Voltou a tremer, naquele momento com mais violência e o calor não bastava. Não podia parar. Era incapaz de controlar os nervos.
Ouviu-o caminhar atrás dela, o som de vidro, de líquido a escorrer, outra vez de vidro. Servia uma bebida. Que tipo de raptor tinha livros encadernados em pele, arte moderna e garrafas de brandi? Que tipo de homem é que era ele?
Lutou contra o medo. Tinha que haver uma boa explicação. As pessoas não raptavam as outras sem um objectivo, sem um plano.
– Bebe isto.
A voz fria e dura atravessou os seus pensamentos e fê-la levantar a vista do fogo para as suas feições talhadas de expressão inexplicavelmente sombria.
– Não bebo.
– Vais aquecer.
Observou o copo em forma de globo cheio com um líquido de cor âmbar e encolheu-se.
– Não gosto do sabor.
– Quando tinha a tua idade, também não costumava gostar. Estás a tremer. Vai ajudar-te. Confia em mim.
Confiar nele? Era o último homem na face da terra em quem confiaria. Tinha-a afastado de Daisy, de Dante, da reunião que tinha desejado. A sua garganta ameaçou fechar-se e a ira tomou conta dela.
Virou-se para ele com os braços cruzados.
– Quem és? Nem sequer sei o teu nome.
– Lazaro Herrera.
O nome saiu como algo fluido, complexo, sensual.
Lazaro Herrera.
Era um nome que encaixava com ele, que ligava com a música e o poder.
– Acho que vou aceitar a bebida – sussurrou.
Ao dar-lha, os seus dedos roçaram-se.
– Bebe devagar.
O contacto abrasou-a e esteve quase a deixar cair o copo.
– Porque é que fazes isto?
– Tenho motivos – encolheu os ombros.
– Mas o que é que eu fiz? Nem sequer me conheces.
– Não é por ti.
– Então, porque é? – elevou a voz.
– Por vingança.
Capítulo 2
Olhou-o com medo e o único som que se ouvia na casa era o crepitar da lenha. Tremeu com tanta violência, que o brandi se entornou. Sentia a boca seca. Engoliu a saliva com dificuldade enquanto tentava pensar em algo que dizer.
Vingança. Vingança… contra quem?
Não podia perguntar-lhe porque sabia que não estava preparada para a verdade. De alguma maneira, sabia que a resposta afectaria Daisy porque a sua irmã tinha casado na aristocracia argentina, tinha-se transformado em parte desse mundo e dessa cultura, dessa outra vida.
Levou o copo aos lábios e bebeu um gole pequeno. Sentiu o brandi fresco na boca, mas ficou quente ao engoli-lo. O calor bateu-lhe no estômago e acabou por se estender até às suas extremidades. Lazaro Herrera tinha razão numa coisa. O licor ajudou. Deu-lhe firmeza e coragem. Fechou os dedos em volta do copo.
– Isto tem alguma coisa a ver com os Galván?
– És muito perceptiva.
– Queres dinheiro?
– Não é o que toda a gente quer?
Mas a resposta não parecia verdadeira, nem o sarcasmo. Era outra coisa o que o impulsionava e Zoe precisava de compreender aquilo para proteger Daisy.
– Dante já sabe?
– Deve saber.
Baixou a vista para o licor para tentar acalmar-se. Se perdesse as estribeiras, não seria capaz de ajudar a sua irmã.
– A minha irmã, a esposa de Dante, está grávida.
– Eu sei.
– Por favor, não faças mal a Daisy – suplicou com voz rouca. Sentiu que os olhos se humedeciam outra vez. – Sofreu vários abortos e isso deixou-a destruída. Não pode perder este bebé.
Observou-a com os olhos cinzentos velados.
– Não tenho nenhuma intenção de lhe fazer mal.
– Mas vais fazer – desconhecia como sabia, mas era assim e isso deixava-a furiosa. Lazaro Herrera destruiria a sua família e jamais olharia para trás.
– As coisas acontecem na vida…
– Não – explodiu apertando o seu copo. – Tu é que fazes a vida, provoca-la.
– É complicado. A vida nunca foi fácil.
Ele rodeava o assunto, invertia o argumento e isso enfurecia-a. Avançou um passo, o corpo esbelto estava rígido pela tensão. Nos dois últimos anos, a sua família tinha passado por muitas vicissitudes. Tinham lutado e sofrido e, precisamente quando Daisy encontrava alguma felicidade, aquele homem ameaçava em arrebatá-la.
– Claro que a vida é difícil. Está cheia de dor, pesar e perda, mas também de gozo e amor… – calou-se, apercebendo-se de que estava quase a chorar. – Não faças mal à minha irmã. Não podes. Não te deixarei.
– Continuas a tremer – ignorou a fúria dela. – Precisas de um banho quente.
– Não quero um banho quente. Não quero nada de ti. Nem agora nem nunca.
Estudou o rosto dela. Zoe soube que tinha a cara corada e os olhos brilhantes.
– Não funciona dessa maneira – disse Lazaro. – És minha convidada. Nas próximas semanas, estaremos juntos praticamente dia e noite. Sugiro-te que te habitues à minha companhia. Depressa.
Foi-se embora.
Zoe permaneceu imóvel uns minutos antes que os músculos recuperassem a vida.
Devagar, depositou o copo de brandi em cima da mesa de centro antes de limpar as palmas húmidas ao casaco claro de viagem.
Arregaçou a manga e olhou para o relógio. Eram quase sete e meia. Tinham chegado a Buenos Aires há seis horas. Daisy devia estar frenética.
Com o sobrolho franzido, olhou em volta à procura de um telefone. Ele tinha-lhe dito que não havia nenhum, mas não acreditava nele. Nos tempos em que viviam, toda a gente tinha um telefone.
– O teu banho está pronto.
Lazaro tinha regressado e estava na ombreira da porta. Tinha mudado de roupa, vestindo umas calças escuras e uma camisola grossa. Parecia quase humano.
Quase.
– Não vou tomar banho. Não vou ficar aqui.
Abandonou a proximidade da lareira e foi para o hall, conteve o fôlego ao passar ao lado dele. Quase esperava que a detivesse, mas não se mexeu. Nem sequer pestanejou quando abriu a pesada porta.
– É um trajecto longo até à aldeia – comentou ele com suavidade. – E está muito escuro. Não há nenhum candeeiro na pampa.
Com a mão na maçaneta, odiou-o, odiou o tom razoável que tinha empregue.
– Conheço o campo.
– Então sabes como nos enganamos ao caminhar sem nada que nos guie, sem caminhos nem rastos de vida humana.
– O teu rancho não pode ser assim tão remoto – ele apenas levantou as sobrancelhas. – Tenho a certeza de que há alguma coisa aqui fora – insistiu.
– Ovelhas. Vacas. Veados…
–