O comboio dirigiu-se celeremente até o porto de Haeju, no sul, e parou num cais onde uma banheira enferrujada havia atracado. Marinheiros do contingente local ajudaram a passar as armas nucleares do caminhão para a embarcação. Assim que o barco ficou pronto para partir, o coronel deu a ordem para seus soldados executarem os marinheiros.
A embarcação partiu imediatamente com rumo oeste, sem ser importunada pelas autoridades portuárias. Elas também haviam sido dizimadas.
O pequeno e velho navio fora registrado em Serra Leoa, usando o que é conhecido como bandeira de conveniência, uma tática comum usada por empresas marÃtimas para se esquivarem de regulamentos ou taxas. Neste caso, o objetivo era encobrir o fato de que aquele barco enferrujado efetivamente partira da Coreia do Norte.
O navio seguiu rumo ao seu destino no Oriente Médio. Foi contornando a costa da China, virando para o sul nas ilhas Paracel, seguindo a costa do Vietnã, atravessando a Malásia, passando pela Ãndia, cruzando o estreito de Ormuz, e chegando a uma praia deserta perto de Basra, no sul do Iraque, onde desembarcou sua carga oficial de diversas mercadorias. Pouco depois, transladaram furtivamente as armas até a costa, onde as trocaram com membros do grupo terrorista chamado Estado Islâmico por uma mala repleta de dólares americanos. Os norte-coreanos deixaram lá dois técnicos com a missão de ensinar aos terroristas como usar essas bombas. O restante da tripulação partiu de regresso para o seu paÃs, para entregar a mala de dinheiro ao governo de Kim. Embora tivessem ganas de desertar, precisavam voltar à Coreia do Norte, pois suas famÃlias estavam sendo mantidas em cativeiro até que eles retornassem depois de uma missão bem sucedida.
Tão logo entregaram o dinheiro, as autoridades os elogiaram pelo seu patriotismo, e os executaram a tiros. Suas famÃlias inteiras já haviam sido assassinadas, antes mesmo de eles porem os pés em terra firme.
Alguns dias depois, o nome daquele barco apareceu numa lista do Conselho de Segurança da ONU impondo sanções a 31 embarcações norte-coreanas. Infelizmente, já era tarde demais. A carga mortal havia sido entregue.
Enquanto isso, um alerta norte-coreano revelou que as armas nucleares haviam sido roubadas por extremistas islâmicos que, ao fazê-lo, mataram todos os soldados coreanos que defendiam o local onde estavam guardadas. O comunicado ficou restrito à s poucas agências governamentais que era preciso informar, e não foi ostensivamente revelado a embaixadas estrangeiras, com a explicação de permitir que o governo da Coreia do Norte pudesse conduzir suas investigações. A notÃcia vazou deliberadamente um pouco depois, lançando uma série de alertas a todos os paÃses potencialmente ameaçados pelo ocorrido. Até então, tudo ocorrera conforme planejado. O governo da Coreia do Norte era visto como vÃtima de um ato odioso, o roubo de armas nucleares cometido por terroristas. Não é possÃvel dizer se alguém no Ocidente acreditou nessa história quando ela finalmente foi publicada.
7. UM RIO DE IMIGRANTES
D
epois do projeto na Nigéria, Tess não havia desistido de sua ideia de ajudar a resolver a crise dos refugiados na Europa. Jake continuava se negando a considerar a possibilidade de envolvimento numa empreitada dessas, porém Tess acabou por convencê-lo a, pelo menos, passar pela Alemanha para ver a situação em primeira mão. Foram até algumas cidades menores onde havia muita atividade de imigrantes. Chegaram à catedral de Colônia bem na hora de ver imigrantes muçulmanos fazendo tumulto durante as comemorações de Ano Novo. Muitas mulheres alemãs haviam sido assediadas, intimidadas e até estupradas. Tiveram as mesmas ocorrências em Hamburgo. A polÃcia local não estava equipada para lidar com um evento inédito como esse, e Colônia logo se tornou o sÃmbolo dos problemas que uma imigração maciça de homens muçulmanos causaria à segurança das mulheres alemãs.
