Rea convocou todas as sua últimas forças, forças que nem ela sabia que lhe ainda lhe restavam e, agitando-se, conseguiu, de alguma forma, levantar-se do chão. A gemer e a gritar, ela caiu de joelhos, cambaleando. Agarrou-se a uma estaca de madeira na parede e, com toda a sua força, com um grande grito, levantou-se.
Ela não conseguia dizer se lhe doía mais estar deitada ou em pé. Mas ela não tinha tempo para refletir sobre isso. O barulho da multidão estava cada vez mais alto, mais perto. Ela sabia que eles iriam chegar em breve. A sua morte não iria incomodá-la. Mas a morte do seu bebé – isto era outra questão. Ela tinha que colocar aquela criança em segurança, custasse o que custasse. Era a coisa mais estranha, mas ela sentia-se mais ligada à vida do bebé do que à sua própria vida.
Rea conseguiu cambalear até a porta e chocou contra ela, usando a maçaneta para se conseguir erguer. Ela ficou ali, a respirar com dificuldade por alguns segundos, descansando na maçaneta, preparando-se. Finalmente, ela virou-a. Agarrou a forquilha que estava encostada à parede e, apoiando-se nela, abriu a porta.
Rea foi recebida por uma tempestade repentina de vento e neve, suficiente fria para lhe tirar o fôlego. Ela ouvia os gritos mais altos com o vento, ficando apavorada ao ver ao longe as tochas, serpenteando o seu caminho na sua direção como pirilampos enfurecidos na noite. Olhou para o céu e entre as nuvens vislumbrou uma enorme lua vermelho-sangue, enchendo o céu. Engasgou-se. Não era possível. Ela nunca tinha visto a lua a brilhar assim e nunca a tinha visto numa tempestade. Ela sentiu um pontapé certeiro na sua barriga e, de repente, ela percebeu, sem sombra de dúvidas, que a lua era um sinal. Era um sinal do nascimento do seu filho.
Quem é ele? ela questionava-se.
Rea segurava a barriga com as duas mãos enquanto outra pessoa se contorcia dentro dela. Ela conseguia sentir o seu poder, com dores para romper em sofrimento e sair, como se ele estivesse ansioso para lutar, ele mesmo, contra aquela multidão.
Então eles chegaram. As tochas de fogo iluminaram a noite e a multidão apareceu diante dela, saindo dos becos, dirigindo-se a si. Se ela estivesse no seu estado normal, forte, capaz, ela teria marcado uma posição. Mas ela mal conseguia andar – mal se aguentava em pé – e não os conseguia enfrentar naquele momento. Não com o seu filho prestes a nascer.
Mesmo assim, Rea sentia uma fúria primitiva a percorrê-la, juntamente com uma força primitiva que ela sabia vir do seu bebé. Ela teve, também, uma descarga de adrenalina e as suas dores de parto momentaneamente diminuíram. Por um breve instante, sentiu-se de volta a si mesma.
O primeiro dos aldeões chegou, um homem baixo, gordo, que corria para ela, segurando uma foice. Ao aproximar-se, Rea deu um passo atrás, agarrou a forquilha com ambas as mãos, deu um passo para o lado e lançou um grito primitivo, enquanto a direcionava diretamente para a sua barriga.
O homem parou em choque e, em seguida, sucumbiu aos seus pés. A multidão parou também, a olhar para ela em choque, não estando claramente à espera daquilo.
Rea não esperou. Ela sacou da forquilha num movimento rápido, girou-a por cima da sua cabeça e golpeou o aldeão que se seguiu nas maças do rosto no momento em que ele se lançou para ela com o seu taco. Ele caiu, também, na neve a seus pés.
Rea sentiu uma dor terrível de lado quando um outro homem correu e a atacou, atirando-a para o chão. Eles deslizaram pela neve. Rea gemeu de dor ao sentir o bebé a dar pontapés dentro dela. Ela lutou com o homem da neve, lutando pela sua vida e, quando ele momentaneamente aligeirou a sua força, Rea, desesperada, enfiou-lhe os dentes no seu rosto. Ele gritava enquanto ela mordia com força, tirando-lhe sangue, provando-o, não estando disposta a parar, pensando no seu bebé.
Por fim, ele saiu de cima dela, agarrando o seu rosto e Rea viu ali a sua oportunidade. Escorregando na neve, ela conseguiu pôr-se de pé, pronta a correr. Ela estava quase a conseguir quando, de repente, sentiu uma mão agarrar o seu cabelo por trás. Aquele homem quase que lhe arrancou os cabelos da cabeça ao puxá-la para o chão, arrastando-a. Ela olhou e viu Severn a olhar para ela com má cara.
