— Onde é que ele fazia as suas leituras?
— Às vezes, o prefetto levava os documentos ao apartamento papal. Mas, se fossem demasiado frágeis ou sensíveis, o Santo Padre examinava-os numa sala especial no interior do Arquivo, com o prefetto de guarda à saída da porta. Talvez tenha ouvido falar dele. Chama-se…
— Cardeal Domenico Albanese.
Donati fez um gesto afirmativo com a cabeça.
— Portanto, o Albanese tinha conhecimento de todos os documentos que passavam pelas mãos do Santo Padre?
— Não necessariamente. — Fumador empedernido, Donati tirou um cigarro de uma elegante caixa dourada e bateu com ele na tampa, antes de o acender com um isqueiro dourado a condizer. — Como deves estar lembrado, no final do papado, Sua Santidade começou a ter problemas graves de insónias. Todas as noites, ia para a cama à mesma hora, por volta das dez e meia, mas raramente ficava lá muito tempo. Era sabido que, ocasionalmente, visitava o Arquivo Secreto para uma leitura noturna.
— Como é que ele conseguia os documentos a meio da noite?
— Tinha uma fonte secreta. — A atenção de Donati foi atraída por algo que se encontrava por cima ombro de Gabriel. — Meu Deus, aquela é a…
— Sim, é.
— Porque é que ela não se junta a nós?
— Está ocupada.
— A proteger-te?
— E a ti. — Gabriel perguntou-lhe sobre o guarda suíço desaparecido.
— O nome dele é Niklaus Janson. Concluiu recentemente os dois anos de serviço obrigatório, mas aceitou ficar mais um ano, a meu pedido.
— Gostavas dele?
— Confiava nele, o que é bem mais importante.
— Havia algum registo negativo no historial dele?
— Violou duas vezes o recolher obrigatório.
— Quando foi a última violação?
— Uma semana antes da morte do Santo Padre. Alegou que tinha saído com um amigo e perdido a noção do tempo. O Metzler deu-lhe o castigo tradicional.
— Qual é?
— Esfregar a ferrugem dos peitorais das armaduras ou cortar uniformes velhos aos pedaços no bloco de execução, no pátio da caserna. Os guardas chamam-lhe scheitstock.
— Quando é que te apercebeste de que ele tinha desaparecido?
— Dois dias depois da morte do Santo Padre, reparei que o Niklaus não tinha sido um dos guardas escolhidos para vigiar o corpo enquanto estava em exibição na basílica. Perguntei ao Alois Metzler porque é que ele tinha sido excluído e, para minha surpresa, a resposta foi que ele tinha desaparecido.
— Como é que o Metzler explicou a ausência dele?
— Disse que o Niklaus ficou desolado com a morte de Sua Santidade. Francamente, não me pareceu muito preocupado. Aliás, o camerlengo também não. — Donati, irritado, bateu o cigarro contra o rebordo do cinzeiro. — Afinal, tinha um funeral que ia ser transmitido nas televisões do mundo inteiro para planear.
— O que mais é que sabes sobre o Janson?
— Os camaradas dele chamavam-lhe Santo Niklaus. Disse-me, uma vez, que ponderou brevemente seguir o sacerdócio. Entrou na Guarda depois de concluir o serviço militar no exército suíço. Lá em cima, ainda têm serviço militar obrigatório, sabias?
— De onde é que ele é?
— De uma vila pequena, perto de Friburgo. É um cantão católico. Há lá uma mulher, uma namorada, talvez noiva… Chama-se Stefani Hoffmann. O Metzler contactou-a no dia seguinte à morte do Santo Padre. Tanto quanto percebi, foi essa a extensão dos seus esforços para determinar o paradeiro do Niklaus. — Donati fez uma pausa. — Talvez tu, Gabriel, consigas ser mais eficaz.
— A fazer o quê?
— A encontrar o Niklaus Janson, claro está. Creio que não seria muito difícil para um homem na tua posição. Certamente, tens certos recursos à tua disposição.
— Tenho. Mas não posso usá-los para encontrar um guarda suíço desaparecido.
— Porque não? O Niklaus sabe o que é que aconteceu naquela noite. Tenho a certeza disso.
Gabriel ainda não estava convencido de que alguma coisa acontecera naquela noite, exceto que um homem idoso com um coração enfraquecido, um homem que Gabriel amava e admirava, morrera enquanto rezava na sua capela privada. Ainda assim, tinha de admitir que havia suficientes circunstâncias perturbadoras para justificar uma investigação mais aprofundada, começando pelo paradeiro de Niklaus Janson. Gabriel tentaria encontrá-lo, quanto mais não fosse para sossegar a mente de Donati. E a sua, também.
— Sabes o número de telemóvel do Janson? — perguntou.
— Receio que não.
— A caserna da Guarda Suíça tem uma rede informática ou ainda usam pergaminho?
— Converteram-se ao digital há uns anos.
— Grande erro — disse Gabriel. — O pergaminho é muito mais seguro.
— A tua intenção é hackear a rede informática da Guarda Suíça Pontifícia?
— Com a tua bênção, evidentemente.
— Vou negá-la, se não te importares.
— Que jesuítico da tua parte.
Donati sorriu, mas não disse nada.
— Volta para a Cúria e mantém a discrição durante alguns dias. Eu contacto-te quando tiver alguma coisa.
— Na verdade, estava a perguntar-me se tu e a Chiara estariam livres hoje à noite.
— Estávamos a planear regressar a Veneza.
— Há alguma hipótese de eu conseguir convencer-vos a ficar? Pensei que podíamos jantar num sítio perto da Villa Borghese.
— Vai mais alguém connosco?
— Uma velha amiga.
— Minha ou tua?
— Na verdade, de ambos.
Gabriel hesitou.
— Não tenho a certeza de que isso seja uma boa ideia, Luigi. Não a vejo desde…
— Foi ela que sugeriu. Creio que ainda te lembras da morada. O aperitivo é servido às oito horas.
9
CAFFÈ GRECO, ROMA
— O que é que achas? — perguntou Chiara.
— Acho que, definitivamente, podia habituar-me a viver aqui outra vez.
Estavam sentados na sala da frente do Caffè Greco. Debaixo da sua pequena mesa redonda, havia vários sacos de compras lustrosos, o saldo de um passeio dispendioso de final de tarde pela Via Condotti. Tinham viajado de Veneza para Roma sem uma muda de roupa. Precisavam ambos de algo apropriado para usar ao jantar, no palazzo de Veronica Marchese.
— Estava a falar de…
Gabriel interrompeu-a docemente.
— Eu sei de que é que estavas a falar.
— E então?
— Pode ser tudo explicado com bastante facilidade.
Chiara estava claramente cética.
—