— Diga-me o Gabriel.
— Todo o país terá de ficar em quarentena para evitar que continue a propagar-se. Os hospitais vão ficar tão saturados que vão ser forçados a rejeitar toda a gente, exceto os mais novos e saudáveis. Vão morrer centenas de pessoas todos os dias, talvez milhares. O exército terá de recorrer à cremação em massa para evitar mais contágios. Vai ser…
— Um holocausto.
Gabriel assentiu lentamente com a cabeça.
— E como é que imagina que um iletrado incompetente como o Saviano vai reagir nessas circunstâncias? Vai ouvir os médicos especialistas ou vai achar que ele é que sabe? Vai dizer a verdade à população ou vai prometer que há uma vacina e um tratamento logo ao virar da esquina?
— Vai culpar os chineses e os imigrantes e sair disso mais forte do que nunca. — Ferrari olhou seriamente para Gabriel. — Sabe alguma coisa que não me está a contar?
— Qualquer pessoa com dois dedos de testa sabe que já há muito que devíamos ter tido algo à escala da gripe de 1918. Eu disse ao primeiro-ministro que, de todas as ameaças que Israel enfrenta, uma pandemia é, de longe, a pior.
— Ainda bem que a minha única responsabilidade é encontrar quadros roubados. — O general observava a televisão, enquanto a câmara se movia através de um mar de paramentos vermelhos. — O próximo pontífice está ali sentado.
— Dizem que vai ser o cardeal Navarro.
— É esse o rumor.
— Tem alguma informação?
O general Ferrari respondeu como se estivesse a dirigir-se a uma sala cheia de jornalistas:
— Os carabinieri não fazem qualquer esforço para monitorizar o processo de sucessão papal. Nem as outras agências italianas de segurança e serviços secretos.
— Poupe-me.
O general riu-se silenciosamente.
— E o Gabriel?
— A identidade do próximo papa não diz respeito ao Estado de Israel.
— Agora já diz.
— Está a falar de quê?
— Vou deixar que ele explique. — O general Ferrari apontou com a cabeça na direção da televisão, onde a câmara encontrara o arcebispo Luigi Donati, secretário pessoal de Sua Santidade, o papa Paulo VII. — Quer saber se o Gabriel teria uns minutos para falar com ele.
— Porque é que ele simplesmente não me telefonou?
— Não é algo que queira discutir ao telefone.
— Ele disse-lhe de que se tratava?
O general abanou a cabeça.
— Só que era um assunto da máxima importância. Tinha esperança de que o Gabriel pudesse almoçar com ele amanhã.
— Onde?
— Em Roma.
Gabriel não respondeu.
— Fica a uma hora de avião. Vai estar de regresso a Veneza a tempo do jantar.
— Vou mesmo?
— A avaliar pelo tom de voz do arcebispo, tenho as minhas dúvidas. Ele vai estar à sua espera, à uma hora, no Piperno. Ele disse que o Gabriel conhece o sítio.
— Tenho uma vaga recordação.
— Ele gostava que fosse sozinho. E não se preocupe com a sua esposa e os seus filhos. Vou cuidar muito bem deles durante a sua ausência.
— Ausência? — Não era a palavra que Gabriel escolheria para descrever uma viagem de um dia até à Cidade Eterna.
O general estava novamente a fitar a televisão.
— Olhe para aqueles príncipes da Igreja, todos vestidos de vermelho.
— A cor simboliza o sangue de Cristo.
O olho bom de Ferrari pestanejou de surpresa.
— Como é que sabe isso?
— Passei a maior parte da minha vida a restaurar arte cristã. Provavelmente, sei mais sobre a história e os ensinamentos da Igreja do que a maioria dos católicos.
— Incluindo eu. — O olhar do general regressou ao ecrã. — Quem é que acha que será?
— Dizem que o Navarro já está a encomendar mobília nova para o appartamento.
— Sim — disse o general, assentindo pensativamente com a cabeça. — É o que dizem.
4
MURANO, VENEZA
— Por favor, diz-me que estás a brincar.
— Acredita, não foi ideia minha.
— Sabes quanto tempo e esforço dediquei a organizar esta viagem? Tive de me reunir com o primeiro-ministro, pelo amor de Deus!
— E eu lamento isso — disse Gabriel de forma solene —, profunda e eternamente.
Estavam sentados nas traseiras de um pequeno restaurante em Murano. Gabriel tinha esperado que terminassem as entradas, antes de contar a Chiara o seu plano de ir a Roma de manhã. Reconhecidamente, fizera-o por motivos egoístas. O restaurante, cuja especialidade era peixe, era um dos seus favoritos em Veneza.
— É só um dia, Chiara.
— Nem tu acreditas nisso.
— Não, mas tinha de tentar.
Chiara ergueu um copo de vinho na direção dos lábios. O resto do seu pinot grigio fulgia com o fogo ténue da luz da vela refletida. — Porque é que não foste convidado para o funeral?
— Aparentemente, o cardeal Albanese não conseguiu encontrar um lugar vago para mim em toda a Praça de São Pedro.
— Foi ele que encontrou o corpo, não foi?
— Na capela privada — disse Gabriel.
— Achas mesmo que foi assim que aconteceu?
— Estás a sugerir que a Sala de Imprensa da Santa Sé pode ter divulgado um bollettino falso?
— Tu e o Luigi colaboraram na redação de várias declarações enganosas ao longo dos anos.
— Mas os nossos motivos foram sempre puros.
Chiara pousou o copo de vinho na toalha de mesa branca e rodou-o lentamente.
— Porque é que achas que ele quer encontrar-se contigo?
— Não pode ser nada de bom.
— O que é que o general Ferrari disse?
— O mínimo possível.
— Isso não parece nada dele.
— Talvez tenha referido que tem alguma coisa a ver com a escolha do próximo Sumo Pontífice da Igreja Católica e Apostólica Romana.
O copo de vinho parou.
— O conclave?
— Não entrou em pormenores.
Gabriel deu um toque no telefone para o acender e viu as horas. Fora finalmente forçado a separar-se do seu querido BlackBerry Key2. O seu novo aparelho era um Solaris, produzido em Israel e personalizado de acordo com as suas características únicas. Maior e mais pesado do que um smartphone típico, fora fabricado para resistir ao ataque remoto dos mais sofisticados hackers do mundo, incluindo