– Tenho medo.
– De quê? – pôs a cabeça de lado.
A voz baixa palpitou dentro de Zoe. Odiava-o, temia-o e, no entanto, também lhe parecia estranhamente carismático. «Era só o que me faltava», pensou, mas não se atreveu a manifestá-lo em voz alta.
Ele devia ter-lhe lido os pensamentos, porque esboçou um leve sorriso.
– Considera isto uma pequena aventura – depois afastou-se para a deixar entrar.
Uma aventura? Estava louco.
Os particulares olhos claros do desconhecido olharam-na enquanto esperava, sem falar nem apressá-la. Ia deixar que escolhesse.
O que é que devia fazer? Ficar cá fora, na escuridão das pampas infinitas, ou entrar no resplendor quente da casa?
Com o coração nas mãos, entrou.
Lazaro viu Zoe Collingsworth assim que atravessou a porta naquela tarde. Jovem, loura, linda. Com olhos semicerrados, tinha seguido os seus movimentos enquanto ela procurava na mala de pele os seus óculos de sol.
As mãos tremiam-lhe ao acomodá-los no nariz recto e pequeno. Podia ter sido uma estrela de Hollywood. A camisola de gola alta parava mesmo por baixo do queixo, acentuando a cara branca e suave e o longo cabelo louro.
Muitos olhos se viraram para observar os seios voluptuosos sob a fina camisola preta e as ancas tão femininas metidas nas calças de lã de uma cor camelo muito tentadora. O cabelo era natural, como o da sua irmã Daisy, só que mais dourado. De facto, eram muito parecidas.
Dois anos depois de ter casado com o conde Dante Galván, Daisy já era considerada uma grande beleza nos círculos sociais de elite da Argentina, mas Zoe possuía uma beleza diferente… mais suave.
Lazaro fechou a porta do rancho, mas não se incomodou em trancá-la. Zoe não tinha nenhum sítio para onde ir.
Observou-a naquele momento, enquanto entrava no corredor, os olhos azuis muito abertos e apreensivos. Estudou o interior, como se procurasse uma porta oculta ou uma câmara de tortura secreta.
– Não há nada de sinistro aqui – indicou com calma. – Nada de facas, armas de fogo, chicotes ou algemas. É somente um rancho.
Ela levantou o queixo e apertou os lábios.
– Já enviou o pedido de resgate?
– Não.
Viu-a pestanejar. Era tão jovem. Quase doze anos mais nova do que ele. Separava-os uma vida inteira. A diferença de idade devia ter aplacado a atracção. Mas não.
Desde o primeiro momento em que a viu no aeroporto, as entranhas tinham-se-lhe encolhido. A reacção que despertava nele atordoava-o. Era muito primitiva, tão física que se sentia em carne viva. Mal controlado.
O desejo palpitou naquele instante e o corpo voltou a contrair-se.
Sentia-se faminto. Como uma criatura pré-histórica renascida dos mortos. Algo nela fazia com que a desejasse, que se sentisse faminto. Implacável.
Queria senti-la, prová-la, possui-la. E numa parte distante do cérebro sabia que o faria.
Algum dia.
Quando tivesse esmagado os Galván.
Quando tivesse conseguido a sua vingança.
Mas aquele não era o momento. Nesse instante, ela estava esgotada e receosa, e era uma convidada na sua casa.
– Dá-me o casaco – indicou, suavizando a voz, já que sabia que tinha uma voz e uns modos duros. Não era conhecido pela sua sensibilidade ou cortesia.
Estendeu uma mão, mas ela deu um passo para trás, assustada.
Zoe esteve quase a gritar quando ele lhe esticou a mão. Não podia deixar que lhe tocasse outra vez. Não podia permitir que se aproximasse, que conseguisse que se sentisse presa, impotente, demasiado vulnerável. Havia algo nele que emanava força, não só em termos de musculatura, como de controlo… de poder.