Depois de Munique, Tess e Jake passaram alguns dias em Erfurt, na Alemanha. Deixada praticamente incólume pela II Guerra Mundial, a pequena cidade parecia um vilarejo de conto de fadas congelado no tempo, com ruas de pedra no centro, casas antigas pintadas em tons pastel, e igrejas com algumas das torres mais bem conservadas na Alemanha.
Depois de terem se hospedado num pequeno hotel, Tess e Jake percorreram as ruas daquela cidade aprazÃvel, e perceberam uma multidão se formando no ginásio da escola. De curiosidade, resolveram entrar. A prefeitura havia comunicado que, na noite anterior, um grupo de imigrantes sÃrios havia sido abrigado na vizinhança. Os moradores não pareciam nada contentes. Na verdade, parecia que o povo estava ficando revoltado.
Uma senhora idosa ergueu a mão:
- O que vamos fazer com toda essa gente? Precisamos construir uma mesquita? Eles vão nos acordar com suas orações toda manhã?
Outra mulher perguntou:
- O que será das nossas crianças? Como vamos protegê-las?
Um homem jovem gritou:
- à preciso acabar já com isso! â e recebeu uma calorosa salva de palmas.
Outro homem se ergueu, visivelmente irritado.
- Os muçulmanos não comem carne de porco, certo?
Era uma pergunta válida, considerando-se que as salsichas e linguiças de porco eram uma especialidade local. Ironicamente, eles teriam de lidar com quatro mil imigrantes, a maioria deles vinda de paÃses muçulmanos, que o governo federal pedira à cidade para abrigar e cuidar.
A SRD, a empresa de Jake e Tess, ainda era credenciada pela ONU, em função do seu trabalho anterior envolvendo o tráfico de pessoas. Essas credenciais serviam para lhes abrir portas e ter acesso a autoridades no mundo inteiro, então foram conversar com o prefeito local.
Ele parecia cansado e estressado.
- Erfurt está mudando, â disse ele. - Acabamos de inaugurar um lar para imigrantes ao lado da minha casa. Minha filha caçula tem uma colega afegã na classe dela. A menina anda numa cadeira de rodas, porque foi atingida por estilhaços de granada na terra dela.
Jake ficou perplexo.
- Como o governo federal conseguiu persuadi-lo a acolher tantos imigrantes na sua cidade?
O prefeito lhe passou uma folha de papel com timbres oficiais.
- O governo não nos deu outra opção. Simplesmente nos impôs uma quota de gente que terÃamos de acolher. A Alemanha já recebeu mais de um milhão de pessoas buscando asilo, muitas delas com ideias bem diferentes sobre como a sociedade deveria funcionar. Não sei como podemos absorver tantos muçulmanos que nem mesmo falam alemão, quase não têm recursos, e não sabem fazer nada de útil.
O prefeito parecia ter estado à espera de ouvidos compassivos, porque continuava a descrever suas apreensões.
- Para acomodar os refugiados, não só saÃmos correndo atrás de alojamentos para eles, mas também intérpretes, professores, assistentes sociais, policiais, salas de aula, e isso sem falar em empregos e dinheiro. Muitos dos cidadãos generosamente acolheram os primeiros imigrantes, mas outros estão preocupados, ainda não estão convencidos de que os benefÃcios dessa imigração valem o custo, o transtorno, e a transformação da nossa identidade alemã.
Tess quis saber mais.
- Parece que o seu povo está se esforçando muito para isso dar certo.
- Por enquanto, esta cidade está se adaptando. â disse o prefeito. - Avisados com meio dia de antecedência, conseguimos transformar o que era um centro de convenções num abrigo temporário