O travesseiro e, assim,
Acórdo e te não vejo,
Vejo-me só a mim;
Não sei, mulher! que anceio
Se me traduz n’um ai!
Confrange-se-me o seio,
Rebenta o pranto e cái.
Então, se por encanto
Fallando em ti, mas só,
Todo banhado em pranto
Me visses, tinhas dó.
Tinhas. A piedade
É filha da mulher,
Que sempre quiz metade
D’uma afflicção qualquer.
Havias ao teu rosto
De me apertar a mim,
D’encher, fartar de gosto,
Todo este abysmo; sim.
Vós desprezaes embora
Culto e adoração
De quem vos ama; agora
As dôres, essas não.
Messines.
A D. CANDIDA NAZARETH
Por occasião da morte de sua irmã Rachel e, poucos dias depois, de sua mãi
Despe o luto da tua soledade
E vem junto de mim, lirio esquecidox
Do orvalho do céo!
Tens nos meus olhos pranto de piedade,
E se és, mulher! irmã dos que hão soffrido,
Mulher! sou irmão teu.
Consolos não te dou, que não existe
Quem de lagrimas suas nunca enxuto
Possa as d’outro enxugar:
Não póde allivios dar quem vive triste,
Mas é-me dôce a mim chorar se escuto
Alguem tambem chorar.
Botão de rosa murcho á luz da aurora!
Que peccado equilibra o teu martyrio
Na balança de Deus?
Se é como justo e bom que elle se adora
Quem te ha mudado a ti, ó rosa! em lirio,
E em lirio os labios teus?
Não enche elle de balsamos o calix
Da flôr a mais humilde, e esses espaços
Não enche elle de luz?
Não veio o Filho seu, lirio dos valles!
Só por amor de nós tomar nos braços
Os braços d’uma cruz?
Mulher, mulher! quando eu n’um cemiterio
Levanto o pó dos tumulos sósinho:
Eis, digo, eis o que eu sou.
Mas quando penso bem n’esse mysterio
Da virtude infeliz: vai teu caminho;
Dois mundos Deus creou.
Deus não dispara a setta envenenada
Á pombinha que aos ares despedira
Com mão traidora e vil.
Imagem sua, Deus não volve ao nada,
Não aniquila a flôr que ao chão cahira
Lá d’esse eterno abril.
Has-de, cysne! expirando alçar teu canto,
Has-de lá quando a lua da montanha
Te acene o extremo adeus,
Voar, Candida! ao céo, e ebria de encanto,
No oceano d’amor que as almas banha,
Unir teu canto aos seus.
Seus, d’ellas, mãi e irmã, cinzas cobertas
D’um só jacto de terra… oh desventura!
Oh destino cruel!
Vejo-as ainda ir com as mãos incertas
Guiando-se uma á outra á sepultura,
E a mãi: Rachel! Rachel!
Coimbra.
AMOR
Amo-te muito, muito.
Reluz-me o paraiso
N’um teu olhar fortuito,
N’um teu fugaz sorriso.
Quando em silencio finges
Que um beijo foi furtado
E o rosto desmaiado
De côr de rosa tinges;
Dir-se-ha que a rosa deve
Assim ficar com pejo,
Quando a furtar-lhe um beijo
O zephyro se atreve;
E ás vezes que te assalta
Não sei que idéa, joven!
Que o rosto se te esmalta
De lagrimas que chovem;
Que fogo é que em ti lavra
E as forças te aniquila,
Que choras, mas tranquilla,
E nem uma palavra?
Oh! se essa mudez tua
É como a que eu conservo,
Lá quando á noite observo
O que no céo fluctua;
Ou quando, á luz que adoro,
Ás horas do infinito,
Nas rochas de granito
Os braços cruzo e chóro;
Amamo-nos… Não cabe
Em nossa pobre lingua
O que a alma sente, á mingua
De voz, que só Deus sabe.
Coimbra.
A DONZELLA E O MUSGO
Um dia, não sei que eu tinha…
Uma tristeza tamanha!
E lembra-me ir á montanha,
Que temos aqui vizinha,
Onde em tempo me entretinha
Horas e horas sósinha
Quando ainda se não estranha
Que n’uma teia de aranha
Se prenda uma innocentinha,
Ou atraz d’uma avesinha
Se cance a vêr se a apanha.
Depois é que o mundo falla
E se mette com a vida
De quem ás vezes se cala
Por ser mais bem procedida.
Que esta gente que faz gala
Em coisa, que vê, contal-a,
E sendo mal permittida
Inda em cima acrescental-a,
Teem a lingua comprida
E bem deviam cortal-a.
Vou pelo córrego