— Então, creio que devo muito mais a você do que uma caneca. — foi tudo o que ela conseguiu proferir.
Claro que era demais esperar que o camarada pensasse um pouco mais nela do que como uma fonte de problemas. Ela foi um fardo desde o nascimento, e a tendência permanecia.
Nate balançou a cabeça.
— Está claro que você está sob uma pressão considerável, e não está na minha natureza chutar alguém que está quase caindo.
As sobrancelhas de Belle se juntaram.
Nate abriu a boca, mas antes que pudesse continuar, a garçonete voltou com duas canecas de cerveja na mão. Ela agarrou a caneca dela com força e deslizou o dinheiro na direção da mulher. Não era como se ela pudesse se dar ao luxo de abrir mão do pouco que tinha, mas devia ao menos isso a Nate Whitfield. Belle levou a cerveja aos lábios e deu um gole inebriante. O líquido doce e escuro desceu pela garganta, mesmo que fizesse pouco para combater seus nervos inflamados.
— Estou aqui com uma proposta que pode achar interessante. — Nate continuou. — Embora eu não esteja entusiasmado em me envolver mais, está claro que já tenho um alvo pintado nas costas. E acontece que minhas primas têm um passado rancoroso com Jack Blair.
— Sou toda ouvidos. — Belle disse com o coração batendo um pouco mais forte.
Ela tomou outro gole, tentando não parecer estar se agarrando a cada palavra dele. Verdade seja dita, ela se agarrava.
— Ellie quer lançar um ataque contra ele, e acredita que você pode ajudar. Embora eu não goste de entrar em batalhas com gangues e criminosos, a lógica da minha prima acerca do assunto é sólida e baseada em experiência.
— Ellie… — Belle disse, parando, a boca se abriu e fechou quando as coisas se encaixavam. — Ellie Whitfield é sua prima.
Ela trabalhava para Blair, no lado norte da cidade, quando a sequestraram e a mantiveram cativa no porão. Mesmo assim, todos na equipe de Blair se lembravam de Ellie e Theo Whitfield. A ladra e a tecnomante conseguiram destruir a base dele, acabar com metade da gangue e obrigar o resto a fugir para um esconderijo.
Por um mero instante após voltar para a casa destruída, Belle teve esperança. Esperava que Blair tivesse sido eliminado na luta e que ela pudesse ter uma chance de reivindicar a liberdade que ansiava.
Claro, a barata sobreviveu, procurou-a e começou a reconstruir. E não importa o quanto ela quisesse escapar, o quanto quisesse dizer não para a maioria das coisas que era forçada a fazer, o homem a apavorou desde tenra idade.
O olhar de Nate se aguçou.
— Por acaso você a conhece?
― Todos no submundo conhecem Ellie Whitfield. — Belle respondeu, bebendo mais cerveja, como se assim houvesse uma chance de se recompor.
Fugir de Jack Blair exigiu cada grama de determinação nela. A ideia de lutar com ele? Um arrepio desceu pela espinha dela. As costas das mãos dele encontraram-na muitas vezes, ao ponto de que tudo o que ele precisava fazer era entrar em um cômodo, e ela se encolheria.
— Eu deveria ter imaginado. — Nate soltou um suspiro, erguendo o copo em saudação. — Embora eu esteja relutante em me envolver, se minhas primas loucas estão nisso, não tenho muita escolha. A verdadeira questão é se você está ou não disposta a participar dessa aventura.
A boca de Belle secou. Parte dela ansiava por dizer sim. Se Jack Blair pudesse ser derrotado de alguma forma, ela estaria livre para vagar pela cidade sem amarras, livre de uma maneira que ela sonhava nas primeiras horas da noite, quando o luar entrava pela janela quebrada em que ela dormia.
No entanto, terror congelou sua língua.
