Caso esse primeiro dever não seja observado, haverá a sucumbência do agente prestador do serviço público, frustrando-se as finalidades da atividade. Isso, pois ou a concorrência tornará inviável o cumprimento de obrigações muitas vezes pouco rentáveis inerentes ao serviço público, ou a concorrência inviabilizará a amortização de investimentos, permitindo-se que competidores que não realizaram esses investimentos possam se beneficiar do sacrifício do prestador do serviço.
Em segundo lugar, é fundamental que haja um contrabalanceamento entre os encargos inerentes à prestação de uma atividade em regime de serviço público e os direitos assegurados ao prestador vis-à-vis os direitos e obrigações dos agentes atuantes fora do regime de serviço público.
Como é notório, a concessão de serviço público impõe uma série de obrigações a seu agente. Contudo, há alguns benefícios também assegurados, como algumas salvaguardas atinentes ao regime remuneratório, a garantia de indenização por investimentos não amortizados e a garantia de preservação do equilíbrio econômico-financeiro. Assim, a concessão de serviço público deve contemplar um equilíbrio entre os direitos e os deveres do concessionário.
Em sentido contrário, os concorrentes do concessionário que se encontram fora do regime de serviço público não dispõem dos mesmos direitos inerentes à concessão de serviço público. Com isso, se, por um lado, estão isentos do cumprimento das obrigações de serviço público, por outro estão desprotegidos quanto aos mecanismos inerentes à relação jurídica da concessão. E essa assimetria deve trazer equilíbrio à relação, eis que o concessionário é mais onerado ao mesmo tempo em que é mais protegido; enquanto seus competidores são menos onerados, mas são mais expostos aos riscos da atividade.
Portanto, a estruturação de um mercado de serviço público com assimetria regulatória deverá ser calibrada para assegurar que: (i) o concessionário disporá de meios de competição, como a liberdade tarifária13; (ii) as obrigações inerentes à prestação do serviço público sejam compatíveis com um ambiente de competição; e (iii) haja direitos assegurados ao concessionário que lhe confiram garantias contrabalanceadas à liberdade de ação dos agentes competidores (i.e., novamente: se, por um lado, há o ônus de certas obrigações não extensível aos competidores, há garantias igualmente não extensíveis que tornam o sistema global de alocação de riscos compatível com a isonomia dos agentes).
Em terceiro e último lugar, é fundamental que a concorrência com assimetria de regimes seja uma condição ab initio de mercado, seja prevista ab initio, ou seja inserida em momento de saturação e maturidade do mercado monopólico. É dizer, a concorrência com assimetria de regimes não pode ser um elemento novo que rompa com uma estrutura de mercado existente quando da outorga de uma concessão de serviço público. O imperativo da concorrência, como princípio que é, deve ser sempre sopesado a outros, como a segurança jurídica e a proteção da confiança legítima.
Por conseguinte, ou a regulação setorial nasce prevendo que há concorrência com assimetrias de regime (como no caso do setor de telecomunicações no Brasil), ou nasce prevendo que a concorrência será instaurada após certo período e depois de alcançados certos parâmetros de amortização de investimentos (como no caso do setor da distribuição de gás natural canalizado no Estado de São Paulo), ou, então e de forma muito claramente justificada, determina a implantação a posteriori da concorrência, em função da saturação e do completo amadurecimento do mercado monopólico (i.e., saturação das infraestruturas).
Nos quadrantes acima dissertados, em que a concorrência é a regra na prestação dos serviços públicos, tem-se que os mercados desses serviços apresentam uma interessante combinação de iniciativa pública com livre iniciativa privada, ainda que esta última possa ser sujeita a temperamentos determinados pela regra de proporcionalidade.
Como já tive a oportunidade de defender, a permanência dos serviços públicos no Estado contemporâneo se deve, principalmente, à necessidade de criação de mecanismos de realização de determinados direitos fundamentais, que não sejam plenamente concretizados pela simples lógica de mercado. Nessa perspectiva, o serviço público deixa de ser uma atividade privativa a exclusiva do Estado, demarcando sua existência e seu campo de atividade, e passa a ser uma obrigação jurídica imposta ao Estado, para que sejam cumpridos direitos fundamentais dos cidadãos14.
Nesse trilhar, o quanto poderá ser restrito da livre iniciativa privada – e, pois, da livre concorrência – no campo da prestação dos serviços públicos depende de um teste de proporcionalidade à luz das necessidades efetivamente verificadas para garantir as finalidades do serviço público. Isto é, somente se pode restringir a livre iniciativa privada na exata medida do proporcional para se garantir a efetiva prestação de um serviço público.
Destarte, nos campos econômicos em que o Direito houver determinado a existência de um serviço público, haverá, com maior ou menor intensidade, uma combinação entre uma iniciativa pública obrigatória e uma livre iniciativa privada.
A iniciativa pública é essencial porque, nos estritos limites do artigo 175 da Constituição Federal, o serviço público é uma obrigação estatal. Portanto, havendo a determinação de uma determinada atividade é de incumbência do Poder Público, deverá o Estado nela atuar, diretamente ou por meio de permissão ou concessão. A iniciativa pública é obrigatória e deve existir na exata medida do necessário e do suficiente para dar cumprimento ao direito fundamental subjacente.
Ao mesmo tempo, poderá haver a atuação de agentes privados, até o limite que não prejudique a realização das finalidades do serviço público. Via de consequência, remanesce a livre iniciativa privada para atuar em concorrência com o Estado (ou seu delegatário) nos campos de oferta de serviços públicos.
E essa livre iniciativa poderá ser plena, isto é, não condicionada a qualquer título habilitante conferido pelo Estado, ou poderá ser condicionada, nos casos em que um título habilitante é necessário para permitir o ingresso de agentes privados. A existência ou não da necessidade de um título habilitante dependerá da conformação de cada mercado, a possibilidade ou não de livre acesso a certos bens e instalações, a intensidade da necessidade de um controle público etc.
Ao lume do quanto exposto neste tópico, fica evidente que os serviços públicos não são, nem de longe, monopólios per se. A regra desses serviços é a prestação concorrencial, como expressamente se depreende dos artigos 170, 173 e 177 da Constituição Federal. Em determinados casos, essa concorrência se dá dentro de uma unicidade de regimes jurídicos, ao passo que, em outros casos, a concorrência dá-se com dualidade de regime, em sistema de assimetria regulatória. Em qualquer caso, o certo é que poderá haver, simultaneamente, um agente estatal na prestação de um serviço público e agentes privados atuantes no mesmo mercado, na exploração de atividades materialmente concorrentes ao serviço público.
II. A AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Dentre os institutos do Direito Administrativo, poucos sofreram tão profundas alterações como a autorização administrativa. Trata-se de um dos mais antigos e clássicos atos administrativos, prestando-se, desde há muito, para assegurar a particulares o exercício de um direito que, sem a devida autorização, não seria licitamente passível de ser exercido. É atuação administrativa localizada no campo do poder de polícia ou da polícia administrativa.
Classicamente, as autorizações encontram-se em certo debate entre a doutrina alemã