"Deverias ter ouvido quanto tiveste oportunidade", ele fervia. "Agora vais ser morta, juntamente com o teu bebé."
Rea ouviu a multidão a aclamar e ela sabia que tinha chegado o seu fim. Fechou os olhos e rezou. Ela nunca tinha sido uma pessoa religiosa, mas, naquele momento, tinha encontrado Deus.
Eu rezo, com cada pedaço de quem sou, para que esta criança seja salva. Podes deixar-me morrer. Mas salva a criança.
Como se as suas orações fossem atendidas, ela, de repente, sentiu que o seu cabelo se tinha soltado, enquanto, ao mesmo tempo, ouviu um baque. Ela olhou para cima, assustada, questionando-se sobre o que poderia ter acontecido.
Ao ver quem tinha vindo para salvá-la, ficou atordoada. Era um rapaz – Nick – vários anos mais novo do que ela. O filho de um camponês pobre, como ela, que nunca tinha sido feliz, sempre atormentado pelos outros. No entanto, ela tinha sempre sido gentil com ele. Talvez ele se lembrasse.
Ela viu Nick a levantar um taco e a esmagar Severn na cabeça, de lado, fazendo com que ele a largasse.
Então, Nick enfrentou a multidão, estendendo o seu taco e bloqueando-a dos outros.
"Vai depressa!", ele gritou-lhe. "Antes que te matem!"
Rea olhou para ele com gratidão e choque. Aquela multidão iria certamente esmurrá-lo.
Ela pôs-se de pé e correu, escorregando, determinada a chegar tão longe quanto possível enquanto ainda tinha tempo. Ela escondeu-se em becos e antes de desaparecer, olhou para trás e viu Nick a fintar selvaticamente os aldeões, batendo em vários com o taco. Vários homens, porém, atacaram-no e atiraram-no ao chão. Com ele fora do caminho, eles correram atrás dela.
Rea corria. Ofegante, ela fugia pelos becos, à procura de abrigo. Levantando-se em esforço, com dores horríveis, ela não sabia quanto mais longe conseguiria ir.
Finalmente conseguiu sair para a aldeia propriamente dita, com as suas elegantes casas de pedra. Olhou para trás, aterrorizada ao ver que eles estavam a aproximar-se, quase a vinte pés de distância. Ela arfava, mais a tropeçar do que a correr. Ela sabia que o seu fim estava a chegar. Outra dor de parto.
De repente, ouviu um rangido aguçado. Rea olhou para cima e viu uma antiga porta de carvalho diante de si a abrir-se. Ela ficou surpreendida ao ver Fioth, o antigo boticário, a espreitar para fora do seu pequeno forte de pedra, de olhos arregalados, chamando-a para entrar rapidamente. Fioth estendeu a mão e puxou-a com uma força surpreendente para a sua idade avançada. Rea tropeçou pela porta da luxuosa torre de menagem.
Ele bateu com a porta e aferrolhou-a assim que ela entrou.
Um momento depois ouviram bater. As mãos e as foices de dezenas de aldeões irados tentavam derrubar a porta. No entanto, a porta aguentava-se, para grande alívio de Rea. Tinha um pé de espessura e era séculos mais velho do que ela. Os pesados ferrolhos de ferro nem sequer dobravam.
Rea respirou fundo. O seu bebé estava em segurança.
Fioth inclinou-se e examinou-a em compaixão. Ver o seu olhar gentil ajudou-a mais do que qualquer outra coisa. Naquela aldeia, ninguém olhava para ela com bondade há meses.
Ele retirou-lhe as peles e ela arfou com outra dor do parto. Era um local tranquilo, a tempestade de neve que passava pelo telhado estava sem som, e muito quente.
Fioth levou-a para ao pé da fogueira e deitou-a sobre um monte de peles. Foi então que tudo se abateu sobre ela: a fuga, a luta, a dor. Ela desfaleceu. Mesmo que estivessem mil homens a tentar derrubar a porta, ela sabia que não se podia mexer outra vez.
Ela gritou quando uma dor de parto aguda a percorreu.
"Eu não consigo correr", Rea arfava, começando a chorar. "Eu já não consigo correr."
Ele colocou-lhe um pano frio e húmido na testa.
"Não precisas de correr mais", disse ele, com a sua voz antiga, tranquilizando-a, como se já tivesse visto aquilo antes. "Agora, eu estou aqui."
Ela gritou e gemeu quando