Fechou o casaco fino em torno do corpo.
– Gostaria de ficar com ele.
– Vais recuperá-lo – levantou as sobrancelhas.
Gozava com ela. Corou e levantou o queixo.
– Tenho frio.
– Então, aproxima-te do fogo. Vais ficar mais quente.
Conduziu-a desde do hall de tecto alto a um salão surpreendentemente espaçoso, com vigas escuras, tão rústicas como a lareira de pedra que ia do chão ao tecto. No entanto, os móveis eram luxuosos, desde a alcatifa de umas vibrantes cores em tons de escarlate e ouro que cobria o chão de madeira até aos sofás e cadeirões distribuídos em pequenos grupos. Nas paredes havia quadros grandes de pinceladas vivas num azul eléctrico, vermelho sangue e amarelo aceso.
Não era um simples rancho.
Passou junto da mesa de centro em ferro forjado e vidro para ficar perto da lareira. Sentia as pernas frágeis, os músculos tensos.
Com um olhar fugaz em direcção à biblioteca, esticou uns dedos trémulos para captar algum calor do fogo.
«Raptada» repetiu em silêncio. Tinham-na raptado. Ainda não tinha acabado de assimilar aquilo. Alguma vez o faria?
Lembrou-se de descer do avião e sair com os outros passageiros, para descobrir uma sala cheia. Lembrava-se de ter observado as pessoas à procura de Dante ou de um motorista. Dante tinha-lhe prometido que alguém iria recebê-la. Mas não viu o seu cunhado nem ninguém que tivesse um cartaz. Havia mães com os seus filhos, homens de negócios com os seus telemóveis… mas ninguém que a fosse buscar.
De repente, os olhos tinham-se-lhe humedecido ao recordar o desgosto que sentia. Geralmente algo assim não a afectava, mas não tinha sido um mês normal. O seu pai piorava de dia para dia. Já parecia ter esquecido tudo e era terrível vê-lo murchar diante dos seus olhos. Tinha sido um homem inteligente, carinhoso, sempre generoso com os outros.
Tinha procurado na mala os óculos de sol para ocultar as lágrimas. Já tinha chorado durante quase todo o voo e também nessa altura os óculos de sol lhe tinham sido úteis. A verdade é que tinha chorado tanto no último mês, que as lágrimas se tinham esgotado.
Respirou fundo e tentou concentrar-se em algo positivo. Tinha ido ver Daisy. Faltava pouco para rever a sua irmã. Assim que estivessem juntas, as coisas seriam melhores. Foi nesse momento que se aproximou dela um homem de preto, sério, de olhar penetrante e nariz afilado.
– Menina Collingsworth? – tinha perguntado com uma voz de impossível profundidade. Zoe lembrou-se que o seu agente de viagens lhe tinha dito que os homens argentinos, uma mistura de paixão latina e sofisticação europeia, tinham uma aparência letal. Embora não considerasse aquele homem de uma aparência clássica, era arrebatador… não, fascinante, de um modo primitivo.
– Sou Zoe – tinha respondido com o coração acelerado. Esteve acordada toda a noite e estava excessivamente cansada. Nunca tinha saído de Kentucky e tinha sentido emoções contraditórias sobre a viagem à Argentina. Queria ver Daisy, mas odiava levar o seu pai para um lar. A verdade é que só ia permanecer duas semanas, mas tinha sido terrível interná-lo.
– Tem alguma mala? – perguntou o homem.
– Só uma. É grande, por isso facturei-a.
– Se me der o papel, vou buscá-la.
Estendeu a mão larga, com dedos compridos e bem formados. Parecia relaxado e ela entregou-lhe o papel. Foram para a zona de bagagens e ele levantou a mala grande como se não pesasse nada. No exterior esperava-os uma limusina que os conduziu até ao helicóptero.
Só depois de descolar e de ela começar a fazer-lhe perguntas sobre Daisy e a gravidez, sobre a estância