Às vezes lembrava dos lugares e das pessoas de sua infância, mas, tendo sido entregue permanentemente por seu único parente em vida aos cuidados daquele novo ilustríssimo tutor, não podia deixar passar a oportunidade de pôr à prova tudo o que havia escutado dos padres dominicanos; concentrou-se, portanto, nos estudos e adaptou-se logo aos ambientes eclesiásticos romanos, às suntuosas acomodações da Cúria, aos colossais monumentos, aos majestosos edifícios, aos fartos banquetes…
… tempora tempore, era como se aquele estilo de vida lhe tivesse sempre sido familiar. Não passava um dia sem ter novas experiências; não passava um dia sem adicionar noções novas à bagagem cultural; não passava um dia sem conhecer pessoas novas: príncipes e criados, artistas e cortesãos, engenheiros e músicos, heróis e missionários, parasitas e covardes, prelados e prostitutas. Um aprender da vida contínuo e inesgotável…
Conhecer o maior número possível de pessoas, de todas as classes, de todas as origens, de todos os estratos, de todas as culturas, de todos os credos, de todas as linhagens, entrar em seus mundos, reter informações úteis, analisar cada pequeno detalhe, perscrutar a fundo cada alma humana… era a base de sua profissão. E esta aparentemente tornava-o amigo de todos. Na realidade, na multidão de homens e mulheres que conheceu ao longo de sua vida, o diplomata podia contar com pouquíssimos verdadeiros amigos, três dos quais conheceu naqueles anos. Guardava um íntimo segredo de cada um deles.
Jacopo, monge beneditino, grande alquimista, estudioso de botânica, misturas, poções, perfumes, mas também criador de ótimos licores e digestivos. Compartilhava com Tristano a paixão pelos clássicos patrísticos e a busca filosófica da verdade. Ainda muito jovem, matou seu mestre com um alambique, um velho pedófilo que abusava sistematicamente de seus pupilos. O cadáver, dissolvido em ácido, jamais foi encontrado.
Verônica, criada por sua mãe em um bordel veneziano, já havia em tenra idade aprendido a arte da sedução que praticava há alguns anos em Roma; sua casa era frequentada por pintores, letrados, militares, ricos mercadores, banqueiros, condes, marqueses e, sobretudo, prelados de alto escalão. Não tinha mais nenhuma família no mundo, exceto uma irmã gêmea que jamais conheceu e cuja misteriosa existência era conhecida só por Tristano.
Ludovico, filho e ajudante do alfaiate pessoal da família Orsini, refinadíssimo, criativo, extravagante, extrovertido, especialista em tecidos e acessórios os mais variados, sempre inteirado das novidades e tendências vindas dos estados italianos e europeus. Seu segredo?… sentia-se mais atraído sexualmente por homens que por mulheres e, mesmo que nunca tivesse ousado manifestá-lo, nutria uma admiração e um afeto particular por Tristano que por vezes ultrapassava a mera amizade.
Sempre que podia, livre das obrigações da Cúria, entre uma missão e outra, o jovem diplomata encontrava seus amigos… Depois de cada missão, assim que voltava para Roma, costumava fazer-lhes visitas, para contar das aventuras e trazer lembrancinhas.
No verão de 1477, o cardeal Orsini adoeceu gravemente. Mandou chamar seu pupilo, que naquele momento estava na abadia de Santa Maria de Farfa. Tristano apressou-se para voltar, mas quando chegou em Roma o casarão já estava de luto. Subindo ao piso nobre, o salão que dava para o morto estava cheio de rituais fúnebres e figurões sussurando: o cardeal estava morto e, com ele, a possibilidade de conhecer pela sua voz o mistério sobre o passado do jovem funcionário.
Infelizmente, o cardeal não havia deixado nada que lhe dissesse respeito. Nem o testamento do prelado tinha qualquer aceno ao segredo mencionado três anos antes.
