Terminamos de nos alimentar, pegamos uma mochila , colocamos água e comida dentro dela, nos despedimos de Angel e ,antes de ir embora, ele nos abençoa e deseja boa sorte.Com tudo pronto, saímos da casa e já fora procuramos a trilha mais próxima que nos conduziria ao destino. Ao encontrarmos, iniciamos a caminhada. No momento, apesar da nossa experiência, o medo, a angústia, a incerteza, as dúvidas e todas as fraquezas predominavam. Aonde, desta vez, o destino nos levaria? O que aconteceria? Que revelação importante poderia aparecer? Estas eram algumas das dúvidas pertinentes que povoavam nosso cérebro. Contudo, isto servia de estímulo para nós porque instigava nosso instinto de escoteiro. Éramos os três mosqueteiros da história, contando com Angel que se reduzia a dois nesta parte do trajeto.
Continuamos a caminhar e a cada passo que damos temos a oportunidade de rever lugares, árvores, o céu, o sol, o chão, enfim, todos os aspectos. Algumas vezes, paramos por instantes .Precisávemos nos recuperar e hidratar. Num desses momentos, dou as costas pro universo e grito bem alto:Eu sou feliz, estou me reencontrando com minha história e dos lendários antepassados. Usa-me,Deus! Diga também, leitor, algo motivador e terás o mesmo sentimento que o meu neste instante. Depois do grito, sinto as mãos do destino agirem e uma voz do céu a nos guiar. Com isso, continuamos nossa busca. Um pouco mais adiante, chegamos a um terço do percurso.
Exatamente noventa e oito passos depois, o sol brilha mais forte, a terra treme, e um túnel se abre a nossa frente. De dentro dele, saem espíritos de cangaceiros os quais nos cercam irremediavelmente. Um deles, que parece ser o chefe, se aproxima mais, me chama, e se comunica com uma voz fanhosa e obscura:
—Cabra da peste, para avançar terás que me vencer num duelo. Se fracassares, levarás chumbo no couro e nos acompanhará até o submundo de onde não poderá escapar.
—E se eu me negar? (Pergunto)
—Leva chumbo no couro também. (Cangaceiro chefe)
Sem opção, concordo em participar, meu adversário me lança uma espada e fica com outra. Colocamo-nos em posição de combate e um pouco depois a luta se inicia. Inicialmente, fico na defensiva, apenas acompanhando e rebatendo os golpes rápidos do meu perigoso adversário. Em algumas vezes, ele me atinge e começo a sangrar um pouco em várias partes do corpo. Porém, não desisto. Mesmo fraco e reconhecendo a superioridade do meu adversário, continuo insistindo na batalha e estudando uma forma de reagir.
Continuamos batalhando e ,quando me sinto seguro, desfiro o primeiro golpe.Com um pouco de sorte, o atinjo em cheio. Ele cai e aproveito a situação para esmagá-lo com a ponta da espada. O atinjo imediatamente no coração, e no exato momento que isso ocorre, a terra treme, os espíritos dos cangaceiros se afastam, o sol brilha mais forte e as minhas esperanças renascem. Grito,cheio de felicidade:
—Eu consegui.
Por um lado, fico feliz pela superação do obstáculo e por outro sinto remorsos pelo despertar do meu “eu” animal que era capaz de ferir, agredir, destruir mesmo que não fosse uma pessoa viva. Seguindo este eu animal, na minha noite escura da alma, magoara diversas pessoas, tinha ido até o limite das “trevas”, libertara “meu mensageiro” completamente. Apesar de tudo isto ser passado e eu já ter sido perdoado pelas forças benignas do universo ainda era uma lembrança dolorosa. Não era bom reviver num momento tão importante da minha carreira.
Um instante depois, sento, choro de tristeza e emoção, chamo por Renato, ele se aproxima e peço colo. Deito minha cabeça em seu peito e desafogo meus sentimentos. Ele me diz palavras de consolo e auxiliado pelo seu carinho, recobro totalmente minhas energias. Quando estou pronto, o abraço e me levanto enfim. Combinamos de continuar a caminhada enquanto ainda era cedo.
