Com uma força que ele não percebera possuir, Kyou atirou o homem agressor a seis metros de seu corpo trêmulo. Ele passou o antebraço pela boca com desgosto enquanto rosnava perigosamente.
â Calma, criança, acalme-se â falou o homem enquanto se levantava e tirava a sujeira de suas roupas. Seus olhos brilharam com promessas enquanto seu corpo cintilava levemente e então desapareceu na noite. â Vou estar assistindo, esperando por você, meu animal de estimação.
O mundo de Kyou se despedaçou enquanto olhava para o corpo sem vida de seu irmão.
â Vingarei a morte do meu irmão e passarei a eternidade caçando você se for preciso. Quando eu lhe encontrar, você pagará por isso, Hyakuhei.
Ele ficou de joelhos e ergueu suavemente o corpo de Toya em seu peito, encostando sua cabeça suavemente. O cabelo de seu irmãozinho havia se afastado de seu rosto fazendo com que a visão de Kyou nublasse enquanto tentava conter o fluxo de lágrimas, sem conseguir. Parecia que Toya estava simplesmente dormindo, pacÃfico pela primeira vez em muito tempo.
Ele observava enquanto suas lágrimas escorriam sobre o rosto de Toya e Kyou sentiu seu coração se partir. Apertando seu amado irmão forte contra ele, Kyou sussurrou com uma voz instável:
â Toya, por favor, perdoe-me por não ter chegado aqui a tempo â sua respiração estremeceu quando ele cerrou os olhos diante de tanta dor. â Eu sabia que você precisava de mim. Eu deveria ter salvado você.
A mente de Kyou correu para o dia em que Hyakuhei o transformou no que ele era agora, um dia depois da morte de seu pai. Kyou sabia que Hyakuhei só queria a ele e Toya era apenas uma criança pequena. Então, para proteger Toya, Kyou deixara Toya com seu tio mesmo quando seu irmãozinho tinha chorado, implorando para ele não partir.
Ele ainda lembrava da desconfiança que brilhava nos grandes olhos dourados de Toya quando olhava para Hyakuhei, desafiando-o a tirar seu irmão mais velho dele. Era a lembrança desse olhar assombrado que ajudara Kyou a ficar longe de seu irmão por vários anos para protegê-lo.
Quando Toya ficou mais velho, Kyou se viu ansioso por vê-lo, secretamente visitando-o e observando de longe, observando seu irmão viver a vida que ele não podia. Observar Toya secretamente tinha sido a única felicidade de Kyou durante aqueles dias sombrios. Muitas vezes, ele se escondia no quarto de Toya para vê-lo dormir.
Se ele soubesse que Hyakuhei o seguia e observava enquanto Kyou olhava por Toya, ele nunca colocaria Toya em perigo assim. Seu tio transformou Toya porque ele pensou que era o que Kyou queria. Tinha sido culpa dele que Toya tivesse morrido na primeira vez.
Toya lutou contra seu tio, durante a transformação e depois. à medida que seus argumentos se tornaram mais viciosos, Kyou tentou manter a atenção de Hyakuhei longe de seu irmão. Então Toya começou a falar sobre uma cura para vampiros: o Cristal do Coração Guardião. Ele jurou que iria encontrá-lo e curar os dois.
Toya encontrou sua cura na morte.
Fazendo o que podia para evitar olhar para a cavidade agora vazia onde o coração de seu irmão havia residido, Kyou levantou-se e levou o corpo de Toya longe daquele local para lhe dar um enterro digno.
Ele não podia mais sentir a presença de Hyakuhei, mas sabia que estava perto, observando-o de alguma forma, sempre o observando. Kyou entendeu agora que ele teria que partir, se esconder até ser forte o suficiente para derrotar o mal que havia roubado a única coisa que lhe era mais querida: seu irmãozinho. Ele passou pela escuridão deixando a clareira em total silêncio.
Kamui soltou um suave suspiro de alÃvio quando os irmãos se foram e abaixou sua barreira de invisibilidade em torno da forma maltratada de Kotaro. Olhando para o Lycan, Kamui sabia que levaria um tempo para que as feridas de Kotaro pudessem curar, não apenas as feridas de seu corpo, mas as feridas que agora estavam profundamente enraizadas no coração também.
