É que da morte tem medo.
A mesma tristeza anima
A encarar a pé quedo
A morte que se aproxima
A tirar-nos do degredo,
Que inda a gente se lastima
De não acabar mais cedo.
E alli sósinha chorando
Me lembrava, ora a ventura
Da minha infancia, inda quando
Levava os dias brincando;
Ora a desgraça futura,
Que me estava annunciando
Não sei se a minha amargura,
Se uma nuvem, grande e escura,
Que se ia no ar formando
E vinha já avançando,
Como que á minha procura.
E ainda o pranto corria
E o cabello me batia
No rosto, que me doía,
Tal era a força do vento;
Já tudo tão pardacento
A nevoa e chuva fazia
Que eu olhava, mas dizia:
É nuvem ou penedia
Aquelle vulto cinzento?
O mar brilhante algum dia
Como prata luzidia
Já ninguem o distinguia
Da terra e do firmamento:
Uivar só é que se ouvia,
Mas uivar sem sentimento;
E como em grande tormento
Se desvaira a phantasia:
– Fosse eu mar, disse; valia
Mais ser coisa bruta e fria,
Como a rocha onde me sento.
Faz um trovão no momento
Que soltava esta heresia;
E áquella rouca harmonia
Occorre-me um pensamento,
Que me dá uma pancada
O coração de tal modo,
Como se o rochedo todo
Desandasse na chapada.
Era a voz da consciencia
Que me accusava do crime
De negar á Providencia
A razão com que me opprime.
Peço perdão, commovi-me
E n’um extasi sublime
Lagrimas de penitencia,
Como um balsamo, uma essencia,
Purificam-me e senti-me
Com uma nova existencia.
Ólho; as nuvens esvaíam-se:
Os roncos do mar ouviam-se,
Mas já mais de espaço a espaço.
O sol ainda tão baço,
De luz tão pouco brilhante,
Que se media a compasso
Como a cara d’um gigante,
Descobre-se e resplandece!
Ao longe o mar apparece;
E tudo, mar, terra e céos
Tão formoso me parece,
Como se agora tivesse
Sahido das mãos de Deus!
No rochedo onde descança
Meu corpo desfallecido,
O verde musgo, vestido
Sempre da côr da esperança,
Agora reverdecido,
Me ensina a ter confiança
N’esse que do céo nos lança
Em dia tempestuoso,
Só para nosso repouso
O arco da alliança.
Pobre musgo, descuidado,
Sem olhos para chorar,
Sem poder alliviar
Com seu pranto um desgraçado,
Consolar-se e consolar!
Fallas mais a meu agrado
Que o livro mais afamado
D’esses livros, que em lugar
De nos dar consolação,
Nos fazem cahir no chão
Um pranto mal empregado,
E inda mais amargurado
Nos deixam o coração.
Colhi-o, pul-o no seio,
E é hoje o livro que leio.
Messines.
ULTIMO ADEUS
Prestes, se inda na rocha de granito
D’onde em tempo me vias te sentares,
Não olhes para a terra ou para os mares,
Olha sim para o céo, que é lá que habito.
Lá tão longe de ti, mas não do terno,
Bondoso pai que os dois nos ha gerado,
Só para mágoas não, que bem guardado
Nos tem tambem no céo prazer eterno.
Não se é só pó no fim de tanta mágoa.
Senão, diga-me alguem que allivio é este
Que sinto, quando á abobada celeste
Alevanto os meus olhos rasos d’agua.
Mentem os céos tambem? Os céos maldigo.
Feras, tigres, tambem o céo povôam?
Tambem os labios lá sorrindo côam
Veneno desleal em beijo amigo?
Mas na dôr é que os astros nos sorriem,
E os homens não sorriem na desdita.
Astros! fio-me em vós, e Deus permitta
Que os infelizes sempre em vós se fiem.
Intima voz do fundo, bem do fundo
D’alma me diz (e as lagrimas me saltam):
Vês os milhões de soes que o espaço esmaltam?
Pisa a terra a teus pés, inda ha mais mundo.
Ha depois d’esta vida inda outra vida.
Não se reduz a nada um grão d’arêa,
E havia de a nossa alma, a nossa idêa
Nas ruinas do pó ficar perdida?
– Isso que pensa e quer (até me admiro),
Isso que a luz nos traz, que a luz nos leva,
Isso que me abre o céo que ao céo me eleva
N’um teu cançado olhar, n’um teu suspiro!
Onde, não sei eu bem, mas sei que existe
Deus remunerador. Depois de mortos
Hemos de vêr-nos, e um no outro absortos
Fartar de glorias este amor tão triste.
– Tão triste, e o coração que me adivinha
N’este