Em Deus, e Deus bem sabe se era amor;
Se d’outra flôr o calix mais libei
Por esses quantos valles divaguei;
Se um nome em igneo traço li no céo,
Nas ondas e no espaço, mais que o seu…
Deus sabe se eu dos montes vi tambem
Nos vastos horisontes mais alguem;
Nos tristes e risonhos dias meus,
Se alguem vi mais em sonhos, que ella e Deus.
Porém quem é que apanha o aereo véo
Da nuvem da montanha, se é do céo?
Se á terra a nuvem desce, quando vai
Tocar-se-lhe, desfez-se como um ai.
Coimbra.
* * *
Luz d’intima influencia,
Oh fugitiva luz!
Luz cuja eterna ausencia
É minha eterna cruz.
Podessem-te, ainda antes
Do meu extremo adeus,
Meus olhos fluctuantes
Vêr lampejar nos céos.
Se ainda n’esse espaço,
Tão longe onde tu vás,
Visse um reflexo baço
Da pura luz que dás;
Tornaram-se-me estrellas
As lagrimas de dôr;
E lagrimas são ellas…
Sim, lagrimas d’amor!
Vê n’esse espaço immenso
Os astros como estão
Bem como eu estou, suspenso
Por intima attracção.
Porque ha quem os attráia;
É essa eterna paz
Que a mim de praia em praia
A suspirar me traz.
Converte-me este inferno
Em azulado céo,
Ou quebra o laço eterno
Que a tua luz me deu;
Ou antes muda em espuma
De nunca estavel mar
Esta alma que alma alguma
Póde exceder em amar.
Em cinza, em terra, em nada,
Meu sêr converte, ó luz,
Mas sempre, sempre amada,
Deliciosa cruz!
Portimão.
RESPOSTA
Em fumo se vai tudo, amigo! Olhando
Para as nuvens do céo, nuvens d’aquellas,
E parece-me ainda que mais bellas,
Anda a gente fazendo e desmanchando.
Dá-me uma saudade em me lembrando
O bello tempo que passei com ellas,
Por essa immensa abobada de estrellas,
Por esse mar de fogo viajando…
Andasse ainda eu lá, que não me havia
De vêr por estes charcos atolado,
Onde nem sol nem lua me alumia.
Andasse ainda eu lá, desenganado
Mesmo já como estou de achar um dia
A patria d’aonde ando desterrado.
* * *
Pois se o homem, se anjo e nume,
Planta e flôr,
Dá seu canto, luz, perfume,
Crença e amor;
Pois se tudo sobre a terra
Que ame alguem,
Rosa ou espinho, quanto encerra
Dá, se o tem;
Se os carvalhos, nus, medonhos,
Veste abril;
Se inda a noite presta aos sonhos
Graças mil;
Se onde ha ramo, voz uma ave
Desprendeu;
Se onde ha folha, gotta suave
Cahe do céo;
Se na praia, quando a onda
Vem de lá,
Beijos, antes que se esconda,
Mil lhe dá;
Tambem, anjo meu saudoso!
Te hei de emfim
Ah! dar quanto de precioso
Sinto em mim!
Dou-te o nectar, que me acalma;
Toma-o tu!
Sim, meu pranto; mais uma alma
Que eu possuo!
Dou-te os sonhos meus ardentes,
Mas leaes;
Dou-te as notas mais cadentes
Dos meus ais!
Do que ha lindo, tudo quanto
Me seduz;
D’esta vida, riso e pranto,
Noite e luz!
Dou-te o genio meu, que á sorte
Vês fluctuar
Sem mais véla, sem mais norte
Que esse olhar!
Dou-te a lyra, que me inspiras,
Sonho meu!
Que suspira, se suspira,
Flôr do céo!
Dou-te; aceita: tudo é santo,
Tudo, flôr!
Dou-te uma alma toda encanto,
Toda amor!
V. Hugo.
Coimbra.
FLÔR E BORBOLETA
Tu vôas, borboleta! e que eu não possa
Voar, amor!
Diversa como é n’isto sorte nossa!
Dizia a flôr.
No valle, ambas irmãs, nascidas fomos;
És como eu sou;
E amamo-nos, e flôres ambas somos,
Mas eu não vôo.
A ti leva-te o ar; prende-me a terra
A mim; e eu
Como hei-de perfumar-te em valle e serra,
E lá no céo!…
Mais longe inda tu vás, por outras flôres…
Girar, talvez,
Em quanto a minha sombra, meus amores!
Gira a meus pés!
E vens-me