O navio em chamas, cheio de soldados gritando, ficou à deriva inevitavelmente em direção aos outros navios no porto e – quando os alcançou, colocou-os em chamas também. Homens saltavam de navios às centenas, gritando, mergulhando nas águas negras.
Duncan estava ali, respirando com dificuldade e observando com os olhos a brilhar porque todo o porto estava agora aceso numa grande conflagração. Milhares de Pandesianos, agora totalmente despertos, emergiram das plataformas mais baixas de outros navios, mas já era tarde demais. Eles vieram à superfície de uma parede em chamas, e ficaram com a escolha de serem queimados vivos ou pularem para uma morte por afogamento nas águas geladas, todos eles escolheram o último. Duncan observou o porto preenchido em breve com centenas de corpos, balançando nas águas, gritando enquanto tentavam nadar para a praia.
"ARQUEIROS!" gritou Duncan.
Os seus arqueiros focaram e dispararam rajada após rajada, apontando para os soldados agitados. Um por um, eles encontraram as suas marcas e os Pandesianos afundaram.
As águas tornaram-se escorregadias com sangue, e logo surgiram ruídos estaladiços e gritos, uma vez que as águas estavam cheias de tubarões amarelos incandescentes, festejando no porto cheio de sangue.
Duncan olhou lá para fora e lentamente ocorreu-lhe o que tinha feito: toda a frota Pandesiana, horas atrás colocada de uma forma tão provocadora no porto, um sinal de conquista da Pandesia, já não existia. As suas centenas de navios tinham sido destruídos, todos a arderem juntos na vitória de Duncan. A sua velocidade e surpresa tinham dado resultado.
Ouviu-se um grande grito entre os seus homens, e Duncan virou-se para vê-los a aplaudir enquanto observavam os navios a arderem, com as suas caras pretas de fuligem, exaustos de terem montado durante a noite – contudo todos eles bêbados com a vitória. Foi um grito de alívio. Um grito de liberdade. Um grito que esperou anos para ser libertado.
No entanto, mal soou quando outro grito encheu o ar – este muito mais ameaçador – seguido por um som que fez com que os pelos no pescoço de Duncan se levantassem. Ele virou-se e o seu coração caiu para ver os grandes portões para o quartel de pedra a abrirem-se lentamente. Quando o fizeram, apareceu uma visão assustadora: milhares de soldados Pandesianos, completamente armados, em fileiras perfeitas; um exército profissional, superando os seus homens dez para dez, estava a preparar-se. E, quando os portões se abriram, eles soltaram um grito e atacaram-nos diretamente.
O monstro tinha sido despertado. Agora, a verdadeira guerra começaria.
CAPÍTULO SEIS
Kyra, agarrando a crina do Andor, cavalgou pela noite, com Dierdre ao lado dela, Leo aos seus pés, todos a correr pelas planícies cheias de neve a oeste de Argos como ladrões em fuga durante a noite. Enquanto cavalgava, hora após hora, o som dos cavalos a bater nos seus ouvidos, Kyra perdeu-se no seu próprio mundo. Ela imaginou o que poderia estar à sua frente na Torre de Ur, quem poderia ser o seu tio, o que ele diria sobre ela, sobre a sua mãe, e ela mal podia conter o seu entusiasmo. No entanto, ela também tinha de admitir, ela sentia medo. Seria uma longa caminhada para atravessar Escalon, uma caminhada que ela nunca tinha feito antes. E iminente à frente deles, lá estava a Floresta de Espinhos. As planícies descobertas estavam a chegar ao fim, e em breve eles ficariam imersos numa claustrofóbica floresta repleta de animais selvagens. Ela sabia que deixariam de existir regras assim que cruzassem aquela linha de árvores.
A neve batia-lhe na cara enquanto o vento uivava através das planícies descobertas, e Kyra, com as mãos dormentes, deixou cair a tocha da mão, percebendo que já estava queimada há muito tempo. Ela galopava na escuridão, perdida nos seus próprios pensamentos, sendo o único som o dos cavalos, da neve por baixo deles, e do grunhido ocasional de Andor. Ela podia sentir a raiva dele, a sua natureza indomável, diferente de qualquer fera que ela alguma vez já tivesse montado. Era como se Andor não só não tivesse medo do que estava para vir – como ainda desejasse abertamente um confronto.