Imediatamente, voltamos andar sobre pedras,flores,o chão seco, o sol escaldante do agreste e contemplamos a pequena relva da caatinga remanescente. Aonde nossos passos nos levariam? Certamente viveríamos experiências interessantes que enriqueceriam nosso leque de conhecimentos e nos fariam evoluir ainda mais abrindo a possibilidade de descobrir mundos inóspitos, intrigantes e desconhecidos da maioria das pessoas modernas.Nisto residia nosso grande desafio: Auxiliados pela visão e co-visão,descortinar o véu do tempo, analisar os fatos imparcialmente e trazer entretenimento e diversão para os leitores. Não era uma tarefa fácil mas totalmente possível pois eu e Renato formávamos uma dupla vencedora e imbatível até o momento. Pelo menos, era assim que sentíamos e pensávamos. Desta forma, munidos de otimismo avançamos cada vez mais. Um pouco mais adiante, ultrapassamos os dois terços do percurso. O objetivo final se aproximava.
Neste exato momento, estávamos muito focados e concentrados no desafio.Por isso, não tínhamos tempo nem disposição para pensar em algo além disso. Claro que sentíamos um aperto no peito, saudades de nossos familiares, medo, culpa, ansiedade, mas nada disso podia nos atrapalhar pois andávamos naquela trilha estreita com a mesma força, garra e fé que demonstrei quatro anos atrás ao galgar completamente a montanha. O sentimento de luta era realmente o mesmo apesar de serem situações totalmente diferentes.
O tempo passa um pouco. A expectativa a cada minuto que passa aumenta e resolvemos então decidir tudo logo apressando nossos passos. Quando menos esperamos, já avistamos o local do destino e a visão nos sufoca um pouco. Resolvemos parar a fim de recompor forças: Fazemos um lanche, nos hidratamos, planejamos detalhadamente nossos próximos passos. Com tudo acertado, voltamos a caminhar, driblamos mais alguns obstáculos e uns quinze minutos depois finalmente chegamos ao destino.
Estávamos no centro duma planície extensa e rochosa, local que no passado serviu de encontro entre os remanescentes lendários “cangaceiros de Virgulino” e os justiceiros do sertão. Aproveitamos o momento, respiramos aquele ar sagrado e imaginamos mil estórias a desenrolar na vida de pessoas tão importantes naquela época. Mas o que tudo aquilo tinha a ver com o sexto dom, o de piedade? Era algo que estávamos prestes a descobrir.
Eu e Renato nos damos as mãos, nos concentramos a fim de tentar novamente o desenvolvimento da co-visão.Intuitivamente,seguimos todos os conselhos do mestre e nos inspiramos em aventuras passadas para despertar um pouco mais do nosso poder interior.Com o passar do tempo,relaxamos,esquecemos tudo à nossa volta, fechamos os olhos, gradativamente vamos perdendo a consciência e quando menos esperamos, nossos espíritos se desprendem de nossos respectivos corpos.
Fora do corpo, ficamos frente a frente, nos aproximamos mais. Porém, antes do nosso encontro somos separados por forças incompreensíveis e superiores.Aí se inicia uma pequena batalha particular e mental. Nossos medos mais internos se manifestam, nos atormentam e nos fazem cair por terra. O que faríamos agora? Eu me vejo, como no passado, com medo do escuro, medo dos familiares mais velhos, medo de fantasmas, medo da sociedade e das pessoas por algo que não tinha culpa. Nesta oportunidade, reflito sobre tudo, analiso a situação e tomo uma decisão nunca antes pensada (Resolvo gritar para o mundo inteiro):
—Eu não tenho medo!Meu nome é Aldivan Teixeira Torres,sou um jovem família apesar de incompreendido por ela,sou um cara bacana,sem frescuras,consciente do que sou e que quero,que aprendeu a conviver com um dom e usá-lo para o bem,que resolveu usar a literatura para ensinar um pouco das muitas experiências carnais e espirituais vividas apesar de ter apenas trinta anos.Eu sou uma pessoa do bem!.
Depois do grito,a pressão acalma e me liberto pouco a pouco dela.Quando me sinto completamente bem,me levanto e observo Renato.O mesmo ainda encontra dificuldades para superar os seus traumas familiares,especificamente o caso do pai que o batia freqüentemente.Com intuito de ajudá-lo,dou outro grito:
—Renato,eu ,Angel e a guardiã,estamos com você.Ninguém mais irá machucá-lo.Liberte-se!
Depois do que disse, ele me parece melhor e logo está de pé. Vencemos a primeira etapa.