Apenas quando essas execráveis notícias chegaram à corte, Ferrante compreendeu o enorme erro que cometeu e decidiu confiar a reconquista daquelas terras a seu filho Afonso.
Paternalmente, o Santo Padre escreveu a todas as senhorias da Itália, pedindo-lhes que botassem as rivalidades internas de lado para formar uma frente única contra a ameaça otomana e, em troca, concedeu aos aderentes da liga cristã a indulgência plenária. Dada a gravidade da situação, a Cúria disponibilizou 100.000 ducados para a construção de uma frota de 25 galés e o equipamento de 4.000 soldados de infantaria.
Ao apelo de Sisto IV responderam, além do rei de Nápoles, o rei da Hungria, os duques de Milão e Ferrara, as Repúblicas de Gênova e Florença. Como era previsto, nenhum apoio chegou de Veneza, que no ano anterior havia firmado um tratado de paz com os turcos e não podia permitir-se parar mais uma vez as rotas comerciais com o oriente.
Apesar da tardia, mas imponente mobilização cristã, os otomanos não apenas conseguiram manter sob seu controle a Terra de Otranto e parte da Terra de Bari e Basilicata, mas estavam prestes a voltar seu exército para o norte sobre a Capitanata, e para o oeste sobre Nápoles.
Foi graças a nossa diplomacia que se conseguiu interceptar uma mensagem de Maomé II na Anatólia; oportunamente modificada e acondicionada, entregamos a Ahmed Paxá por um espião nosso. O capitão turco mordeu a isca: com dois terços de seu exército, deixou Otranto temporariamente e embarcou para Valona; durante a travessia, foi cercado pelas naves da liga cristã e finalmente, depois de meses de conquistas e vitórias, sofreu uma derrota devastadora, pesadíssima, tão grande que foi obrigado a fugir em uma pequena embarcação na Albânia.
A notícia da vitória naval e, ainda mais, da terrível fuga do chefe bárbaro, reergueu a moral dos napolitanos e seus aliados… o duque Afonso conseguiu reorganizar um discreto exército de mercenários apoiados também pelos outros senhores católicos, que agora viam a reconquista de Otranto e da Apúlia como uma possibilidade. A Espanha enviou 20 naves, e a Hungria, 500 soldados escolhidos.
Foi um dos mais imponentes cercos navais que a História registra: o colossal cerco de Otranto.
Enquanto Tristano falava, os cavalos começavam a cansar-se e precisavam de água limpa. Ele olhou em volta e parou a épica narrativa.
Pietro estava como sempre encantado e mudo, sonhador como as crianças que ouvem pela primeira vez os poemas homéricos e virgilianos.
– E depois? O que aconteceu? Como acabou, senhor?
– Bem, o resto é bastante recente: depois da morte de Maomé II, o novo sultão proibiu Ahmed Paxá de retornar à Itália. No fim do verão do ano seguinte, esgotados pela fome, a sede e a peste, os otomanos renderam-se, e os aragoneses finalmente retomaram controle da cidade. Segundo alguns, o famigerado líder turco está preso, outros dizem que foi executado por seus próprios soldados em Edirne. “O quam cito transit gloria mundi”, concluiu Tristano.
– Como, excelência?
– Nada, Pietro, nada. Apressemos o passo. Os fartos e hirtos seios da sereia Partenope nos esperam.
Acariciando o cavalo, apressou o passo, deixando para trás um Pietro ainda mais confuso.
VII
Dom Ferrante e os porquês de Nápoles
Depois de dois dias, chegaram a uma ensolarada e atarefada capital, bem no meio de um colorido mercado que vendia qualquer coisa que se pudesse conceber: frutas sobre móveis, peixes em cordas de cânhamo, da música à esculturas, de doces a animais, de relíquias a prostitutas.
– Quem faz uma viagem a Nápoles deve estar preparado para conhecer pelo menos 3 divindades: a massa, a muçarela e os strufolis – disse Tristano brincalhão a seu companheiro.
– Espero conhecê-las todas logo, senhor – retrucou Pietro.
Deixaram os cavalos em um pequeno estábulo e seguiram a pé pelos becos, por onde se articulava aquela confusa exposição de rua.
Mas logo os forasteiros perceberam que estavam sendo seguidos. Tentaram então confundir-se com a multidão, entre as tendas dos bancos, abrindo caminho entre os mercadores, mas aquele sujeito parecia conhecer aquele ambiente melhor que qualquer outro e não tinha nenhum problema em segui-los de perto. Pietro decidiu então confrontá-lo; gesticulou a Tristano que se desviasse por uma viela secundária e, assim que o homem dobrou a esquina, sacou sua espada, tentando dissuadi-lo.
A ele juntaram-se logo outros dois, muito bem equipados.
Cinicamente ameaçadores, começaram a aproximar-se, abaixando-se e curvando-se como leões sobre a presa. Depois de algumas voltas ao redor de Pietro, começou a luta: o de veste escura adornada com penas lançou um ataque duplo sobre Pietro, da direita e do alto, e de chofre avançou com o sabre na altura da cintura, fazendo aquele recuar. O outro usava um gibão vibrante com adorno octogonal de preciosos lápis-lazúli incrustados. Virando-se, levantou a espada ao céu, convidando Tristano a fazer o mesmo; lançou então a espada na direção do punhal de Tristano, que prontamente deteve o golpe, contra-atacando com sua espada e um chute na perna do adversário. Enquanto isso, o terceiro homem, de calças listradas, sacou uma espada e começou a ajudar o primeiro, alternando-se com este contra o espadachim bolonhês; lançou a espada na altura da cabeça, que Pietro bloqueou levantando o braço e invertendo a espada com a lâmina para baixo; depois, fez um amplo arco no ar e respondeu ao golpe, forçando o adversário a mudar de posição.
Enquanto o ar aquecia com as faíscas das lâminas e o estrondo dos punhais, eles entravam sem perceber nas escuras vielas da cidade velha.
Pietro fez um recuo sábio e deu um pequeno passo adiante com uma ameaça de investida; após outro vacilo falso, partiu para o ataque decidido: rapidamente, avançou com a espada de baixo para cima e, com um magistral jogo de punho, deu um golpe da direita para a esquerda, forçando o valentão a abrir o braço e deixar seu peito desprotegido; bloqueando então a lâmina com o escudo, afundou inexorável a arma no peito.
No outro fronte, Tristano estava em sérias dificuldades, enfrentando um adversário bem treinado, ágil, que avançava com o joelho esquerdo golpeando com a mão direita e vice versa, simulando rotações com o corpo, mudando com agilidade ritmo e guarda, na busca de qualquer incerteza na vacilante defesa do diplomata. Pietro tentou prestar-lhe socorro, e o teria feito se também não estivesse ocupado com seu osso duro de roer.
Caíram de repente na cabeça dos napolitanos enormes lençóis brancos remendados e chumbados nas pontas; ficaram presos neles por alguns instantes. O assobio de um malandro indicou a Tristano e seu ajudante uma via de fuga e, quando os valentões conseguiram soltar-se, a portinhola de uma cantina subterrânea já havia engolido os forasteiros, dando-lhes segurança por algum tempo.
Cessado o perigo, puderam finalmente retornar ao beco, que no meio-tempo se encheu de alguns pobres coitados, mas não viram nem puderam agradecer os meninos de rua a quem provavelmente deviam a vida; haviam desaparecido, assim como o saco de dinheiro do bravo Pietro!
Enfim, depois de espontâneos e justos palavrões, os dois riram-se e, ao meio dia, chegaram ao Castel Nuovo.
Foram