Embrulhada nas suas peles, Kyra sentiu outra onda de dores de fome, e quando ouviu Leo gemer mais uma vez, ela apercebeu-se que não podiam ignorar a sua fome por muito mais tempo. Eles estavam a galopar há horas e já tinham devorado as suas tiras congeladas de carne; ela apercebeu-se, tarde demais, que não tinha trazido provisões suficientes. Não houve caça pequena nesta noite de neve, o que não augurava nada de bom. Eles teriam que parar e encontrar comida em breve.
Eles abrandaram quando se aproximaram da periferia da floresta, com o Leo a rosnar para a linha das árvores. Kyra olhou de relance para trás, para as planícies ondulantes que conduziam de volta para Argos, no último céu aberto que ela iria ver por um tempo. Ela voltou-se e olhou para a floresta, e uma parte dela estava relutante em continuar. Ela conhecia a reputação da Floresta de Espinhos, e isto, ela sabia, era um momento sem retorno.
"Estás pronta?", perguntou ela a Dierdre.
Dierdre parecia agora ser uma miúda diferente daquela que tinha deixado a prisão. Ela era mais forte, mais decidida, como se ela tivesse estado nas profundezas do inferno e estivesse de volta pronta para enfrentar qualquer coisa.
"O pior que pode acontecer já me aconteceu a mim”, disse Dierdre, com uma voz fria e dura como a floresta diante delas, uma voz demasiado velha para a idade delas.
Kyra anuiu, compreendendo – e juntos, eles partiram, entrando na linha das árvores.
No momento em que o fizeram, Kyra imediatamente sentiu um arrepio, mesmo nesta noite fria. Estava mais escuro aqui, mais claustrofóbico, cheio de árvores escuras e antigas com galhos retorcidos que se assemelhavam a espinhos e folhas pretas e grossas. A floresta não exalava uma sensação de paz, mas sim uma sensação do mal.
Eles continuaram numa rápida caminhada, tão rápido quanto podiam no meio destas árvores, neve e gelo que se esmagavam sob os animais deles. Ali, lentamente começaram-se a ouvir os sons de criaturas estranhas, escondidas nos ramos. Ela virou-se e observou, procurando a sua origem mas não encontrou nada. Ela sentiu que estavam a ser observados.
Eles continuaram cada vez mais para dentro da floresta, e Kyra tentava dirigir-se para oeste e norte, como o seu pai lhe tinha dito, até encontrar o mar. À medida que eles iam, Leo e Andor rosnavam para criaturas escondidas que Kyra não conseguia ver, enquanto ela se esquivava nos ramos arranhando-a. Kyra reflectiu sobre o longo caminho à sua frente. Ela estava animada com a ideia da sua missão, mas ela estava ansiosa por estar com seu povo, por estará a lutar ao seu lado na guerra que ela tinha começado. Ela já se sentia urgência em voltar.
À medida que as horas passavam, Kyra olhou para a floresta, perguntando-se quanto faltaria para chegarem ao mar. Ela sabia que era arriscado cavalgar em tamanha escuridão – mas também sabia que era arriscado acamparem aqui sozinhos – especialmente quando ouviu outro barulho inquietante.
"Onde é o mar?", perguntou finalmente Kyra a Dierdre, basicamente para quebrar o silêncio.
Ela podia adivinhar pela expressão de Dierdre que a tinha tirado dos seus pensamentos; ela até podia imaginar em que pesadelos ela estaria perdida.
Dierdre abanou a cabeça.
"Quem me dera saber”, respondeu ela, com a voz seca.
Kyra estava confusa.
"Não vieste por este caminho quando eles te levaram?", perguntou ela.
Dierdre encolheu os ombros.
"Eu estava presa numa jaula nas traseiras da carruagem”, respondeu ela, "e inconsciente durante a maior parte do tempo da viagem. Eles podem ter-me levado em qualquer direção. Eu não conheço este bosque.”
Ela suspirou, espreitando a escuridão.
"Mas à medida que nos aproximarmos da Floresta Branca, eu devo reconhecer mais."
Eles