– Como cheguei aqui? – interrompeu-a ele.
– O barco, o iate…
– Não percebo isso do iate – ele sentou-se entre rabugices de dor e levou uma mão à têmpora, onde a ferida estava a sangrar outra vez. – Quando estive eu num iate?
– Seguramente, desde a semana passada ou mais – ela sentou-se de cócoras para o observar. – Não te lembras?
De que te lembras?
Ele pensou até que por fim encolheu com impaciência os seus ombros bronzeados
– De nada – respondeu ele num tom taxativo.
– Não te lembras de quem és? – perguntou ela boquiaberta. – Não sabes o teu nome e idade?
– Não, mas sei que preciso de uma casa de banho. Podes dizer-me onde é?
Ele fez-lhe muitas perguntas mais tarde e ela tentou dissimular a angústia que lhe causava que tivesse perdido a memória. Preparou um jantar simples e falou com ele enquanto servia os vegetais grelhados e o frango com limão e alho e levava os pratos para a mesa de madeira.
– Acho que deves ser italiano. Foi o primeiro idioma em que me respondeste.
– Não me sinto italiano, mas pode uma pessoa sentir ser de uma dada nacionalidade?
– Não sei – ela sentou-se à frente dele, – embora imagine que se por acaso despertasse noutro lugar que não o meu iria ficar admirada com os costumes.
– Fala-me das pessoas com quem eu estava.
– Eram da tua idade. Algumas raparigas pareciam mais jovens e todos pareciam… privilegiados.
Ele não disse nada.
– Todos estavam a divertir-se muito – prosseguiu ela, – menos tu.
Ele voltou a olhar para ela com os olhos semicerrados.
– Não sei se estavas aborrecido ou preocupado, mas passavas mais tempo sozinho do que os outros. Eles deixavam-te em paz e isso levou-me a pensar que eras o cabecilha.
– O cabecilha? – repetiu ele num tom trocista. – Do quê? De um bando de ladrões?
– Não precisas ser desagradável.
Ela ia para levantar-se, mas ele agarrou-lhe o pulso.
– Não te vás.
Ela olhou para a sua mão. Sentia a calor da sua pele e teve de dominar um estremecimento. Estava esgotada de tanto cuidar dele e de preocupar-se. Tinham sido um dia e uma noite intermináveis.
– Só tento ajudar-te – comentou ela, libertando-se.
– Desculpa. Senta-te, por favor.
As palavras eram amáveis, mas o tom era autoritário. Era evidente que estava habituado a ser obedecido. Sentou-se devagar e agarrou o garfo, mas estava demasiado cansada para comer. Podia notar que a observava e isso não facilitava as coisas. Além disso, já sabia a cor dos seus olhos, eram azul-turquesa, como o mar.
– Pensava que tinhas fome – comentou ela ao ver que não tinha provado sequer a comida.
– Estou à tua espera.
– Perdi o apetite.
– Foi a companhia…?
– A companhia é boa – ela esboçou um sorriso. – Acho que estou demasiado cansada.
– Imagino que tenhas passado a noite inteira preocupada comigo.
Sim. Não sabia se ele sobreviveria. Havia sempre complicações após um quase afogamento.
– No entanto, sobreviveste e aqui estás.
– Sem memória e sem nome.
– Bom, poderíamos arranjar-te um nome.
– Poderíamos…
– Poderíamos dizer nomes a ver se algum te soa bem – ele olhou para ela fixamente e a ela sentiu o estômago encolher-se. – Eu direi nomes e tu vais dizer-me se gostas de algum.
– De acordo.
– Mateo, Marcos, Lucas, Juan…
– Tenho quase a certeza de que não sou um apóstolo.
– Portanto, conheces a Bíblia…
– Sim, mas não gosto deste sistema. Quero o meu nome, ou então não ter nome. Fala-me de ti. Que fazes numa ilha deserta?
– Não está deserta. Fica aqui uma das cinco estações da Fundação Internacional de Vulcanologia. O meu pai é vulcanólogo. Viemos para ficar um ano, mas estamos cá há oito.
– Onde está ele agora?
– No Havai. É professor catedrático na Universidade do Havai. Combina o ensino com o trabalho no terreno. Está em Honolulu, mas voltará no final do mês, dentro de nove dias.
– E deixou-te sozinha?
– Parece-te estranho?
– Sim.
– Para mim é normal – ela encolheu os ombros. – Não sou muito sociável e, além disso, assim posso dedicar-me às minhas coias. Quando o meu pai está aqui, só tratamos das coisas dele.
– E a tua mãe…?
– Morreu pouco antes de eu fazer cinco anos.
– Lamento.
– Não me lembro dela – comentou ela, encolhendo os ombros outra vez.
– Ela aprovaria a vida que levas aqui?
– Ela também era vulcanóloga. Trabalhou dez anos com o meu pai e fizeram o que ele está a fazer agora, mas no Havai. Acho que sim, que aprovaria. Talvez só lamentasse que não tivesse ido à universidade. Eduquei-me em casa, até na educação universitária, mas, segundo o meu pai, tenho mais conhecimentos que os alunos dele, embora não seja o mesmo. Nunca tive de competir para trabalhar, limito-me a trabalhar.
– Qual é a tua… especialidade?
– Também sou vulcanóloga, mas gosto sobretudo da relação com a arqueologia…
– O Vesúvio?
– Sim. Tive a sorte de trabalhar com o meu pai no setor sudoeste do Vesúvio. Não só me fascinam as civilizações perdidas, mas também a capacidade dos vulcões para configurarem a paisagem e reescreverem a história da humanidade.
– Não parece que tenhas perdido nada por teres estudado em casa…
– Segundo o meu pai, não sei comportar-me em sociedade – ela sorriu levemente. – Sinto-me incómoda nas cidades entre muita gente, mas, felizmente, aqui não temos esse problema.
– A tua mãe também era dos Estados Unidos?
– Era canadiana francófona, do Quebeque. É por isso que me chamo Josephine – ele apertou os dentes e os lábios. – Recordarás o teu nome, é só uma questão de tempo.
– Falaste-me em francês, não foi?
– Tentei vários idiomas, mas respondeste em italiano e continuei em italiano. Est-ce que tu parles français?
– Oui.
– E Inglês…? – perguntou ela mudando de idiomas. – Compreendes-me?
– Sim – respondeu ele assentindo com a cabeça.
– Custa-te seguir-me? – perguntou ela sem deixar o inglês.
– Não, é como com o italiano.
Não tinha quase pronúncia estrangeira e parecia mais americano que britânico. Supôs que teria