Tentou prolongar o café que estava a beber e, quando acabou, tomou o antibiótico e desceu as escadas para a área de cosmética. Distraiu-se a experimentar batons no dorso da mão, até que a empregada se aproximou para perguntar-lhe se podia ajudar.
– Assim espero – Aubrey suspirou. – Na verdade, não sei o que estou a procurar. Não costumo maquilhar-me.
Não era verdade porque, em cada noite que subia ao palco, usava uma espessa camada de maquilhagem, mas, se a sua amiga estava certa, a empregada iria oferecer-se para maquilhá-la. E assim foi.
Mas Aubrey hesitou. Não lhe parecia correto.
– Só me maquilho quando subo ao palco – admitiu.
– Então, procura um look mais natural?
– Sim, mas… – Aubrey respirou fundo. A empregada era mais ou menos da sua idade e, sem dúvida, esperava que ela comprasse algo para ganhar a sua comissão. – Na verdade não posso permitir-me comprar nada – admitiu.
A jovem olhou-a por um momento e depois sorriu.
– Pelo menos és sincera. De qualquer modo, deixa-me maquilhar-te. Com sorte, as pessoas virão espreitar e assim saímos as duas a ganhar – sentou-a num banquinho alto. – Onde vais? – perguntou. – A um funeral? – adivinhou, vendo-a vestida de negro.
– Sim. Um amigo da família. É um evento de alto nível e não quero chamar as atenções.
– Hoje deve ser o dia dos funerais. O de Jobe Devereux, o de… – interrompeu-se ao ver que Aubrey corava. – É a esse funeral que vais?
Jobe pertencia à realeza de Nova Iorque e, quando Aubrey assentiu, a jovem soube exatamente o que ela ia enfrentar.
– Então, vamos trabalhar. Ah, chamo-me Vanda.
– Aubrey.
Vanda tirou vários ferros de cabelo e alisou o ondulado cabelo loiro a Aubrey antes de analisar o seu rosto.
– Tens uma estrutura óssea incrível.
– Devias ver a minha mãe. Tinha umas maçãs do rosto maravilhosas.
– Tinha?
Aubrey não respondeu. A mãe fazia questão de não falar das suas mágoas e, mesmo estando longe de Las Vegas, preferiu não referir como o rosto da mãe tinha ficado marcado pelo fogo.
– Bom… – prosseguiu Vanda enquanto trabalhava, – dizes que usas maquilhagem no palco. A que te dedicas?
– Faço um pouco de tudo. Danço em alguns espetáculos, sou trapezista e…
– Não posso!
– Nada de glamouroso, acredita. Um pouco de tudo.
Um pouco de tudo para evitar dedicar-se à profissão mais velha do mundo. E quando devia a renda, quando não tinha horas extras para fazer… mas a sua mãe precisava dos medicamentos. Ainda bem que tinha encontrado outro modo de pagar as contas a cada mês.
O dinheiro de Jobe Devereux chegava pontualmente à sua conta e era também pontualmente que a sua generosa contribuição era gasta.
Fizera-o acreditar que estava a estudar música e Jobe, que não sabia nada da sua mãe e que era um homem muito ocupado, nem investigara. O dinheiro, em vez de ir para os seus estudos, acabava em operações, contas da clínica, medicamentos, reabilitação, mais operações…
Até a sua mãe pensava que era prostituta. Nunca lho tinha dito abertamente, claro, mas era Aubrey que pagava as contas e a mãe nunca lhe perguntara de onde vinha o dinheiro.
Tivera várias ofertas, mas declinara-as todas. A verdade era que desconfiava dos homens. A sua mãe trabalhara como acompanhante e ela era o fruto desse trabalho, mas, quando a mãe começou a ter menos marcações, tornou-se difícil pagar as contas a cada mês.
Até que Jobe apareceu na vida de Stella. Pela casa dela tinha passado um verdadeiro desfile de homens, o que a tornou cínica e receosa em tudo o que dizia respeito ao sexo. Apesar dos vestidos reduzidos e dos movimentos provocantes, nunca tinha sido beijada, e muito menos tudo o resto.
– Não permitas que a história se repita – dissera-lhe Jobe.
Na verdade, essa possibilidade aterrorizava-a, embora a necessidade começasse a tornar-se premente, já que Jobe tinha morrido e o dinheiro deixaria de chegar.
Esse pensamento levou-a a fechar fortemente os olhos, o que não era boa ideia tendo em conta que lhe estavam a aplicar o eyeliner.
– Um segundo – disse, e respirou fundo para tentar recompor-se.
– Não te preocupes – respondeu Vanda. – Já está quase. Deixa-me só dar-te um retoque nos lábios.
Aubrey abriu os olhos e descobriu que uma pequena multidão se tinha formado para presenciar a transformação. E era mesmo uma transformação.
Vanda aproximou-lhe um espelho e Aubrey esbugalhou os olhos ao ver-se.
– Estou…
– Incrível – Vanda sorriu.
– Não – respondeu Aubrey. Tinha de encontrar a palavra adequada. A maquilhagem era subtil e os seus olhos pareciam muito grandes e azuis. A boca, maquilhada num suave tom bege, projetava uma imagem doce, tão diferente do vermelho a que estava habituada. – Estou sofisticada.
– Vais encaixar na perfeição – disse Vanda, olhando brevemente para o vestido barato que levava, mas quanto a isso não podia fazer nada. – Vou dar-te uma amostra de lápis de lábios para que possas retocar-te antes do serviço fúnebre.
– Deixa, não precisas de fazer isso.
– Já viste quantas clientes tenho agora? Espero que o dia te corra tão bem como parece que me vai correr a mim.
Assim o esperava Aubrey porque, no fundo, estava aterrorizada.
Havia uma multidão às portas e o controlo de segurança era férreo, mas isso não a deteve. Caminhou para a barreira e dirigiu-se a um agente de segurança.
– O meu motorista deixou-me no local errado – tentou-o, mas o guarda lançou-lhe uma pergunta rápida.
– Nome?
– Aubrey – murmurou ela. – Aubrey Johnson.
– Espere aqui.
Não ia conseguir entrar. O seu nome não estaria na lista de convidados. Ainda assim estava habituada a entrar de penetra em concertos e coisas assim, e acalentava a esperança de conseguir contornar o segurança, ou de juntar-se a um grupo de convidados.
Mas não ia ter tal sorte.
O guarda falava pelo microfone com alguém e sabendo que não estava na lista, olhou em volta, tentando encontrar um ponto de onde, pelo menos, conseguisse ver o caixão. Queria dizer-lhe adeus. E não só em nome da sua mãe, mas também em seu nome.
– Por aqui, menina Johnson.
Ao ouvir o seu nome pestanejou várias vezes enquanto a fita de veludo era retirada. Devia ser um engano. Johnson era um apelido corrente.
– Siga aquele grupo – disse-lhe o guarda.
Aubrey assim fez. Subiu as escadas de pedra e assinou o livro de condolências antes de entrar, mantendo sempre a cabeça baixa, receando que o agente desse conta do seu erro.
E foi assim que Khalid a viu pela primeira vez.
Ele fora avisado de que uma das mulheres misteriosas já chegara e que estava à espera para assinar o livro de condolências. Ele examinou a fila, passou por ela duas vezes sem a ver, até que por fim um homem se afastou e ele a avistou.
Pelo que tinha ouvido falar sobre