos se abriram e ela viu a garota tocando-a.
Miki-Leya rosnou e levantou a cabeça, mas Ravana estava pronta para ela, enquanto segurava o cataplasma no lugar