Ellie e Theo podem ter vislumbrado grandes planos para derrubar Jack Blair, mas após o ataque, ele se embrenhou ainda mais nas profundezas da cidade. Encontrou um novo esconderijo e começou a atrair mais membros do que nunca. Enfrentar o líder de uma gangue era pura loucura.
Belle bebeu outro gole de cerveja, esperando que pudesse aumentar a coragem. Ela pousou o olhar em Nate, que a encarou, não com pena ou nojo, mas com um brilho suave que parecia compreensão.
— Embora eu não seja muito boa em confrontos, posso dar às suas primas a informação que procuram: esconderijos, membros da tripulação atuais e alvos. — Belle ofereceu.
Entretanto, se essa empreitada chegasse a um confronto real, ela não poderia fazer promessas. Afinal, no instante em que coletasse moedas suficientes para pagar uma passagem para fora desta cidade, ela começaria a correr e nunca mais olharia para trás.
— É tudo que eu poderia esperar. — Nate respondeu, flexionando os dedos. — Confie em mim, sou inútil em uma briga. Tudo o que tenho é talento para alquimia, não para socos certeiros.
— Se precisar que um prédio pegue fogo, então, sou sua garota. — Belle ofereceu com um meio sorriso.
Sentar-se em frente a ele, e saborear uma cerveja foi o mais próximo que ela chegou de alguém fora da gangue de Blair por anos. Associações externas eram desaprovadas e, após o incidente com Ellie, Blair se fechou ainda mais. Ela descobriu gostar da companhia de Nate, da autodepreciação irônica e comentários sinceros que ele proferia.
— Dado o caráter bem inflamável da minha loja, prefiro que esteja ao meu lado e não contra. — Nate murmurou, um sorriso divertido.
O homem não tinha o direito de ser tão bonito e, sentada tão perto dele, ela sentia o cheiro de vetiver. O aroma a percorreu com uma intensidade surpreendente. A proximidade do homem a deixava desnorteada, em especial após a gentileza demonstrada por ele no dia anterior.
Homens como Nate Whitfield eram raros.
No entanto, uma criminosa fugitiva como ela nunca poderia esperar ganhar o afeto de alguém tão bom e decente quanto ele. Não importava que ela sonhasse com uma vida normal desde que pudesse se lembrar.
— Eu nunca queimaria sua loja. — ela respondeu, uma ferocidade surpreendente no tom. — Pelo menos, não por escolha.
Nate bateu na lateral da caneca por um instante, o olhar cuidadoso.
— O que a mantém a serviço dele?
Ela voltou a abrir a boca e fechá-la. Como começaria a explicar ser propriedade do homem há tanto tempo, que mal conseguia se lembrar de como foi antes? O próprio medo e as rédeas curtas de Jack Blair em torno das próprias posses a mantiveram acorrentada.
Uma risada amarga escapou dela.
— A esta altura, nada além de hábito e uma grande preocupação minha em estender minha própria existência. Contudo, isso eu joguei fora ao partir. Desde então, estão me caçando pela cidade.
— Daí a sua aparição surpresa na minha loja ontem. — Nate ponderou. — Blair não pode apenas encontrar outro incendiário?
Ela conseguia vê-lo tentando encaixar as peças. Desde o segundo em que o conheceu, com sua maneira clara de falar e as trilhas lógicas que ele seguia, ela soube que o homem possuía uma mente científica. Belle poderia se esquivar da verdade, mas por que se preocupar? Ele queria ajudá-la a se livrar de um problema, e a única coisa que ela estava protegendo eram os próprios sentimentos de aversão a si.
— Meus pais me venderam para ele quando eu era pequena. Eu estava me encrencando por iniciar incêndios, e viram uma oportunidade de ganhar algumas moedas e se livrar de um problema potencial.
As palavras pesaram na língua, palavras que passearam pela cabeça dela por tanto tempo que pronunciá-las em voz alta parecia estranho.
Nate juntou as sobrancelhas e espalhou as palmas das mãos na mesa.