— Por tua culpa, Augusto.
— Pois então cuidas que o amor de uma senhora deva ser a peteca com que se divirtam dois estudantes?...
— Quem é que te fala em peteca?... Pelo contrário, o que eu quero é desgrudar-me do fatal contrabando.
— Não! A pesar teu, deves respeitar e cultivar o nobre sentimento que te liga a d. Joaninha. Que se diria dó teu procedimento, se depois de trazeres uma moça toda cheia de amor e fé na tua constância, por espaço de três meses, a desprezasses sem a menor aparência de razão, sem a mais pequena desculpa?...
— Então tu, com o teu sistema de...
Eu desengano: previno a todas que as minhas paixões têm apenas horas de vida, e tu, como os outros, juras amor eterno.
— Estou desconhecendo-te, Augusto. Sempre te achei com juízo e bom conceito e agora temo muito que estejas com princípios de alienação mental! Explica-me, por quem és, que súbito acesso de moralidade é esse que tanto te perturba.
— Isto, Fabrício, chama-se inspiração dos bons costumes.
— Bravo! Bravo! Foi muito bem respondido, mas, palavra de honra que tenho dó de ti! Vejo que em matéria da natureza da de que tratamos estás tão atrasado como eu em fazer sonetos. Apesar de todo o teu romantismo, ou talvez principalmente por causa dele, não vês o que se passa a duas polegadas do nariz. Pois, meu amigo, quero te dizer: a teoria do amor do nosso tempo aplaude e aconselha o meu procedimento; tu verás que eu estou na regra, porque as moças têm ultimamente tomado por mote de todos os seus apaixonados extremos, ternos, afetos e gratos requebros, estes três infinitos de verbos: iscar, pescar e casar. Ora, bem vês que, para contrabalançar tão parlamentares e viciosas disposições, nós, os rapazes, não podíamos deixar de inscrever por divisa em nossos escudos os infinitos desses três outros verbos: fingir, rir e fugir. Portanto, segue-se que estou encadernado nos axiomas da ciência.
— Com efeito! ... Não te supunha tão adiantado!
— Pois que dúvida? Para viver-se vida boa e livre, é preciso andar com o olho aberto e o pé ligeiro. Então as tais sujeitinhas que, com a felicidade e indústria com que a aranha prende a mosca na teia, são capazes de tecer de repente, com os olhares, sorrisos, palavrinhas doces, suspiros a tempo, me deixes aproximando-se, zelos afetados e arrufos com sai e pimenta, uma armadilha tão emaranhada que, se o papagaio é tolo e não voa logo, mete por força o pé no laço e adeus minhas encomendas, fica de gaiola para todo o resto de seus dias... E, portanto, meu Augusto, deixa-te de insípidos escrúpulos e ajuda-me a sair dos apuros em que me vejo.
— Torno a dizer-te que estás doido, Fabrício, pois que me acreditas capaz de servir de instrumento para um enredo... uma verdadeira traição. Então, que pensas? Eu requestaria d. Joaninha, não é assim?... Tu a deixavas, fingindo ciúmes, e depois quem me livraria dos apertos em que necessariamente tinha de ficar?...
— Ora, isso não te custava cinco minutos de trabalho: tu... inconstante por índole e por sistema!
— Fabrício, deixa-te de asneiras; já que te meteste nisso, avante! Além de que, d. Joaninha é um peixão.
— Oh! Oh! Oh!... Uma desenxabida...
— Que blasfêmia!
— Além disso é impossível... Não posso suportar o peso: escrever quatro cartas por semana... Só o talento que é preciso para inventar asneiras e mentiras dezesseis vezes por mês! ... E depois, o Tobias...
— Puxa-lhe as orelhas.
— Como?... Se ele é a cria de d. Joaninha, o alfenim da casa, o São Benedito da família!
— Não sei, meu amigo, arranja-te como puderes.
— Lembra-te que foste a causa principal de tudo isso.
— Quem?... Eu?... Eu apenas te disse que não sabias o gosto que tinha o amor à moderna.
Pois bem, saí do meu elemento, fui experimentar a paixão romântica... aí a tem! ... A tal paixãzinha me esgotou já paciência, juízo e dinheiro. Não a quero mais.
— Tu sempre foste um papa-empadas.
— Sim, e há dois meses que não sei o que é cheiro delas. Anda, meu Augustozinho, ajuda-me!
— Não posso e não devo.
— Vê lá o que dizes! Tenho dito.
— Augusto!
— Agora digo mais que não quero.
— Olha que te hás de arrepender!
Esta é melhor! ... Pretendes meter-me medo?... Eu sou capaz de vingar-me.
— Desafio-te a isso.
— Desacredito-te na opinião das moças.
— E um meio de tornar-me objeto de suas atenções. Peço-te que o faças.
Descubro e analiso o teu sistema de iludir a todas. Tornar-me-ás interessante a seus olhos.
— Direi que és um bandoleiro.
— Melhor, elas farão por tornar-me constante.
— Mostrarei que a tua moral a respeito de amor é a pior possível. Ótimo! ... Elas se esforçarão por fazê-la boa.
— Hei de, nestes dois dias, atrapalhar-te continuamente.
— Bravo!... Não contava divertir-me tanto! Então tu teimas no teu propósito?...
— Pois, se é precisamente agora que estou vendo os bons resultados que ele me promete!
— Portanto... estes dois dias, guerra!
— Bravíssimo, meu Fabrício; guerra!
— Antecipo-te que o meu primeiro ataque terá lugar durante o jantar.
— Oh! Por milhares de razões, tomara eu que chegasse a hora dele!...
— Augusto, até o jantar!
— Fabrício, até o jantar!
Neste momento Filipe abriu a porta do gabinete e, dirigindo-se aos dois, disse:
— Vamos jantar.
Capítulo V: Jantar Conversado
Ao escutar aquele aviso animador que, repetido pela boca de Filipe, tinha chegado até o gabinete onde conversavam Augusto e Fabrício, raios de alegria brilhavam em todos os semblantes. Cada cavalheiro deu o braço a uma senhora e, par a par, se dirigiram para a sala de jantar. Eram, entre senhoras e homens, vinte e seis pessoas.
Coube a Augusto a glória de ficar entre d. Quinquina, que lhe dera a honra de aceitar seu braço direito, e uma jovem de quinze anos, cuja cintura se podia abraçar completamente com as mãos. Um velho alemão ficava à esquerda dela e, sem vaidade, podia Augusto afirmar que d. Clementina prestava mais atenção a ele que ao jagodes, que, também, a falar a verdade, por seu turno, mais se importava com o copo que com a moça.
D. Quinquina (como a chamam suas amigas) conversa sofrível e sentimentalmente: é meiga, terna, pudibunda, e mostra ser muito modesta. Seu moral é belo e lânguido como seu rosto; um apurado observador, por mais que contra ela se dispusesse, não passaria de classificá-la entre as sonsas. D. Clementina pertencia, decididamente, a outro gênero: o que ela é lhe estão dizendo dois olhos vivos e perspicazes e um sorriso que lhe está tão assíduo nos lábios, como o copo de vinho nos do alemão. D. Clementina é um epigrama interminável; não poupa a melhor de suas camaradas: sua vivacidade e espírito se empregam sempre em descobrir e patentear nas outras as melhores brechas, para abatê-las na opinião dos homens com quem pratica.
Durante as primeiras cobertas ela dissertou maravilhosamente acerca de suas companheiras. Maliciosa e picante, lançou sobre elas o ridículo, que manejava, e os sorrisos de Augusto, que com destreza desafiava.