Nos dias seguintes ao óbito, Tristano investigou com afinco a santa vida de Latino, vasculhando a biblioteca do casarão… mas nada, não conseguiu encontrar nada, nenhum indício relevante… exceto uma página arrancada de um velho diário de viagem. O documento tratava de uma importante missão do cardeal Orsini a Barletta, no ano MCDLIX d.C. Os manuscritos do cardeal estavam quase todos redigidos e conservados com tão obsessiva perfeição que a falta de uma folha, aliás mal cortada, teria sido preenchida e consertada logo, se não por Latino em pessoa, por seus atentos bibliotecários, e isso chamou a atenção de Tristano. Infelizmente não havia ninguém que pudesse dar uma pista ou levantar uma hipótese digna de aprofundamento. Decidiu, portanto, interromper a pesquisa e retornar à Cúria, onde podia continuar seu trabalho diplomático sob Giovanni Battista Orsini, que no meio-tempo recebera a ambicionada nomeação de protonotário apostólico.
Nas primeiras incumbências diplomáticas fora dos Estados Papais, Tristano foi auxiliado pelo núncio pontifício Frade Roberto da Lecce, mas logo sua rara capacidade de diligentia, prudentia et discretione convenceram Giovanni Battista e seus conselheiros a confiar-lhe assuntos cada vez mais críticos e delicados, para os quais devia necessariamente gozar de alguma independência e autonomia.
O complexo contexto da Guerra de Ferrara era um desses assuntos. Não apenas estava o senhorio da península todo envolvido, por muitos motivos e em diversos níveis, mas também nos Estados Papais a situação ficava cada dia mais complicada e exigia hábeis enxadristas, aptos a jogar duas partidas ao mesmo tempo: uma externa e outra, talvez ainda mais perigosa para a Santa Sé, interna; criaram-se duas facções em Roma: os Orsini e os Della Rovere, em apoio ao papa, contra os Colonna, apoiados pelos Savelli.
Enfim, a vida de nosso jovem diplomata não era nada fácil: o aliado garantido do momento anterior podia muito bem tornar-se, em uma noite, o maldito e deplorável inimigo da manhã seguinte, o peão a eliminar do tabuleiro para evitar o impasse ou para possibilitar o roque, a peça a sacrificar para desferir o ataque final…
Após o verão de 1482, a virada da política pontifícia tornava-se evidente. A Santa Sé decidiu pôr fim à guerra e, por isso, Tristano foi enviado à corte dos Gonzaga para manifestar a mudança de intenção de Roma nos confrontos de Ferrara e Mântua. Ao mesmo tempo, gozando da hospitalidade dos patrões da casa e com livre acesso aos refinados ambientes do palácio, o vigoroso rapaz não podia permanecer insensível aos chamados das jovens cortesãs que desfilavam sugestivas para ele.
III
Alessandra Lippi
Nos primeiros sinais da aurora mantovana, Tristano, sua jovem amante nos braços de Morfeu, voltara ao quarto há pouco; ele tentava conceder-se um merecido descanso quando uma voz insistente sob a janela o trouxe para a realidade:
– Excelência… excelência… Meu Mestre…
Um soldado com um pequeno pergaminho em mãos exigia sua atenção urgentemente.
A missiva estava claramente em sigilo papal e ordenava que Tristano voltasse a Roma o quanto antes.
Assim, sem sequer esperar notícias do campo de batalha, o oficial pontifício devia deixar a cidade de Virgílio com sua escolta, mas não sem antes redigir duas rápidas mensagens: uma para o marquês Frederico, pedindo desculpas pela partida improvisada e confirmando o apoio do Santo Padre nos confrontos dele e do duque de Ferrara; a outra para sua Beatriz, agradecendo por compartilhar tão generosamente aquela noite e desejando que encontrasse aquele sonhado amor que seu prometido nunca pôde dar.
Cavalgou sem parar todo o dia, parando apenas em Bolonha para alimentar os cavalos, antes de atravessar o Apenino Emiliano ao redor de Florença.
No dia seguinte, atravessando um compacto e silencioso faial, o disparar de uma balestra cruzou o caminho do jovem, fazendo um bando de tordos e toutinegras alçar voo. Enquanto Tristano e seu grupo instintivamente puxavam as rédeas dos cavalos e pegavam nas armas, um cavalo marrom, exausto e sangrando pelo garrote, cortou a frente enlouquecido. Um homem e uma jovem cambaleavam em cima dele. Logo depois, outros quatro cavaleiros, e depois mais dois, claramente seguindo o primeiro.
Por impulso, o audaz embaixador decidiu