CORES, as vozes da alma
Prefazione dell'Autrice
Escrevi o livro sem pensar nisto, mas literalmente escutando as vozes que saiam do meu profundo, daquele algo impalpável e absorvido que defini a minha alma. São vozes, reflexões e historias fora do tempo, nascidas num lugar remoto que é a fantasia mas que chegam a partir do meu vivido e das experiencias psiquicas que colhi ao longo do percurso. Cada conto é marcado por uma cor e por uma imagem, para vos oferecer uma experiência planetária e arquetípica. São contos intuitivos, pouco lógicos, quase surrealistas.
Lê-los é abrir uma janela sobre um mundo espiritual colectivo, que está em cada um de nós.
Espero que possam oferecer-vos um instante de evasão e de reflexão com o seu coro de recordações das cores pungentes, património incomparável da nossa existência.
PATRIZIA BARRERA
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Copyright PATRIZIA BARRERA 2020
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RHA PRODUCTION
ÁGUA
Sou a água que gorgoleja nas vales,
que toca levemente o prado com as suas humidas mãos
e sou a água que cai intensamente do céu,
que suavemente amontoa-se na escura cavidade das árvores.
Água das pontas nevosas,
água áspera e escura que chove seca nas flores.
Onde quer que seja
E quem quer que seja
Serei sempre água.
As gotas amargas, as pingas incandescentes
Nascidas
Do teu amor para mim.
CORES
Azul
Foi naquele verão que me tornei sua mulher. Lembro-me ainda das maçãs que se debruçaram nos campos como soldados em festa, e o largo caminho que nos separava do bosque.
Ali havia a nossa casa, e foi ali que aconteceu.
Eu era jovem e perdida naquele alarido de vozes, no turbilhão de cores que precedem o pôr-do-sol: mas cheirava a noite como uma amiga e desejava que viesse, que a minha cama nupcial ainda imaculada se vestisse de rosa e me acolhesse num ninho, como acontece com a águia depenada.
Trazia o seu rosto esculpido nos olhos: a testa alta, o olhar severo, os túrgidos lábios. E depois as mãos. Aquelas mãos incansáveis e curiosas que sabiam aprisionar o mundo numa teia, coagia o dia para aparecer a noite, transformava a velhice em juventude.
Sabiam chorar, tais mãos.
A minha vida e as suas mãos: para mim aquilo era todo universo.
Assim continuou durante um ano, largos dias marcados pelos meus passeios no bosque e os seus quadros, os meus olhares à torrente e as suas cores.
A natureza permanecia confinada ali, prisioneira. Aquela era a cerejeira morta no inverno que continuava a viver, e aqueles fogos da noite quando na colina se dançava. E os desejos ocultos, as emoções sofridas, tudo confundia-se no momento em que o pincel se expandia para descobrir ou para esconder.
Às vezes avançava para pintar durante horas. Depois, como se desconfiasse, reparava-se em volta e me via, e só desta forma sabia que tinha chegado a noite.
Ele agarrava-me e nos amávamos. No meu corpo as suas mãos ainda desenhavam e nele não havia paixões. Apenas fantasmas, apenas cores.
Eu não percebia. Todavia era lindo o seu mágico interesse nos meus cabelos, no meu seio.
Reparava-me, e no fundo eu era a sua mulher. Falava para mim da sua alma confusa, dos sentimentos reprimidos que voltavam a angustiá-lo toda a noite, dos projectos para os novos quadros. Falando adormecia, como se estivesse profundamente cansado. Nao sei porquê mas nao queria que dormisse. Parecia-me de estar a mergulhar na obscuridade e não estar a ver o fim. Eram os seus quadros a fazer-me companhia e, quando o percebi, resolvi que não devia perdê-los. Jurei para mim mesma e por fim obtive; agora eu sou a própria cor.
Às vezes acontecia que partisse para expor os seus quadros e céus ficava sozinha; então vagueava ansiosa não sabendo o que fazer, nos meus interminaveis dias. Escrevia para a minha mãe, ou ia ao lago, ou dormia, e deixava toda coisa sem nada terminar, contagiado pela angustia. Reparava as paredes vazias, as telas despojadas, os pinceis sobre o fogão da sala, abandonados, sem ninguém que lhos desse vida. Era como se todo o mundo desaparecesse aos meus olhos, do universo sonhado não restavam que migalhas. Tinha sido roubado tudo, os seus quadros vendidos a desconhecidos que não sabiam que comprando-os compravam também a minha alma. Sentia-me pilhada e traída, tinha visto nascer um filho e não pudera tê-lo.
Depois ele voltava, juntamente com a sua magia. Daquelas mãos nascia uma rosa, um raio de sol ou mesmo a escuridão. Do nada apareciam anjos de rosto puro e inocente ou crianças infelizes no ventre das mulheres, arruinadas; e corpos murchados, taças cheias, cenas de loucura, de satisfação, de amor. Reparando aqueles rostos dava-me conta de tê-los já visto dentro de mim e, tocando aquelas telas, esperava que tudo voltasse em mim. O medo de perdê-los de novo assaltava-me, amorfa e feroz: que sentido tinha criar e não desfrutar daquela vida?
Perscrutava enquanto inventava novas cores e em mim nascia um inconsolável desespero. Impontente diante dele pensava que se nada pode-se conservar muito melhor é destruir.
Lentamente rastejou no meu coração uma insidiosa serpente, e o criador que até agora tinha acreditado de admirar transformou-se num tirano incensivel aos sentimentos de piedade que inspirava as minhas criaturas. Encolhia-me nos seus abraços não acreditava em mais nada dele, mergulhando naquela amarga solidão que acolhe as alamas mortas. Ele reparava-me como se não me visse, e agora sei que sofria; talvez era possuido por uma escolha, popr aquela dúvida horrível que logo depois acabou comigo. Agora compreendo que se atormentava sem saber escolher entre a mulher e as suas cores.
Chegou um novo verão sem que nada tivesse mudado, mas um dia ele não pintou e alcançou-me no bosque: parecia prostrado por algo a que não sabia opor-se, e profundamente cansado. Readquiriu uma ternura e nos amamos como nunca tinhamos feito antes, deixando a parte os complexos e as inibições, felizes de ser simplesmente nós próprios. No fim ele pareceu aliviado, como se tivesse finalmente percebido o que devia fazer. Regressamos e ele pegou de novo as cores, mas desta vez tinha um novo argumento: eu. Durante horas quieto a observar as suas ágeis mãos sobre a tela, velozes e habilidosas entre os pinceis como se não tivesse outro nutrimento que este. O dia apagou-se e estava ainda curvado no quadro: a mulher retratada ria, eternamente feliz na sua eterna juventude. Perscrutando-a não era mais eu. Atrás dela uma porta entreaberta dava-me sinal para entrar, e eu questionei-me o que podia haver atrás dela como grande segredo que não podia vê-lo. De novo aquela miserável tristeza possuiu-me e eu não pude evitá-la; e a partir da tristeza tornou-se definhamento, e depois loucura. Eu próprio teria perdido ainda, sem mais poder encontrar-me? E quem me teria comprado desta vez? A minha alma estava no quadro e eu podia defendê-la dos olhares dos outros. Ele levantou-se e beijou-me demoradamente: sabia talvés que teria partido?
Aquela noite não consegui dormir. Os meus sonhos eram estranhos chamamentos de mundos