Ela disse, âEspero que seu assessor seja bom em se desviar das crÃticas.â
âEu continuo esperando que ele seja bom em alguma coisa.â
Como ela esperava, a tarde não foi melhor. Pedro abriu a cena para que os outros atores tivessem a chance de fazer alguma coisa. Eles precisavam de uma oportunidade para mostrarem seu trabalho, depois de tudo. Mas no final do dia ele dispensou todo mundo menos Mai e Jeremy. Ele chamou os dois juntos, colocou-os sentados em cadeiras paralelas como um conselheiro matrimonial, e começou a falar, sua voz era tanto de bajulação quanto condescendente. Ele expôs lentamente sua visão sobre a relação entre os dois personagens, dando a cada um uma história que não tinha sido detalhada no roteiro e, Mai pensou, foi inventada por ele para servir aos seus propósitos.
Conforme ela escutava as ideias de Pedro, Mai começou a imaginar se ela não estava se enganando. Ela tinha ido direto da escola para seu papel na televisão. Aprendendo uma nova profissão, porém sem nenhum treinamento real ou técnica. Conselhos de diretores e membros mais experientes do elenco, muitas aulas em grupo. E, logicamente sua mãe. Geraldine Rose. Uma vez famosa, com diversos papéis principais em alguns filmes ingleses antes de seu marido, o pai de Mai, cair morto no nono buraco, um dogleg par cinco, numa partida de golfe. Teve que parar de levar Mai e seu irmão mais velho, Jake. Não tinha que ter desistido, na realidade ... mas ela quis assim. Não podia suportar a proximidade de outras pessoas, outros atores. Toda aquela compaixão e piedade.
Mai não dava muita importância para a atuação até ganhar o papel principal na versão escolar de A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) â representando Blanche Dubois com desessete anos. Atuou no Festival de Drama Nacional na categoria estudante, em Scarborough, Inglaterra, marcado e disputado por assessores até que ela se decidiu por Eric, por quem sua mãe tinha conhecido quando jovem. Depois esteve por dois anos no Terraço Amberside, estagnada.
Agora, a maioria das coisas que Pedro estava dizendo a ela parecia sem sentido, mas ela não tinha certeza. Diziam que ela parecia sempre confiante, mas que apesar do seu ar de certeza era possÃvel que ela estivesse perdendo alguma coisa.
Ela voltou sua atenção para o local onde Pedro estava dizendo alguma coisa ao Jeremy sobre o processo criativo. O personagem de Jeremy era um jovem dramaturgo que tinha escrito o roteiro pelo qual o personagem de Mai, uma garota inexperiente do interior, estava tendo o papel principal. Pedro tinha falado com o fervor de um evangélico, como se ele também tivesse sido alguma vez um jovem dramaturgo atuando numa peça teatral. Talvez seja verdade.
âEntão, queridos, vamos tentar de novo. Por favor, tenham em mente tudo o que eu disse. O jovem, a inocência, o desejo de mostrar ao mundo que está nascendo esta noite uma nova forma artÃstica, neste palco.â
Mai e Jeremy moveram as cadeiras para que pudessem se olhar e então deram inÃcio à cena.
Isso durou trinta segundos.
âParem!â
Eles se viraram para ver a mão de Pedro levantada acima de seu ombro como um agente do trânsito.
âDesculpe. Não consigo mais. Vão para casa agora e pensem cuidadosamente sobre o que fizeram hoje. Talvez amanhã teremos algumas ideias melhores.â
Ele inclinou seu peso pra frente da cintura como se fosse se jogar no chão. Então com um suspiro ele colocou suas mãos nos joelhos e empurrou seu corpo na posição ereta, virando-se e indo embora sem dizer nenhuma palavra.
Quando ele deixou a sala, Jeremy disse, âNojento.â
Mai juntou suas coisas. âEle tem algum caminho a percorrer antes de ser nojento. Ele ainda está no estágio de babaca.â
âAh, você tem mais experiência que eu.â
âEu sou uma garota. Eu percebo melhor as distinções sociais.â
Ele forçou um sorriso. âComo você está se sentindo atuando no palco? Com frio na barriga?â
âUm pouco. Eu seria uma tola se eu não me preocupasse sobre ser capaz de fazer isso.â
âPelo que eu estou vendo você se dará bem.â
Ela sorriu e não disse nada. Uma expressão de coragem foi suficiente para esta situação. Mas ela já estava imaginando se ela estava cometendo o maior erro da sua curta e próspera vida.
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CAPÃTULO DOIS
ELA SE MUDOU PARA a estação Docklands Light em Canary Wharf com uma vista bem movimentada, próximo ao condutor. Não tanto um condutor, ela pensou, mas alguém que joga um vÃdeogame. Olhe para a enorme janela frontal que parece uma tela de plasma de sessenta polegadas e gire o botão que coloca o trem em movimento. Gire de volta para reduzir, e então pressione algo que abra e fecha as portas. Deveria ganhar pagamento extra para evitar que eles fugissem pela porta e ao descer na plataforma, esmagados pelo tédio. Atriz em ascensão num resgate heróico de trem. Salva a vida de 54 passageiros que estavam muito ocupados lendo The Girl with the Squirrel Tattoo (A Garota com a Tatuagem de Esquilo) para perceberem que o trem estava sem condutor...
Ela alugou um apartamento em uma casa Georgiana em Greenwich, cinco minutos da estaçao. A casa em si estava à venda em um dos mais legais escritórios imobiliários locais, por quase um milhão de libras (aproximadamente quatro milhões e duzentos mil reais), a proprietária tinha decidido que a vida no sul da França oferecia mais oportunidades que o sul de Londres para laçar um marido rico. Consequentemente a casa lentamente seguia a lei do caos e desmoronava pelo mau estado de conservação â porta frontal arranhada, janelas sujas, calhas quebradas, aquecedores com chiados de gansos de infantaria. O Volvo de Billie já estava estacionado em uma das vagas da frente, tão grande que estava espremido dentro da vaga como um adulto amontoado numa cama infantil.
Quando ela destrancou a porta do apartamento e entrou, os cachorros correram até ela imediatamente, pulando e empurrando suas pernas, fazendo barulhos ofegantes. Billie veio da cozinha com uma caneca em suas mãos.
Mai disse, âSinto-me como um marido chegando em casa vindo de uma mina de carvão. Deveria estar perguntando se o meu chá está pronto.â
âPensei que deveria esperar até você chegar. Guardar as coisas e tudo mais.â
Billie era uma mulher de aproximadamente trinta anos com cabelos ruivos ondulados e um rosto amigável. Ela vestia jeans e um suéter azul escuro: roupa especial para uso externo. Ela caminhava com os cães da Mai desde que ela os pegou, quase um ano atrás, mas era agora o máximo que Mai poderia ter de uma amiga, todos os outros tinham se espalhado como o vento quando sairam da escola. Ãs vezes ela pensava se não era estranho não precisar de outras pessoas, mas isso era uma caracterÃstica que ela já reconhecia em si mesma desde os quatorze anos. Ela tinha companhia suficiente no trabalho e não sentia necessidade