â Vamos â sussurrou Kamui, puxando um dos braços de Kotaro nos ombros e ajudando-o a ficar de pé. â Hyakuhei não foi longe e eu preciso tirar você deste lugar desprotegido. â Os olhos dele brilhavam com a cor do pó do arco-Ãris enquanto tentava reter suas próprias lágrimas. Foi em vão, pois ele podia senti-las escorregando pelo rosto em trilhos quentes.
Muita coisa foi perdida no perÃodo de apenas algumas horas mortais... ele agora entendia o que ser mais sombrio do que as sombras realmente significava. Ele não perderia Kotaro também.
Eu não o odiava tanto â sussurrou Kotaro, olhando abatido para onde o corpo de Toya tinha ficado momentos antes. Ambos amaram Kyoko e ela, por sua vez, teve carinho por ambos... nunca escolhendo um em vez do outro quando eles estavam lutando... até hoje à noite. O destino só lhe havia dado poucas horas, pelo menos Toya não sabia disso.
Sua mão se fechou em um punho e ele apertou. Toya teria ficado louco, mas ele estaria vivo. â Preferiria enfrentar a raiva dele... não isso... não isso. â Sua voz vacilou.
Ambos tentaram protegê-la, mas agora Toya... os olhos azuis gelo de Kotaro nadaram com lágrimas não derramadas:
â Eu nunca o odiei.
â Ele sabe que não â disse Kamui, levando o Kotaro na direção do único lugar seguro que conhecia... o mago, a casa de Shinbe. Ele precisava contar para o amigo sobre o destino de Toya e de Kyoko. Shinbe de alguma forma sabia o que fazer, ele sempre sabia.
â Eu vou matar aquele bastardo do Hyakuhei! â rosnou Kotaro enquanto lutava contra a restrição de Kamui, sua natureza de licantropo indo à superfÃcie. â Ele a matou... ele matou Toya por causa dela. Quando eu o encontrar, ele desejará nunca ter nascido humano.
Como se o vento tivesse sido arrancado de si, o corpo de Kotaro estremeceu. Ele sabia que Toya era muito mais forte do que ele jamais reconhecera, mas sem Kyoko para proteger, Toya perdeu a vontade de lutar. Hyakuhei sabia disso antes da luta ter começado.
O sofrimento de Toya o fez ficar irritado, impaciente. â Se ele tivesse esperado mais alguns momentos, Kyou poderia tê-lo salvado. â A tristeza pendia em todas as sÃlabas enquanto Kotaro limpava as lágrimas com raiva, lágrimas que silenciosamente deixavam trilhas em seu rosto.
â Eu queria salvar os dois... Kyoko. â A dor em seu corpo enfraquecido era demais quando ele fechou os olhos azuis brilhantes e cedeu ao nada que acalmaria a dor por um curto perÃodo de tempo.
Kamui assentiu enquanto levantava o corpo mole de Kotaro e o carregava.
â Você já fez o suficiente. Descanse agora â sussurrou ele. â à minha vez de salvar as pessoas.
CapÃtulo 2
Perto da hora do amanhecer, Kamui pairava acima de uma sepultura não marcada. Os dois homens de cada lado dele eram tudo o que ele tinha. Ele observou Shinbe usar seus poderes telecinéticos para remover a terra do túmulo de Toya e ampliá-lo o suficiente para dois corpos.
Shinbe e Kotaro tinham a mesma expressão agora... tristeza e uma força teimosa. Kamui sabia que eles estavam tentando parecer fortes para ele, mas ele podia ver a melancolia que ambos escondiam.
Todos olharam para o túmulo... a realidade dolorosa de tudo aquilo sendo absorvida. As coisas não deveriam acabar assim... o lado bom não deveria perder... ou morrer. Shinbe os ajudou a tomar uma decisão sobre o que fazer. Buscando o corpo de Kyoko, eles o levaram para o túmulo onde Kyou colocou